Valerio Arcary
” Y en nosotros nuestros muertos,
pa’ que nadie quede atrás”
Atahualpa Yupanqui
Foi hoje de manhã que o telefone tocou.
Antes de atender, eu já pressenti a má notícia.
Há cinco anos que a esperava. Didi nos deixou.
Ficamos mais sozinhos. Nosso mundo ficou menor, ficou mais triste.
Ele era um gigante. Avassalador. Tudo no Didi era intenso e ardente. Era um forte.
Um dos homens mais corajosos que conheci.
Sabia ser impetuoso, sem ser excessivo, arrebatado sem ser rude, enérgico, sem ser invasivo. Tudo no Didi transbordava.
Ele era aquele que estava sempre animado, tinha a força de uma paixão insaciável pela vida. Porque o Didi só sabia viver assim, oferecendo o coração na mão, para que todos pudessem dividir com ele o mesmo sentimento pela vida.
Sim, foi há cinco anos, um domingo de novembro, no último dia de uma reunião nacional que o Didi passou mal e foi internado. Almoçamos juntos nesse dia.
Quatro dias depois, a primeira operação.
O câncer não diminuiu suas forças, elas aumentaram. Ele o desafiou dia após dia, como se cada dia fosse o último, com uma espada na mão, porque era um guerreiro. E os guerreiros não se rendem nunca. Lutam até o último suspiro.
Didi viveu uma história de amor com o futuro. E os enamorados são teimosos, não se dobram, acreditam sempre. Não importa quão difícil seja a situação, sabem que ainda é possível.
Didi sabia que era possível. Despertou muito jovem para a causa socialista e, desde os primeiros anos, uniu-se aos internacionalistas. Abraçou a Convergência Socialista e a Quarta Internacional como o seu partido. Ajudou a construir o PT durante doze anos, e desde 1994, esteve engajado com o PSTU e a LIT/CI.
Olho para trás, para o dia em que o conheci, há trinta e cinco anos, quando ambos militávamos no movimento estudantil, e a luta contra a ditadura consumia todas as nossas energias. Didi ainda tinha um rosto de menino, em corpo de homem grande, e tinha uma postura e voz poderosas. Ele vinha da engenharia da Federal de São Carlos, eu vinha de Lisboa. A luta política nos fez ser adultos precoces. Antes dos 21 anos Didi já tinha sido enquadrado na Lei de Segurança Nacional.
O engajamento de Didi com a causa dos trabalhadores foi para valer. Abandonou o curso de engenharia e veio para São Paulo atuar junto aos bancários, que eram então centenas de milhares, e estavam na primeira linha da luta política contra a ditadura.
Didi sempre quis lutar na linha de frente. Foi sempre um valente.
Não temia o futuro, abraçava-o de braços abertos. Demitido dos bancos privados por três vezes, colocado em lista negra dos subversivos, dobrou a aposta. Uniu-se à classe operária. Foi para Volta Redonda, trabalhar em uma empresa de construção pesada dentro da CSN, uma das maiores siderúrgicas do Brasil. Em 1988 quando a fábrica estava em greve, Didi foi um dos que resistiu à invasão das Forças Armadas.
Voltou para São Paulo, prestou concurso para a Caixa Estadual e nela permaneceu como caixa por vinte quatro anos. Foi ativista em incontáveis greves das mais diferentes categorias, dirigente do sindicato dos bancários, membro da Direção Nacional da CUT. Didi foi um dos principais impulsionadores do processo que culminou na fundação da CSP/Conlutas. Dedicou os últimos anos à formação de Rede Sindical Internacional.
Cozinhava extraordinariamente bem. A feijoada dele era uma experiência virtuosa, magnífica, quase religiosa. No último carnaval, ele preparou uns camarões no alho e óleo e um arroz de polvo para mim e Su, e para o Zé Maria e Claúdia, e ficamos os quatro, com ele e Marta batendo papo durante umas horas, nos divertindo com as histórias incríveis que acontecem nas nossas vidas militantes.
A cada encontro nos redescobríamos nos olhos um do outro. Porque o Didi era um sentimental. Velhos camaradas, mas um tão diferente do outro. Abraçamos a mesma promessa, fizemos a mesma aposta, isso era o bastante.
Didi era muito divertido. Me ajudou muitas vezes a rir de mim mesmo. É para isso que servem os bons amigos. Corintiano fanático vibrava como uma criança levada com o grito de guerra da Gaviões: “Aqui está um bando de loucos!” Adorava mexer comigo por causa de minha preferência palestrina.
É assim que quero recordá-lo. Rindo de nós mesmos.
Não sei como vamos seguir em frente sem ele.
Minhas mãos tremem, e mal consigo digitar estas linhas. Derramo todas as lágrimas, porque o coração aperta, e sinto medo. Porque o Didi era um dos que nos unia.
E nada é mais importante que a confiança entre revolucionários. Nada.
Mas seguiremos, porque levaremos sempre Didi conosco.
Olha só Didi, depois de tantos dias tão ensolarados nesta cidade, o céu ficou agora nebuloso e escuro. Que é como nos sentimos pela tua perda. Estamos de luto.
Vou sair de casa e ir agora para o teu velório naquela quadra dos bancários que era, também, a tua casa. Onde, por tantas vezes, a tua voz incendiou de esperança os bancários.
Seremos muitos esta noite, Didi. Os revolucionários vão comparecer para chorar a tua perda. De cabeça erguida. E amanhã estaremos na luta com as forças redobradas, multiplicadas. Teu nome estará para sempre em nossas bandeiras.
Vou para te dizer adeus.
Penso em ti, levo-te comigo, para que não me faltem as forças.
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