Confira a segunda parte da entrevista do professor da USP e sociólogo Ruy Braga, dada logo após à aprovação do Projeto de Lei das Terceirizações, exclusivamente para o Blog Convergência. A primeira parte da entrevista pode ser lida aqui.
Aldo Sauda: Desde nossa ultima conversa, aprovou-se no congresso a PL da Terceirização, com apoio de todos os partidos da base governista, a exceção do PT e PC do B. Ao mesmo tempo, o governo, pelo Ministério da Fazenda, participou intensamente das ultimas negociações em torno da PL, preocupado com a arrecadação de impostos. Qual foi a postura do governo Dilma e o que ele mudou no projeto?
Ruy Braga: Em primeiro lugar, é preciso ter claro que a votação da PL da Terceirização ocorre em um contexto marcado por ataques e pela ofensiva patronal contra os direitos dos trabalhadores. O primeiro movimento deste ataque foi dado pelo próprio governo Dilma, quando no final do ano passado, no dia 30 de dezembro, o governo editou duas medidas provisórias, a MP 664 e MP 665, cujo sentido básico era endurecer as regras de acesso dos trabalhadores a certos direitos, especialmente o direito ao seguro-desemprego. Foi isto que sinalizou o inicio de uma nova ofensiva contra os trabalhadores. A aprovação de ontem da PL das Terceirizações, do antigo deputado Sandro Mabel, que nem mais deputado é, se soma a outros ataques contra o direito dos trabalhadores inaugurando uma nova etapa para o mundo do trabalho brasileiro.
A postura do governo, que, diga-se, iniciou estes ataques, foi a pior possível. A rigor a única medida empreendida foi uma tentativa de negociação com o dep. Eduardo Cunha pelo ministro Joaquim Levi, a fim de minimizar os impactos fiscais na arrecadação. Propunham que a arrecadação de PIS, Cofins, FGTS, etc, ficasse com a empresa contratante, pois as empresas terceirizadas pagam menos impostos devido ao rebaixamento salarial e existe muita evasão fiscal neste “mundo-cão” das empresas terceirizadas. Diga-se de passagem, nem isto o governo conseguiu!
Evidentemente, isto mostra de que lado o governo está. No essencial, concorda com o projeto de lei. No entanto, preocupa-se com o impacto que isto terá sobre a arrecadação. A postura do governo, indiscutivelmente, foi a pior possível.
A: O que, de fato, mudou na lei?
R: Bem, em relação ao que temos hoje, os ajustes negociados no congresso são, de fato, meros detalhes. Não há nada de importante que tenha sido alterado no projeto. Projeto este que estabelece um marco político para a aplicação da flexibilidade, em outras palavras, a precarização da forca de trabalho no Brasil nas suas múltiplas dimensões. No aspecto salarial, na jornada de trabalho, e até mesmo na dimensão sócio-ocupacional. Você tem ai não apenas o estabelecimento de uma política que vai favorecer em muito as empresas, pois vai efetivamente rebaixar os salários, quando ao mesmo tempo inicia-se uma era em que muitas empresas não terão mais trabalhadores diretamente contratados, o que é uma tragédia.
O salário dos trabalhadores terceirizados, que são em media 30% menos que dos trabalhadores diretamente contratados, os acidentes e as mortes, acontecem majoritariamente nos setores terceirizados. A jornada de trabalho também estará mais “flexível”, o que significa que serão mais longas. Você terá uma jornada de trabalho, em média, com 3, 4 horas a mais por semana. Uma serie de problemas relativos a construção de uma identidade coletiva do trabalho, problemas relacionados à organização e à auto-organização sindical, dificuldade enorme de representação sindical efetiva entre os trabalhadores sindicalizados, fragmentados em muitas entidades. Em suma, uma série de problemas. Há também o tema do desemprego. Diz-se muito que a terceirização cria empregos, mais isto não é verdade. A duração da jornada de trabalho dos trabalhadores terceirizados é maior. Caso a terceirização no país fosse proibida hoje, você criaria pelo menos 1 milhão de empregos formais devido à diminuição da jornada coletiva de trabalho. A terceirização não é estratégia de criação de emprego, ela é uma estratégia de precarização da força de trabalho no Brasil.
A: como você avalia a postura do congresso? Quando conversamos há alguns dias atrás, você imaginava que a votação seria esta lavada?
R: Estávamos, como havia dito, na iminência de uma derrota histórica. Este congresso é absolutamente refratário aos interesses dos trabalhadores. Basta você ver o que está em pauta e sendo encaminhado pelo deputado Eduardo Cunha, que é um político extremamente reacionário. Evidentemente este projeto de lei que favorece os interesses empresariais será apoiado por um grande número de deputados e senadores eleitos com o dinheiro destes mesmo empresários. Não há hipótese de não aprovar isto na Camara, e acredito que ocorrerá algo semelhante no Senado, talvez com uma votação proporcionalmente não tão grande, mas este é o sentido das coisas, por mais trágico que isto seja.
Tenho afirmado que estamos na iminência de uma derrota histórica. Esta derrota esta se consubstanciando na maior derrota da classe trabalhadora desde 1964. Digo isto porque politicamente temos hoje uma ofensiva em grande escala, generalizada, das forças antagônicas ao trabalho no contexto político-nacional. Ao mesmo tempo, quando fiz esta afirmação, estava pensando na aprovação do Congresso Nacional da lei do FGTS, pela ditadura militar em 66 que acabou com a estabilidade no emprego e institucionalizou a rotatividade do trabalho, uma das marcas da ditadura civil-militar no país. Algo semelhante está acontecendo agora, mas num governo do PT.
A: o que falta para o ataque se concretizar?
R: Falta ser votado pelo Senado e sancionado pela presidente da Republica. Pode haver algumas pequenas modificações, nada de substantivo, mas acredito que será aprovado porque o governo é basicamente o governo do PMDB, que está empenhado em aprovar o projeto. O curioso é que a Dilma terceirizou a presidência para o Temer um dia antes do congressou aprovar o PL das terceirizações.
A: Existe chance do projeto ser barrado pela presidente Dilma?
R: Mínima. Da maneira que está, é possível que ainda haja algum tipo de negociação por conta dos impactos fiscais, pois o governo perderá arrecadação, mas na essência, não acho que o projeto será barrado pela presidenta.
A: O que a nova lei muda em relação à organização sindical?
R: A lei é péssima para a organização dos trabalhadores. Temos de entender que muito provavelmente, no médio prazo, você vai ter 30 milhões de trabalhadores terceirizados. Haverá um aumento dos 12 milhões de hoje para 30 milhões caso a lei seja aprovada. Isto significa uma inversão daquilo que existe no mercado formal deste país. Atualmente, 50 milhões tem carteira assinada e 12 milhões são terceirizados. Isto vai se inverter, vão ser 30 milhões com terceirizados, e 20 milhões com emprego regular, concentrados no serviço publico, sobretudo, além dos setores que tem representação sindical mais forte.
Para o movimento sindical obviamente isto será devastador. O trabalhador terceirizado praticamente não tem acesso à organização sindical, afinal, quantos destes sindicatos de fato existem? Os sindicatos de terceirizados são muito frágeis, sindicatos que muitas vezes são instrumentos do patrão contra a organização destes trabalhadores terceirizados.
Por outro lado, você terá queda de arrecadação. A base dos sindicatos vai ser erodida progressivamente. O PL deixa o sindicalismo em uma situação absolutamente frágil.
A: A CUT organizou pequenas manifestações nacionais, uma em Brasília na frente do Congresso, contra a PL das terceirizações. Anunciou-se que a direção da CUT pretende organizar uma greve geral dia 15 de Abril. A CUT tem fôlego para chamar uma greve geral no Brasil hoje?
R: É difícil dizer. Imediatamente talvez não, mas não descartaria a força que a CUT tem. Ela representa 33% dos trabalhadores sindicalizados no país. Isto não é pouca coisa. Podemos dizer o seguinte, que a CUT não tem força o suficiente para chamar uma greve geral, mais qualquer greve geral passará pela CUT.
A: E qual sua avaliação deste chamado?
R: Avalio que qualquer iniciativa que se coloque na perspectiva de derrotar este projeto de lei é bem-vinda. A greve geral contra a PL das Terceirizações é um instrumento importante a ser construído. Neste momento não há espaço para sectarismos, temos de somar forças com as centrais, agrupamentos políticos e partidos dispostos a derrotar o projeto de lei.
Como afirmei, este projeto institucionaliza uma nova era, extremamente regressiva, nas relações trabalhistas deste país, algo inadmissível para os trabalhadores. Portanto, todos aqueles que estiverem contra o projeto de lei devem ter lugar num movimento nacional para derrotar este projeto.
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