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TEORIA

A bancada ruralista e o Congresso do capital

Pablo Polese

Com 43,5% de renovação nos membros da Câmara, sendo 39% (198) eleitos pela primeira vez, e a leve renovação do Senado, fica a pergunta: com tanto “sangue novo” entrando no Congresso, a Bancada ruralista perdeu sua força política?

A Bancada Ruralista até janeiro de 2015

Oficializada em 1995, a Bancada Ruralista (BR) é um grupo político extremamente bem articulado internamente, dotado de alto poder financeiro e clareza ideológica. Não poderia ser diferente, num país em que a produção capitalista na esfera rural teve e segue tendo tanta importância, com respeito ao lugar do Brasil da divisão internacional do trabalho. Por isso, a BR é talvez o grupo mais influente do Congresso brasileiro, especialmente se se leva em conta que a malha de conexões que esse grupo tece começou a ser traçada pelos antecessores históricos da BR, há mais de 100 anos, valendo a pena lembrar alguns dos feitos históricos da organizada classe capitalista do campo brasileiro: o “Convênio de Taubaté”, que firmado em 1906 garantia no âmbito do Estado os lucros dos produtores de café; e a famosa política do “café-com-leite”, que estendia a toda a nação o poder das oligarquias paulista e mineira, de 1894 a 1930. Desse modo, os capitalistas do campo brasileiro estão articulados há muito tempo, dentro e fora do Estado, por todo o solo econômico. A mais recente e poderosa dessas formas de organização de classe é a chamada Bancada Ruralista do Congresso, a qual estreita os laços informais entre a classe capitalista do campo e todo o aparato institucional brasileiro, permitindo à classe atuar com alto grau de controle da produção de capital tanto no relacionamento direto com a exploração do trabalhador assalariado no campo, quanto no que diz respeito à conveniente segurança de atuar em íntima conjunção de interesses com os poderes executivos e legislativos não apenas federais, mas também municipais e estaduais.

O poder do agronegócio não nasce no aparato estatal e sim da exploração direta dos recursos naturais e da força de trabalho no campo, porém certamente encontra nas instituições políticas uma força especialmente reunida para defender os interesses do fazendeiro, do produtor agroindustrial e do latifundiário. Para todo e qualquer empecilho jurídico e político que surja, pondo em risco qualquer dos momentos da produção e realização do capital, ou mesmo interpondo barreiras ao maior lucro, essas frações capitalistas poderão contar com seus representantes ideológicos dentro do Parlamento para superar essas dificuldades. Tendo plena consciência desse papel político articulador e integrador dos interesses do produtor rural, os membros da Bancada ocupam, como o cão que não larga o osso, as Comissões e Ministérios mais diretamente ligados aos interesses do agronegócio.

Como bom indicativo do poder da BR, segue a lista de cargos atualmente ocupados por seus membros: Presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte; Presidente da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária; Presidente da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle; Vice-Presidente da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle; Líder do PMDB no Senado; 2º Suplente da Presidência do Senado; Líder do PTB no Senado; Presidente do Senado; Presidente da Comissão de Assuntos Sociais; 2º Vice-Presidente do Senado; Líder do PSC na Câmara; Líder do PSDB na Câmara; Líder do Bloco Parlamentar PR, PTdoB e PRP na Câmara; Liderança da “Minoria” na Câmara; Líder do PDT na Câmara; Líder do SD na Câmara; Líder do PROS na Câmara; Liderança do Governo na Câmara; Líder do PSD na Câmara; e por fim, Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O Capitalismo brasileiro completou-se e nesse processo a classe capitalista aprimorou suas formas de organização visando garantir de antemão a realização de seus interesses econômicos e políticos, dentro e fora da fábrica, dentro e fora da plantação, dentro e fora do Estado.

No que diz respeito a essa força do agronegócio dentro do Congresso, vale lembrar que em 2012 o deputado Homero Pereira, então líder da Bancada, chegou a qualificar a BR de “maior partido da Câmara”, e talvez o deputado não estivesse exagerando. Como o grupo suprapartidário não existe enquanto grupo formal, é preciso rastrear o poder da BR no Congresso por meio da observação do comportamento dos parlamentares, nem sempre alinhados à ideologia defendida pelo partido a que pertencem. Em virtude desse limite formal, ainda não se pode definir com exatidão o poder que a Bancada ruralista terá ao longo dos próximos 4 anos, mas um olhar aos nomes já conhecidos e seu círculo de influência nos permite determinar de antemão parte do poder que a BR manterá, depois da posse dos eleitos em 2014. Além disso, o montante doado pelas empresas do agrobusiness às campanhas dos candidatos constitui um bom indicativo do provável posicionamento político do parlamentar eleito.

Quanto à atual Bancada, o mais confiável “comprovante” de alinhamento à BR é a lista de signatários da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que no momento conta com 11 senadores e 191 deputados federais. Dois de seus signatários, Moacir Micheletto e Homero Pereira, recentemente vieram a falecer. Com essas baixas e os demais 18 deputados afastados do exercício, a Bancada Ruralista fechará 2014 com 171 Deputados Federais em exercício, lembrando que muitos daqueles 19 deputados se afastaram do exercício legislativo a fim de exercer outros cargos, na maioria das vezes (12) para serem Prefeitos. Já no Senado a Bancada terminará o ano com 11 senadores signatários da FPA, além de outros 7 que o site “República dos ruralistas” identificou como membros da BR não-signatários da FPA. São senadores cuja prática política nos últimos anos demonstrou clara inclinação a favor da política dos ruralistas e dos interesses do agronegócio no Brasil. No total, a força da Bancada atual é inegável: são 22,2 % dos Senadores (18 dos 81) e 1/3 dos Deputados Federais em exercício (171 dos 513). Supondo-se que os 19 Deputados afastados tenham deixado em seu lugar parlamentares simpáticos aos “interesses do produtor rural”, o percentual do poder da Bancada Ruralista chega aos incríveis 37%. Não por acaso ela tem conseguido defender com sucesso as medidas parlamentares favoráveis aos interesses do agronegócio, bem como tem barrado sem maiores dificuldades os projetos contrários a seus interesses estratégicos.

Uma memorável derrota parcial sofrida pela BR foi a promulgação, em 2014, da PEC do Trabalho Escravo, a qual determina a desapropriação das terras em que se flagre a exploração do trabalho em sua modalidade não-assalariada. No entanto, a verdade é que embora num primeiro momento a promulgação da PEC tenha sido vista como uma vitória, há grandes chances da Emenda se tornar inócua, em virtude das eficazes manobras da BR, sob a forma de “subemendas” à PEC. As mudanças de cunho jurídico introduzidas na PEC buscaram relativizar o conceito de trabalho escravo e interpuseram empecilhos formais que tiraram a força coercitiva que a PEC poderia vir a ter: ao inserir o termo “na forma da lei” na PEC aprovada, a BR conseguiu impor a necessidade de uma lei complementar visando regulamentar o modus operandi das punições e o próprio conceito de “trabalho escravo”, “trabalho em situação degradante” etc., tornando muito improvável a punição real com desapropriação das terras onde seja verificada a exploração dos trabalhadores em situação análoga à de escravidão – até porque com a relativização do conceito será ainda mais difícil identificar a escravidão.

A Bancada Ruralista depois de janeiro de 2015

A começar pelo Senado. Dos 18 Senadores que entendo serem da Bancada Ruralista, haverá uma baixa de 5 membros: José Sarney, já aposentado; dois deles não se candidataram à reeleição: Jayme Campos e Ruben Figueiró; outros dois foram candidatos, mas não conseguiram se reeleger: Mozarildo Cavalcanti e Gim Argello. Mas guardem o champagne, pois cinco senadores saem, e oito entram. Desses oito reforços, cinco já pertenciam à BR na Câmara, enquanto deputados federais, e agora foram eleitos senadores: Fátima Bezerra (PT/RN), Gladson Cameli (PP/AC), Ronaldo Caiado (DEM/GO), Rose de Freitas (PMDB/ES) e Wellington Fagundes (PR/MT). Já Fernando Bezerra Coelho (PSB/PE), Simone Tebet (PMDB/MS) e Antonio Anastasia (PSDB/MG) são outros três prováveis reforços à BR do Senado, já que Tebet e Anastasia receberam cada um cerca de dois milhões de reais da JBS (Friboi e Seara), segundo dados da segunda parcial de prestação de contas de campanha (a prestação de contas definitiva só sai em novembro). Além desses sete senadores, a BR provavelmente terá no novo senador pernambucano um reforço de peso: ex-ministro da Integração Nacional, Fernando Coelho conhece profundamente o projeto de transposição do Rio São Francisco, e certamente defenderá com vigor os interesses capitalistas no Complexo Industrial Portuário de Suape/PE, onde chegou a ser Presidente. A campanha do novo senador pernambucano foi financiada principalmente por cinco empresas: Eldorado Brasil Celulose doou R$ 1 milhão à campanha de Coelho, que ainda teve a ajuda financeira de PRINT Serviços Gráficos (R$ 600 mil), além da Construtora Andrade Gutierrez, Agro Industria do Vale do São Francisco e Brasil Foods, que juntas doaram outros R$ 900 mil à campanha de Coelho. O novo Senador será ainda apoiado na Câmara pelo filho, Fernando Coelho Filho, Deputado Federal signatário da FPA, reeleito.

Ainda com respeito à BR no Senado, vale observar que o membro mais venenoso da Bancada, Kátia Abreu (PMDB/TO), acaba de ser reeleita para mais 8 anos como senadora, e já tem seu nome cogitado como a provável próxima Ministra da Agricultura, no caso da reeleição de Dilma. Se a senadora for ao ministério, não deixará o Congresso sem um representante familiar, já que seu filho, Irajá Abreu, foi reeleito deputado federal. Outro senador pode ainda desfalcar a Bancada Ruralista no Senado para engrossar a Bancada Ruralista no Executivo Estadual: Eunício Oliveira foi ao segundo turno em sua candidatura ao Governador do Ceará. Sendo assim, a partir de 2015 a BR no Senado contará com no mínimo 21 senadores, quatro a mais do que possui atualmente, ou seja, 26% do Senado.

Vejamos agora como ficará a composição de Deputados Federais da Bancada Ruralista. A BR vai terminar 2014 com 170 deputados em exercício. Destes 170, depois das eleições de 2014, 109 foram reeleitos e seguirão engrossando as fileiras da BR na Câmara. Sendo assim, já sabemos de antemão que 64% da Bancada da Câmara foi reeleita. Para os otimistas, crentes de que os novos deputados federais talvez não adiram à BR, esse percentual poderia talvez ser considerado um bom número, não tão bom a ponto de nos estimular a comemorar abrindo aquela cachaça envelhecida, mas também não seria lá um número desolador. Mas guardem a cachaça, pois o número fica muito mais desanimador se observamos de perto o destino desses 36% de deputados não-reeleitos.

A fim de termos o panorama mais aprofundado, listarei a seguir o destino dos 80 membros da BR não-reeleitos deputados federais, ou seja, o destino não apenas dos 170 deputados em exercício, como também daqueles 19 deputados signatários da FPA que até esse ano estavam “fora de exercício”. Pois bem, sabemos que 109 deputados foram reeleitos. Dos 80 deputados federais restantes, 12 se afastaram do cargo para assumir o cargo de Prefeito municipal. Outro membro da BR afastou-se do cargo para exercer a função de Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento: Neri Geller. Descobrimos então o destino de 122 deputados, restando saber o rumo de outros 67 nomes. Desses 67 cinco foram eleitos senadores, um deles foi eleito deputado estadual, três foram eleitos vice-governadores em primeiro turno (Minas Gerais, Maranhão, Paraná) e outros três estão no segundo turno, concorrendo aos cargos de governador (Acre) e vice-governador (Pará e Mato Grosso do Sul). Ainda com respeito ao Executivo estadual, vale lembrar que o signatário da FPA de maior poder em exercício, o Presidente do Senado Renan Calheiros, teve seu filho, Renan Filho, eleito Governador de Alagoas, e o ex-presidente José Sarney, líder histórico da BR, segue tendo poder não apenas pela incomparável influência política que exerce, mas também por meio de seu filho, Sarney Filho (PV), reeleito deputado federal, e sua filha, Roseana Sarney (PMDB), ex-senadora e atual governadora do Maranhão. Vele frisar que esse levantamento do poder da BR levou em conta apenas os membros da BR no Congresso, sendo humanamente impossível rastrear a miríade de relações de poder que o agronegócio e os capitalistas do campo articulam nas “bancadas” dos legislativos, executivos e judiciários estaduais e municipais, por todo o Brasil.

Temos então definidos os destinos de 131 dos 189 deputados federais membros da BR em 2014, além de outros três ainda concorrentes a cargos de governador e vice-governador em Acre, Pará e Mato Grosso do Sul. Dos 55 membros da BR cujo destino ainda desconhecemos, 34 se candidataram à reeleição e, embora a grande maioria tenha obtido expressiva quantidade de votos, não se reelegeram. “Uma vitória da democracia no Brasil”, diria algum liberal mais afoito.

Fechamos assim a conta em 168 destinos conhecidos, restando 21 membros da BR que não se candidataram à reeleição em 2014, seja por impedimentos legais (prisão, ficha-suja etc.) ou opção pessoal/política, o que não significa de modo algum que estes 21 se afastaram da política. Ademais, desses 21 me parece que ao menos cinco merecem um olhar mais atento.

O primeiro deles, Abelardo Lupion: não se candidatou à reeleição, porém trabalhou pela candidatura de seu filho, Pedro Lupion, eleito deputado federal, e foi um dos coordenadores da campanha de Beto Richa, eleito governador do Paraná, assim como integra a Comissão Executiva da coordenação nacional da campanha presidencial de Aécio Neves. A BR perdeu, então, um deputado federal, mas em contrapartida certamente poderá no mínimo contar com Pedro Lupion e o novo governador do Paraná.

O segundo nome que merece um olhar atento é o de Leandro Vilela, sobrinho do ex-governador e ex-senador, atual prefeito de Aparecida de Goiânia/GO, Maguito Vilela, e primo de Daniel Vilela, eleito Deputado Federal. Certamente Daniel substituirá a posição de seu primo na Câmara com competência, posto que a família Vilela é organicamente articulada e tem grandes pretensões políticas na região, além de – ao que parece – ter vínculos estreitos com a Friboi, o que mostra que a BR tem íntimas conexões não apenas com o Rei da Soja, o Senador Blairo Maggi, atual Presidente da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle, mas também com os Reis da Carne.

O terceiro, quarto e quinto membro da BR não-reeleito mas que merece destaque é João Maia, Vilson Covatti e Zequinha Marinho. Embora não tenham se candidatado, cada um deles elegeu, para seu lugar da Câmara Federal, um parente próximo: Zenaide Maia (irmã de João Maia e esposa do prefeito de São Gonçalo do Amarante), Covatti Filho (filho de Vilson), e Júlia Marinho (esposa de Zequinha). Talvez não seja exagero supor que a Bancada Ruralista encontrará nesses três novos Deputados renovados votos a favor da causa da FPA.

Por fim, parece não ser exagero supor que dos 189 membros da Bancada Ruralista na Câmara até 2014, somados aos 17 membros em exercício na BR do Senado, o mínimo de força que a Bancada já garante de antemão para 2015, antes mesmo de podermos ter certeza de que lado sambam os demais deputados e senadores recém-eleitos, será: 109 deputados federais reeleitos, 5 recém eleitos; e 21 senadores. Poderia parecer, então, que há grande chance da Bancada Ruralista ter perdido poder na Câmara de 2015 – 2019, já que até janeiro ela terá 170 deputados federais em exercício e a partir de 2015 a pesquisa preliminar só pôde vislumbrar a permanência de 114 deputados federais mantendo o poder da BR na Câmara. Porém, se observarmos os financiamentos de campanha de muitos dos deputados recém-eleitos e se atentarmos para o fato de que dos 189 deputados federais signatários da FPA 163 se candidataram e apenas 34 não foram eleitos (enquanto no Senado a BR amargou 2 derrotas e apenas uma vitória – tendo mesmo assim aumentado significativamente seu poder do Senado) veríamos a incontestável força eleitoral mantida pela Bancada nas eleições de 2014: de 163 candidaturas rastreadas, obteve 127 vitórias eleitorais, ou seja: 78% dos candidatos da BR foram eleitos para os cargos para os quais de candidataram.

Dos 207 parlamentares da BR até 2014 apenas 36 tentaram a eleição ou reeleição e não obtiveram êxito (17%), o restante ou foi reeleito (109 deputados e um senador), ou ocupa cargos no Executivo (doze prefeitos e um ministro), ou foi eleito para outro cargo (nove a doze), ou não se candidatou (21). No caso daqueles que não se candidataram, ou que se candidataram a outro cargo, deixando livre a vaga para a candidatura a Deputado Federal, pode-se especular que eles, juntamente com seus Partidos, tenham costurado a teia de relações de modo a eleger um Deputado que prossiga o trabalho até então feito pelo ex-deputado, ou seja, pode-se supor que dentre os novos deputados haja muitos futuros membros da BR, seja por afinidade ideológica, seja por convencimento, seja por atrelamento político e financeiro direto na origem da candidatura do parlamentar. Não deve demorar muito, será possível chegar a um número mais exato das novas Bancadas. A própria Bancada evangélica, por exemplo, ao que parece diminuiu: dos atuais 68 para cerca de 50 membros. “E a esquerda?” poderia perguntar algum estrangeiro desavisado. Ora, dentre os quatro partidos que podem ser considerados “esquerda” – PSOL, PSTU, PCB e PCO –, apenas o PSOL terá parlamentares a partir de 2015, e apenas cinco, dos 513 deputados federais eleitos, ou seja, 0,97% das vagas da Câmara.

O desempenho pífio da esquerda brasileira nas eleições de 2014 pode ser explicado como se queira: um suposto conservadorismo da sociedade brasileira, um suposto descolamento das propostas da esquerda em relação às necessidades renovadas do povo etc. Eu particularmente prefiro relacionar esse desempenho à questão das verbas de campanha e, junto a isso, a falta de democratização dos meios de comunicação. Ora, para nos limitarmos aos maiores doadores da campanha de 2014, de acordo com a segunda parcial de prestação de contas de campanha divulgada no site do TSE, até final de agosto a JBS-Friboi-Seara havia doado nada mais nada menos que 94 milhões de reais para candidatos ou diretórios de onze partidos que, juntos, elegeram 378 deputados federais e ao menos 24 dos 27 senadores. Com tanto dinheiro envolvido fica difícil acreditar quando o transnacional afirma que a escolha dos políticos e partidos foi feita “a partir dos projetos apresentados por ambos, preferindo os que estivessem em linha com os valores e crenças da JBS” e que o objetivo das doações é “contribuir com o debate político e o desenvolvimento da democracia no Brasil”.

Outros grandes doadores que participaram no financiamento das campanhas de mais de 90% dos candidatos eleitos tanto para os cargos do Legislativo quanto Executivo federal e estadual foram as construtoras OAS, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Triunfo e Odebrecht, além das empresas VALE, AMBEV, UTC Engenharia, Cutrale, Banco Itaú-Unibanco, Banco Bradesco e Braskem. Por isso, embora me pareça muito improvável que a BR na Câmara tenha saído das eleições de 2014 enfraquecida (no Senado já sabemos que saiu fortalecida), a certeza absoluta que se tem é que para além de qualquer ilusão democrática o Congresso permanecerá sendo o Congresso do capital, seja do capital agroindustrial, financeiro ou de construção civil – o mais provável é que os três deem as mãos.

A constatação pode não ser nova, mas certamente devia estimular as organizações de esquerda a repensar as formas de luta contra um adversário tão poderoso e bem-organizado, dentro e fora do parlamento. As rebeliões de junho de 2013 não refletiram em maior expressividade das bancadas parlamentares ligadas aos movimentos sociais e à classe trabalhadora. Se trata então de centrar esforços para tentar reverter o quadro daqui a 4 anos, na esperança de talvez arrancar dos milhões de reais de financiamento de campanha uma ou outra vaga a mais no Parlamento? Ou será mais realista buscar saídas à esquerda ali onde pulsa o coração do capital: fábricas, empresas, plantações e galpões de colheita, em suma, em todo e qualquer lugar em que haja exploração da força de trabalho?