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TEORIA

A destruição de Gaza

Aldo Cordeiro SaudaMarcia Camargos*


Jogar bola na praia é algo que todos já fizemos em algum momento. Brincadeira saudável, atrai qualquer criança. Mas não será assim que as peladas a beira mar serão lembradas pela familia Bader. Foi em meio a uma delas que os irmãos Zacarias e Ahed, além de dois primos chamados Mohamed, morreram após um bombardeio de navios de guerra israelenses à costa da Faixa de Gaza. Eles tinham entre 9 e 11 anos. Vieram somar-se aos mais de 500 mortos da atual agressão orquestrada por Israel.

Verdade que a vida em Gaza nunca foi fácil, mas desde que os palestinos da região elegeram o Hamas, em 2006, o cotidiano tornou-se impossível. Assistimos à terceira guerra de Tel Aviv contra a faixa, em meio a um cerco por ar, terra e mar que sufoca os palestinos há sete anos. Aliás, muito se diz sobre as ditaduras do mundo árabe. Porém, quando experiências democráticas produzem governos antipáticos a Israel, passa a prevalecer a tese da “guerra ao terrorismo”, que justifica qualquer ação, até mesmo uma campanha consciente de destruição por completo de uma sociedade.

Segundo a Anistia Internacional, o bloqueio não apenas impede a maioria da população de Gaza de sair ou exportar mercadorias, como também permite apenas a importação bastante restrita de itens básicos. Não por acaso, materiais como cimento, madeira, canos, vidro, barras de aço, alumínio e peças de reposição, são extremamente raras ou indisponíveis. [1] Mas a par de insumos para a construção civil, a lista de proibições israelenses barra produtos tão perigosos quanto grão-de-bico, chá, macarrão, geléia, biscoitos, molho de tomate, quebra-cabeça, lápis e canetinhas de colorir…[2]

A punição à desobediência eleitoral palestina não se limita à política de sufocar Gaza, que se tornou um campo de concentração a céu aberto. De dois em dois anos Israel bombardeia, invade e destrói o máximo possível da Faixa.
De acordo com o relatório Goldstone, produzio a pedido da Assembleia Geral da ONU, e de documentos de organizações internacionais de direitos humanos como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, destruir Gaza parece ter-se convertido em um dos objetivos preferenciais de Tel Aviv.

Ao longo da incursão israelense de 2009, além de mais de mil e quatrocentos mortos e dezenas de milhares de feridos, Israel destruiu ou danificou 58 mil casas, 280 escolas e creches (18 das quais foram inteiramente pulverizadas junto com 6 prédios universitários), 1.500 fabricas e oficinas, as principais instalações de água e esgoto, 80% dos grãos armazenados e quase 1/5 da terra cultivável. [3] Os bombardeios israelenses resultaram em 600.000 toneladas de entulho [4], 900 milhões de dólares em destruição e 3 a 3.5 bilhões em prejuízo aos palestinos [5]. Já em Israel, cuja destruição física em seu território custou em torno de 15 milhões de dólares [6], os foguetes do Hamas, conforme diz a Anistia, danificaram “diversas casas de civis e outras estruturas… uma foi quase inteiramente destruída”[7].

Ainda segundo a entidade, “ao contrário das afirmações dos representantes israelenses sobre a utilização de “escudos humanos”, (…) não foram encontradas provas de que o Hamas ou outros grupos armados locais utilizaram-se de civis para proteger objetivos militares dos ataques”. [8] O problema, explica o relatório, é que neste território de 360 km2, com 1,8 milhões de habitantes, caracterizando uma das mais densas concentrações humanas do planeta, as instalações do Hamas e os guerrilheiros palestinos misturam-se naturalmente aos civis.

A nova aventura israelense em Gaza certamente seguirá seus padrões de destruição bienal, a despeito das críticas que ecoam de todo o mundo. Resta saber se a repetida estratégia vai ter sucesso em minar a independência e a autodeterminação palestinas.

 

 

* Este texto é a versão com notas de roda-pé referentes ao artigo originalmente publicado no Jornal Folha de São Paulo, do dia 22 de Julho, intitulado Bienal da Destruição, na sessão Tendencias & Debates.

Notas:

[1] Cf. AMNESTY INTERNATIONAL UK et al. (2009, p. 3- 12) e FINKELSTEIN (2010. P. 67)

[2] Cf. HUMAN RIGHTS WATCH (2009), HASS (2009) e FINKELSTEIN (2010, p. 68).

[3] Cf. COKER (2009), OCHA (2009a, 2009b e 2009c), BONNER (2009), AMNESTY INTERNATIONAL UK et al. (2009, p. 9), FINKELSTEIN (2010, p.60)

[4] Cf. AMNESTY INTERNATIONAL UK et al. (2009, p 7).

[5] Cf. UNCTAD  (2009, § 20)

[6] Cf. THE STATE OF ISRAEL (2009, p. 17,  27n)

[7] Cf. AMNESTY INTERNATIONAL (2009, p. 66).

[8] Cf. AMNESTY INTERNATIONAL (2009) e FINKELSTEIN (2010, p. 85)

Referências bibliográficas

AMNESTY INTERNATIONAL UK et al. Failing Gaza: No rebuilding, no recovery, no more excuses. A report one year after Operation Cast Lead. 22 Dec. 2009. Disponível em: http://bit.ly/1mFXXJn

AMNESTY INTERNATIONAL. Operation “Cast Lead”: 22 days of Death and Destruction. Jul 2009. Disponível em: http://bit.ly/1tC4L0d

BONNER, Ethan. Amid the destruction, a return to life in Gaza. New York Times, 25 Jan. 2009. Disponível em: http://nyti.ms/1kcN4UT

COKER, Margaret Coker. Gaza’s Isolation Slows Rebuilding Efforts. Wall Street Journal, 5 Feb. 2009. Disponível em: http://on.wsj.com/1A7MLzq

DEFENSE OF CHILDREN INTERNATIONAL – PALESTINE SECTION; AL MEZAN CENTER FOR HUMAN RIGHTS. Bearing the Brunt Again: Child Rights Violations during Operation Cast Lead. Set. 2009 Disponível em: http://bit.ly/1qAUiVw

FINKELSTEIN, Norman G.. “This Time We Went Too Far”: Truth and Consequences of the Gaza Invasion. Nova York:  OR Books, 2010

HASS, Amir. Israel Bans Books, Music and clothes from Entering Gaza. Haaretz, 17 Maiy 2009. Disponível em:  http://bit.ly/1mFXxTk

HUMAN RIGHTS WATCH. Choking Gaza Harms Civilians. News Report,  18 Feb. 2009. Disponível em: http://bit.ly/1qAUnbD

OCHA. Field Update on Gaza from the Humanitarian Coordinatinator. Office for the Coordination of Humanitarian Affairs, 10-16 Mar. 2009b. Disponível em:  http://bit.ly/1nD1QF5

OCHA. The Humanitarian Monitor. Office for the Coordination of Humanitarian Affairs, Jan. 2009a. Disponível em: http://bit.ly/1z4pQTW

OCHA. IRIN News and Analysis. Tough times for university students in Gaza, 26 Mar. 2009c. Disponível em: http://tinyurl.com/dkzepl

THE STATE OF ISRAEL. The Operation in Gaza: Factual and Legal Aspects. Jul 2009. Disponível em: http://bit.ly/1pczg8U

UNCTAD. Assistance to the Palestinian People: Developments in the economy of the occupied palestinian territory, 7 Aug. 2009. Disponível em: http://bit.ly/1uguwHz