Carlos Dias
No começo de 1985 a vida sorria para os torcedores do Fluminense, o tricolor carioca era bicampeão estadual (numa época em que isso valia muita coisa) e campeão brasileiro, numa histórica final doméstica contra o Vasco. Um desses tricolores, Dado Villa-Lobos, guitarrista da Legião Urbana, iniciava a gravação do primeiro álbum da sua banda no Rio de Janeiro, após apenas sonhar com o Maracanã por anos em Brasília. Neste ano de 2015, aquele disco, batizado simplesmente de Legião Urbana e usualmente conhecido como “o primeiro”, completa 30 anos de seu lançamento.
O Começo
Mas nossa história começa um pouco antes disso, em 1983. Em março daquele ano a Legião Urbana iniciou uma série de shows semanais com outros grupos brasilienses na Associação Brasileira de Odontologia(!), localizada na 616 Sul. O Brasil vivia os últimos anos da ditadura militar e a banda tentava escapar do cerco dos censores com táticas de guerrilha: “antes de cada apresentação éramos obrigados a enviar para a instituição responsável pela censura a letra de cada canção”, lembra Dado. “Para ter as músicas liberadas trocávamos as palavras mais fortes por outras mais suaves no formulário que entregávamos para a censura”, conta o músico numa ensolarada tarde de verão carioca.
A série de shows na ABO, aliada a várias outras apresentações que o grupo fez pela cidade, chamou a atenção do então diretor-artístico da EMI-Odeon, Jorge Davidson, que convidou os quatro rapazes para gravar um compacto (nunca lançado), que incluiria “Ainda é Cedo” e “Geração Coca-Cola”.
Quando a Legião chegou à Cidade Maravilhosa, Davidson se deu conta do tesouro que tinha em mãos. Além das duas músicas citadas acima, o grupo já tinha prontas “O Reggae”, “Teorema” e “Baader-Meinhof Blues” (cujo nome é uma referência ao grupo guerrilheiro alemão dos anos 1970), pra citar apenas três clássicos. “Era um sonho pra gente, imagina, era a mesma gravadora dos Paralamas nos contratando. Por sinal, o Herbert Vianna, que já era nosso amigo, também deu bastante força”, diz o artista, que tinha apenas 18 anos na época.
Só que não seria naquele momento que o sonho se tornaria realidade. O primeiro produtor escalado para acompanhar o grupo na gravação do álbum foi Marcelo Sussekind, excelente profissional, porém com uma pegada de rock’n’roll tradicional (basta lembrar que ele fazia parte do grupo de hard rock Herva Doce): não rolou… A segunda tentativa trouxe Rick Ferreira, fiel escudeiro de Raul Seixas. Mais uma vez, água; o choque de gerações foi mais forte. “O Davidson nos mostrou um LP do Bob Seger, que era como ele achava que nosso som poderia ser, na época éramos um pouco radicais, não era o que queríamos”, afirma Dado.
Achando o Tom
Os fracassos no estúdio levaram a banda de volta a Brasília. “O que nos salvou foi um papo que tivemos com o Mayrton Bahia (histórico produtor musical), foi empatia imediata, conversamos horas com ele, o Mayrton era mais antenado com o que acontecia na cena musical naquela época”. Além de Mayrton, surge outra figura-chave: o jornalista José Emílio Rondeau. Ao lado da também jornalista Ana Maria Bahiana, Rondeau editava a revista Pipoca Moderna, publicação aberta para a nova cena musical, que apresentava para o Brasil (naquela época não havia internet…) talentos como Gang of Four, Joy Division e Talking Heads, grupos que exerceram bastante influência na jovem Legião Urbana. Assim, sob a batuta de Rondeau e com a supervisão luxuosa de Mayrton, o grupo acha o tom e consegue avançar no estúdio. “Foi uma época muito bacana, estávamos num hotel em Copacabana e todo dia pegávamos o ônibus pra Botafogo, pra gravar na sede da EMI. “Por Enquanto” foi a última música a ficar pronta”, recorda o legionário.
O som novo da banda causava alguma estranheza na gravadora: “lembro que havia um engenheiro de produção, Amaro Moço, cara fera, mas que estava acostumado a gravar Clara Nunes, Gonzaguinha e afins. Quando terminamos o disco, virei pra ele e perguntei, diz aí, Amaro, qual música você gostou mais? Lembro que fiquei surpreso quando ele respondeu ‘Baader-Meinhof Blues’”, recorda Dado. Curiosamente, a adição de violões e guitarras menos distorcidas e mais melódicas acabou dando razão a Davidson: “pois é, nosso primeiro LP até lembrava um pouco Bob Seger”, ri Dado.
Rock in Rio e a Volta da Censura
Um pouco antes do lançamento do disco, que aconteceu em março de 1985, o Rio de Janeiro recebeu o Rock in Rio, a Legião, ainda sem álbum na praça, não foi sondada para participar do festival. “Lembro que assisti ao RiR em Brasília, numa TV preto e branco de 14 polegadas. Mas o festival foi fundamental para institucionalizar o Rock no Brasil, de certa maneira ele abriu caminho para que nosso disco de estreia fosse bem recebido pelo público”. E como foi… Legião Urbana vendeu cem mil cópias em pouco tempo (disco de ouro), e já acumula mais de um milhão de unidade vendidas nesses trinta anos.
Dado conta qual era sua expectativa: “a gente fez o que tinha que fazer, a banda deu o máximo, eram muitas músicas boas, mas lembro que minha grande dúvida na época era se as músicas tocariam no rádio”, recorda.
Curiosamente, a Legião Urbana voltou a ter problemas com a censura em 1987, quando o país vivia sob o governo de José Sarney (eleito vice-presidente pelo colégio eleitoral na chapa de Tancredo Neves). O terceiro LP do grupo, Que País é este, teve censuradas as faixas “Conexão Amazônica” e “Faroeste Caboclo”. Ambas tiveram a execução pública proibida.
Hoje
Trinta anos e 20 milhões de cópias vendidas do trabalho da Legião depois, Dado faz parte da Panamericana, banda na qual está ao lado de Dé Palmeira, Charles Gavin e Toni Platão, e que tem como objetivo estreitar e fortalecer os vínculos culturais e musicais do Brasil com os países irmãos, divulgando, com versões em português, algumas das canções mais importantes do pop e do rock hispanoamericano. Além disso, tem um programa de 25 minutos no canal Bis, O Estúdio do Dado, onde recebe e canta com artistas com que tem uma relação forte, em seu estúdio localizado no bairro do Horto (Zona Sul do Rio de Janeiro). Em 2012 o artista – hoje com 49 anos – lançou seu segundo álbum solo O Passo do Colapso. Está previsto para abril deste ano de 2015 o lançamento de Dado Villa-Lobos: Memórias de um Legionário (Mauad/Ediouro), biografia escrita por Dado em parceria com Felipe Demier e Romulo Mattos. Já a suculenta coleção O Livro do Disco, editada pela carioca Cobogó, promete para breve livro sobre As Quatro Estações (quarto álbum da Legião Urbana), escrito por Mariano Marovatto.
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