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TEORIA

O capitalismo de estado burguês e o imperialismo

Lucas Trentin Rech

O conceito de Imperialismo surge com o economista inglês John Atkinson Hobson em sua obra O Imperialismo, de 1902. O autor, defensor do social-reformismo, faz uma descrição das particularidades econômicas e políticas fundamentais do imperialismo. Oito anos depois, em 1910, surge o artigo do marxista austríaco Rudolf Hilferding, O Capital Financeiro, com uma análise teórica da fase de desenvolvimento capitalista da época. Conciliando as duas obras, além de outros diversos artigos, surge a obra de Vladmir Ilytch Lenin, O imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, em 1917.

O imperialismo é compreendido por Lenin (1917) a partir da concentração monopolista da produção. Ao citar Karl Marx, o autor afirma que a livre concorrência gera a concentração da produção que, em certo grau de desenvolvimento, conduz ao monopólio. Esta concentração monopolista é um processo natural do capitalismo. A concorrência transforma-se em monopólio e deste ponto ocorre um progresso na socialização da produção. Progresso que extermina deste modo, a livre concorrência defendida pelos liberais.

Para Lenin (1917) a fase monopolista, que extermina a livre concorrência, chega a determinado ponto de concentração onde é possível inventariar todas as fontes de matérias-primas no mundo. Para o autor, a grande maioria destas fontes encontra-se na mão de gigantes monopolistas, assim como as matérias primas, a mão de obra, os meios de comunicação e as ferrovias também são monopolizados. Compreende desta maneira que a produção passa a ser social embora a apropriação dos lucros continue privada e restrita a um número reduzido de indivíduos.

O Capitalismo de Estado, modelo econômico introduzido por Lenin em 1918, tem por objetivo a produção monopolista estatal controlada por um Estado dirigido pelos trabalhadores, o Estado Proletário. É um sistema, onde a produção e a apropriação dos lucros devem ser socializadas. Diferentes dos demais modelos de Estado que existem sob o regime capitalista, o Estado não deve mais se subordinar as empresas capitalistas, mas sim apoiar-se sobre o proletariado e a este conceder todas as vantagens políticas.

Vê-se desta maneira, que os dois sistemas, tanto o capitalista de livre concorrência que conduz ao imperialismo, quanto o Capitalismo de Estado, conduzem a economia ao monopólio. No primeiro sistema a economia é conduzida ao monopólio global privado enquanto no segundo sistema a economia é levada ao monopólio nacional estatizado.

Com isso, este artigo tem o objetivo de sumarizar as duas teorias de Lenin e posteriormente demonstrar o como o Capitalismo de Estado, dirigido pela burguesia capitalista e não por um Estado Proletário, privilegia e defende os interesses imperialistas.

O capitalismo de estado

Ao tratar-se deste tópico, é necessária a compreensão do que é o estado, qual sua natureza e qual sua significação na visão Leninista. Desta maneira, entendendo também qual a atitude que Lenin defendia ser a correta em relação ao Estado e ao seu desenvolvimento.

Engels (1884) vê na antiga Atenas a primeira fase de evolução do Estado a partir da transformação e substituição parcial dos órgãos da constituição gentílica pela introdução de novos órgãos, até que se instaurem completamente autoridades com poderes realmente governamentais. O autor destaca, que a fusão das tribos em um estado único, o de Atenas, que passavam a centralizar as decisões, antes decididas particularmente por cada tribo, além de estender os direitos e proteção legal aos cidadãos atenienses mesmo fora do território de suas tribos, acaba por dividir o povo em três classes: os nobres, os agricultores e os artesãos.

Eram garantidas aos nobres e somente a eles, as funções públicas. Imediatamente esta distinção de classes não resultou em qualquer efeito mais importante, pois de imediato não estabelecia nenhuma distinção de direito entre as classes. Porém, a herança permanente de cargos públicos por algumas famílias se transforma em um direito incontestável e passa ao longo do tempo a gerar uma diferença de oportunidade entre as classes.

Esta concepção da formação do Estado como se conhece hoje, é citada por Lenin em sua obra de 1919, O Estado. Com uma concepção de que o Estado foi o principal divisor da sociedade em classes, divisão esta que segundo o autor não existia na sociedade primitiva quando vivíamos em pequenos grupos familiares, Lenin (1919) afirma que “o Estado é um aparelho de governo separado da sociedade humana”. Para ele o poder e a permanência do Estado só são possíveis através da coerção pela força:

“Quando existe um grupo especial de homens, dedicados em exclusiva a governarem e que para governarem precisam de um aparelho especial de coerção para submeterem a vontade de outros pela força — cárceres, grupos especiais de homens, exércitos, etc. —, é quando ocorre o Estado.” LENIN, I. Vladmir, 1919.

As transições econômicas ocorridas nos últimos séculos quando a sociedade passou de escravagista plena para feudalista e por fim para capitalista, são na visão do autor todas baseadas em um mesmo pilar, “a dominação do homem pelo homem”. Esta dominação transforma-se em sua forma, porém sem abandonar a sua essência. Na sociedade escravagista, os escravos não eram nem sequer considerados seres humanos, eram apenas propriedade de seu senhor. O feudalismo altera minimamente esta condição, mesmo mantendo os escravos, os feudos além dos senhores feudais eram habitados pelos camponeses, estes embora não tivessem o mesmo direito de seus senhores, podiam trabalhar para si próprios em um período estipulado pelo proprietário das terras. Mas é na fase de transição do feudalismo para o capitalismo, depois da descoberta da América, que Lenin constata a transformação mais cínica do sistema:

“A sociedade reorganizou-se de modo tal, que todos os cidadãos semelhavam ser iguais, desapareceu a velha divisão em proprietários de escravos e escravos, e todos os indivíduos foram considerados iguais perante a lei, para além do capital que possuíssem – proprietários de terras ou pobres homens sem mais propriedade do que a sua força de trabalho, todos eram iguais perante a lei. A lei protege todos por igual; protege a propriedade dos que a tem, contra os ataques das massas que, ao não possuírem qualquer propriedade, ao não possuírem mais do que a sua força de trabalho, se vão tornando mais pobres e arruinando-se aos poucos até se converterem em proletários. Tal é a sociedade capitalista.” LENIN, I. Vladmir, 1919.

O cinismo, destacado pelo autor, vem da falsa aparência de igualdade e liberdade que a ordem capitalista transmite. Nesta transição sistêmica, os escravos ficaram sem nada enquanto os camponeses receberam pequenas parcelas de terra, parcelas estas que foram indenizadas pelo Estado aos antes senhores feudais. De forma prática, nada se transformou nesta transição senão, a aparência do sistema.

Uma característica do sistema capitalista é o sistema eleitoral democrático. A palavra democracia, advinda do grego, significa poder ao povo. Engels (1884) diz que em todo o estado que exista a propriedade privada, dos meios de produção e da terra, haverá a dominação do capital, por mais democrático que seja o estado. Para ele, a Assembleia Constituinte ou o Parlamento, são meramente uma forma que em nada muda a essência do assunto. Embora concorde com Engels, Lenin (1919) compreende que democracia representa um progresso e que sem ela o proletariado não atingira tal unidade e solidariedade conquistada na época. É neste ponto, no desenvolvimento da unidade operária, que o autor entende existir um perigo, pois é isso que em seu entendimento faz com que as pessoas desprezem outro modelo político-social.

“A humanidade avançou para o capitalismo e foi o capitalismo somente, o que, mercê da cultura urbana, permitiu à classe oprimida dos proletários adquirir consciência de si própria e criar o movimento operário mundial; os milhões de operários organizados em partidos no mundo inteiro em partidos socialistas que dirigem conscientemente a luta das massas. Sem parlamentarismo, sem um sistema eleitoral, teria sido impossível (grifo nosso) este desenvolvimento da classe operária. É por isso que todas estas coisas adquiriram uma importância tão grande aos olhos das grandes massas do povo. É por isso que semelha tão difícil uma mudança radical. Não são apenas os hipócritas conscientes, os sábios também sustentam e defendem a mentira burguesa de que o Estado é livre e que tem por missão defender os interesses de todos” LENIN, I. Vladmir, 1919.

Citando como exemplos Estados Unidos e Europa, o autor afirma que quanto mais democrática uma república mais poder emana do capital. Para o autor, assim como para Engels, a democracia não passa de uma forma, é o capital e sua força que definem os rumos do Estado “a força do capital é tudo, a bolsa é tudo, enquanto o Parlamento e as eleições não são mais do que bonecos, fantoches”.

Além de reconhecer que o instrumento democrático burguês foi um fator determinante na conquista da união classista, o autor reconhecia a importância da grande indústria:

“O único socialismo que podemos imaginar é aquele baseado em todas as lições aprendidas através da cultura capitalista em larga escala. Socialismo sem serviços postais e telegráficos, sem máquina, é uma frase vazia.” LENIN, I. Vladmir, 1918.

Vê-se portanto, que na concepção leninista, o Estado revolucionário implantado não deve abrir mão da grande indústria e da tecnologia. Ao possuir o poder político o governo revolucionário deve então estabelecer uma fase transitória do capitalismo privado ao socialismo, fase a qual em 1918 Lenin define por Capitalismo de Estado. Este novo sistema teria por tanto “elementos, partículas, fragmentos tanto do capitalismo como do socialismo”, além de requerer a existência de um Estado forte e centralizado no controle da cadeia de produção:

“O socialismo é inconcebível… sem uma organização planificada de Estado que subordine dezenas de milhões de pessoas ao mais estrito cumprimento de normas únicas de produção e distribuição” LENIN, I. Vladmir, 1918.

Esta fase de transição que Lenin começava a teorizar em maio de 1918 tem seu curso alterado e de certa maneira acelerado com o início da guerra civil em junho de 1918. A guerra que se estende até o inicio de 1921 da inicio a ampliação do controle estatal, eliminação da burguesia e por fim no desaparecimento dos mecanismos de mercado e da moeda. Nesta fase chamada por Lenin de “comunismo de guerra”, embora a burguesia privada tenha sido eliminada através da ampliação do número de empresas estatizadas, houve também um retrocesso na eliminação dos órgãos de administração operária, passando o estado a nomear diretamente os diretores das fábricas.

Terminada a guerra, o Exército Vermelho comandado pelos bolcheviques, era amplamente vitorioso, tornando-se a mais poderosa força militar da Europa. O partido comandado por Lenin pouco teve a comemorar, pela primeira vez na história da revolução russa há um descontentamento dos camponeses e operários em relação aos bolcheviques, surge nas greves operárias de Petrogrado o movimento “sovietes sem bolcheviques”. Lenin em 1922 em sua reflexão sobre os cinco anos da revolução Russa escreveria as seguintes palavras sobre este movimento:

“em 1921, depois de ter superado a etapa mais importante da guerra civil — e de tê-la superado vitoriosamente — sentimos o impacto de uma grave — julgo que foi a mais grave — crise política interna da República soviética. Esta crise interna trouxe à luz o descontentamento de uma parte considerável dos camponeses e também dos operários. Foi a primeira vez, e espero que seja a última, que largas massas de camponeses estiveram contra nós, não de modo consciente mas instintivo” LENIN, I. Vladmir, 1922, p.421.

Não só os camponeses, mas o próprio Lenin se vê descontente com a aceleração da transição imposta pela época do comunismo de guerra e lamenta a derrota sofrida no “fronte econômico”. Considera um erro a passagem direta para a produção e distribuição comunista e ainda em 1921 decide voltar atrás de algumas decisões tomadas:

“A Nova Política Econômica, significa substituir a requisição de alimentos por uma taxa; significa voltar ao capitalismo numa extensão considerável — numa extensão que nós não sabemos exatamente. As concessões aos capitalistas estrangeiros (de fato, apenas um pequeno número delas foi aceito, especialmente quando as comparamos com o número que oferecemos) e os arrendamentos de empresas aos capitalistas privados significam claramente a restauração do capitalismo, e isso é parte e parcela da Nova Política Econômica; a abolição do sistema de apropriação dos excedentes de alimentos significa permitir aos camponeses comerciar livremente o excedente da produção agrícola e tudo o mais que for deixado depois que a taxa for coletada — e a taxa representa somente uma pequena parcela do que é produzido. Os camponeses constituem uma enorme seção de nossa população e de toda economia. É por isso que o capitalismo deve crescer sobre este solo de livre comércio.” LENIN, I. Vladmir, 1922, p.279.

Esta restauração do capitalismo, não significava o retorno do capitalismo privado, era na visão de Lenin muito difícil o retorno ao velho sistema já que os principais meios de produção estavam sob domínio do Estado. Para explicar o capitalismo de estado, o autor retoma os pensamentos expostos em 1918, entre eles a caracterização dos cinco estágios da evolução econômica da sociedade, desde a patriarcal até a socialista:

“1) economia camponesa, patriarcal, isto é, natural em grau significativo; 2) pequena produção mercantil (isto inclui a maioria dos camponeses que vendem cereais); 3) capitalismo privado; 4) capitalismo de Estado; 5) socialismo.” LENIN, I. Vladmir, 1921.

Ao permitir o retorno do capitalismo, de estado e não o privado, o Estado soviético regride ao 4° estágio de desenvolvimento econômico social leninista. Esta regressão começa a ser questionada por muitos comunistas céticos em relação a compatibilidade do Estado soviético com o capitalismo de Estado. Questionamento respondido de forma clara por Lenin:

“Claro que é possível. Era isto precisamente que eu procurava demonstrar em Maio de 1918. É isto que eu espero ter demonstrado em Maio de 1918. Mais ainda: demonstrei também então que o capitalismo de Estado é um passo em frente em comparação com o elemento pequeno-proprietário (pequeno-patriarcal e pequeno-burguês). Comete-se uma infinidade de erros ao contrapor ou comparar o capitalismo de Estado apenas com o socialismo, enquanto situação político-econômica presente é obrigatório comparar também o capitalismo de Estado com a produção pequeno-burguesa.” LENIN, I. Vladmir, 1921.

O Capitalismo de Estado é desenvolvido através de concessões (necessárias e importantes) explicadas detalhadamente por Lenin:

“[As concessões} São um acordo, um bloco, uma aliança do poder de Estado soviético, isto é, proletário, com o capitalismo de Estado, contra o elemento pequeno-proprietário (patriarcal e pequeno-burguês). O concessionário é um capitalista. Dirige as coisas à maneira capitalista, com o objetivo de obter lucros, estabelece um acordo com o poder proletário a fim de obter lucros extras, superiores aos habituais, ou de obter um tipo de matérias-primas que doutro modo não poderia conseguir ou que dificilmente poderia conseguir. O Poder Soviético obtém vantagens sob a forma do desenvolvimento das forças produtivas, do aumento imediato, ou o mais breve prazo, da quantidade de produtos. Temos, por exemplo, uma centena de explorações, minas ou florestas. Nós não podemos explorar tudo: não temos máquinas, víveres, meios de transporte suficientes. Pelo mesmo motivo exploramos mal os restantes setores. Em consequência da má e insuficiente exploração das grandes empresas reforça-se o elemento pequeno-proprietário em todas as suas manifestações: enfraquecimento da economia camponesa vizinha (e depois também de toda a economia camponesa), declínio das suas forças produtivas, diminuição da sua confiança no Poder Soviético, pilhagem e pequena especulação em massa (a mais perigosa), etc. Implantando o capitalismo de Estado sob a forma de concessões, o Poder Soviético, reforça a grande produção contra a pequena, a avançada contra a atrasada, a mecanizada contra a manual, aumenta a quantidade de produtos da grande indústria em suas mãos, reforça as relações econômicas reguladas pelo Estado como contrapeso às relações pequeno-burguesas anárquicas. A política das concessões, aplicada com medida e prudência, ajudar-nos-á, sem dúvida, a melhorar rapidamente (até certo grau, não muito elevado) o estado da produção, a situação dos operários e dos camponeses — à custa naturalmente de certos sacrifícios, da entrega aos capitalistas de dezenas e dezenas de milhões de puds de produtos valiosíssimos.” LENIN, I. Vladmir, 1921.

Fica claro em sua obra o descontentamento com as concessões, que os bolcheviques se veem obrigados a fazer, sendo a concessão à pequena indústria aquela que mais o desagradava. Este descontentamento faz com que Lenin, explique constantemente em sua obra as diferenças entre o Capitalismo de Estado, o Capitalismo Privado e o Socialismo propriamente dito:

“O capitalismo de Estado, segundo todos os livros de economia, é o capitalismo que existe sob-regime capitalista, quando o Poder estatal subordina diretamente as empresas capitalistas. Porém, nosso Estado é proletário, apoia-se sobre o proletariado, dá ao proletariado todas as vantagens políticas… Nenhuma teoria, nenhuma literatura analisa o capitalismo de Estado na forma em que ele existe aqui, pela simples razão que todos os conceitos usuais relacionados com este termo estão associados com a dominação burguesa numa sociedade capitalista. A nossa sociedade é uma sociedade que saltou dos trilhos do capitalismo mas ainda não encontrou novos trilhos… Nunca na história houve uma situação em que o proletariado, a vanguarda revolucionária possuísse suficiente poder político e o capitalismo de Estado coexistisse com ele.” LENIN, I. Vladmir, 1922, p.282.

Em suma, a Nova Política Econômica era a instauração esquemática do capitalismo de Estado na república soviética. A transição do comunismo de guerra para o capitalismo de Estado era para Lenin (1921) urgentemente necessária e seria pautada na liberdade de comércio – sem abdicar porém da luta contra a especulação – no estímulo governamental a circulação de mercadorias entre a agricultura e a indústria, além da distribuição de matérias primas do Estado para apoiar a pequena indústria. O Capitalismo de Estado soviético era sim capitalismo, mas como dito por Lenin (1922) era um capitalismo onde o Estado é proletário, sendo todas as vantagens concedidas ao proletariado e não mais a burguesia.

A ideia do Estado socialista de Lenin era apoiada na grande indústria e na produção em escala. A produção monopolista de Estado, aplicada em proveito de todo o povo, era para Lenin (1917) o socialismo de fato. Portanto as concessões eram, na visão do autor, menos perigosas que o incentivo a pequena indústria, mesmo as duas políticas sendo devidamente exigidas e executadas no período pós “comunismo de guerra”. O objetivo do incentivo a pequena indústria era necessário para melhorar “em primeiro lugar” a situação dos camponeses, através da circulação de mercadorias. Ao mesmo tempo o elemento pequeno-proprietário era o maior inimigo do socialismo segundo Lenin que deveria ser combatido através das concessões. Concessões que tinham como objetivo ampliar o monopólio Estatal sob a produção, mesmo “à custa de certos sacrifícios”, como a cessão de valores monetários aos capitalistas.

Desta maneira, compreende-se que o grande desafio para a implantação do Capitalismo de Estado soviético, era incentivar o desenvolvimento temporário da pequena indústria (pequena burguesia) sem deixar que esta se ampliasse e o espírito pequeno-burguês ameaçasse sistematicamente a transição para o Estado Socialista. Entende-se, embora isso não fique claro na obra de Lenin, que no futuro as grandes concessões seriam ampliadas para a extinção do elemento pequeno-burguês.

Sobre os textos acima descritos, entende-se que para Lenin o Capitalismo de Estado era uma fase transitória ao socialismo e não o socialismo propriamente dito. Este período transitório deve ser pautado na ampliação da grande indústria e do monopólio estatal, para que por consequência a pequena indústria e a pequena burguesia sejam definitivamente exterminadas. Além disso, esta transição contaria com concessões, a capitalistas internacionais e nacionais (que poderiam lucrar a partir destas), submetidas duramente ao Estado proletário com o objetivo único de ampliar o bem estar do proletariado.

O imperialismo

Para a compreensão do imperialismo é necessário que entenda-se como o mesmo se concretizou. Em sua obra de 1917, Lenin cita, ainda na introdução, a obra do marxista austríaco Rudolph Hilferding, O Capital Financeiro. O capital financeiro, que a seguir será explicado, é para Lenin o fator acelerador da concentração monopolista do capital.

Hilferding define o capital financeiro como aquele que se encontra à disposição dos bancos e que os industriais utilizam. Para Lenin (1917), esta definição é correta embora incompleta, por desconsiderar o aumento da concentração da produção e do capital em grau tão elevado que conduz ao monopólio. A concentração da produção e os monopólios são resultantes da fusão dos bancos com a indústria. Desta maneira, o capital concentrado em poucas mãos obtém um lucro enorme que amplia-se com a constituição de sociedades, emissão de valores e empréstimos do estado.

Nada foi tão lucrativo na época descrita por Lenin, como a emissão de valores. Estes lucros são “desmedidos durante os períodos de ascenso industrial” enquanto nos períodos da depressão “arruínam-se as pequenas empresas enquanto os grandes bancos ‘participam’ na aquisição das mesmas a baixo preço”. Este processo contribui então, para a consolidação monopolista e oligárquica financeira. O crescimento do capital financeiro através da concentração monopolista do capital dos grandes bancos acaba por arruinar determinados aspectos da separação capitalista:

“É próprio do capitalismo em geral, separar a propriedade do capital da sua aplicação à produção, separar o capital-dinheiro do industrial ou produtivo, separar o rentier, que vive apenas dos rendimentos provenientes do capital-dinheiro, do empresário e de todas as pessoas que participam diretamente na gestão do capital. O imperialismo, ou domínio do capital financeiro, é o capitalismo no seu grau superior, em que essa separação adquire proporções imensas. O predomínio do capital financeiro sobre todas as demais formas do capital implica o predomínio do rentier e da oligarquia financeira, a situação destacada de uns quantos Estados de “poder” financeiro em relação a todos os restantes.” LENIN, I. Vladmir, 1917.

Como descrito por Lenin, o capital financeiro dizima a separação entre os diferentes tipos de capital, passando a deter o “poder” em relação a todo o restante.

Sendo a fase monopolista do capitalismo, o imperialismo descaracteriza a livre concorrência e termina em certa medida com a exportação de mercadorias. Esta nova fase do capitalismo implica na exportação do próprio capital,

“O que caracterizava o velho capitalismo, no qual dominava plenamente a livre concorrência, era a exportação de mercadorias. O que caracteriza o capitalismo moderno, no qual impera o monopólio, é a exportação de capital.” LENIN, I. Vladmir, 1917.

Esta exportação do capital financeiro dá-se em virtude da busca incessante por lucros. O capitalismo em sua fase imperialista caracteriza-se pelo transbordamento do capital financeiro que flui dos países avançados para os atrasados com o propósito único de maximização dos lucros. Lenin, faz questão de enfatizar que este capitalismo em nada resulta na melhoria das condições de vida das massas:

“Enquanto o capitalismo for capitalismo, o excedente de capital não é consagrado à elevação do nível de vida das massas do país, pois significaria a diminuição dos lucros dos capitalistas, mas ao aumento desses lucros através da exportação de capitais para o estrangeiro, para os países atrasados. Nestes países atrasados o lucro é em geral elevado, pois os capitais são escassos, o preço da terra e os salários relativamente baixos, e as matérias-primas baratas.” LENIN, I. Vladmir, 1917.

A exportação de capitais obedece ao fato de que o capitalismo “amadureceu excessivamente” em alguns países e o capital carece de campo para a obtenção dos grandes lucros. Esta exportação resulta na dominação de um número cada vez maior de nações por parte do capital financeiro. Um exemplo claro desta dominação é a apropriação de 90% do território africano por parte do capital financeiro internacional no inicio do século XX. Com a exploração de nações distantes e as mais distintas características do imperialismo, cria-se o que Lenin (1917) caracteriza como “capitalismo parasitário” onde a burguesia dos estados usuários (os que dominam através do capital financeiro) vive cada vez mais à custa da exportação de capitais e do “corte de cupões”,

“O imperialismo é uma enorme acumulação num pequeno número de países de um capital-dinheiro… Daí o incremento extraordinário da classe ou, melhor dizendo, da camada dos rentiers, ou seja, de indivíduos que vivem do “corte de cupões”, que não participam em nada em nenhuma empresa, e cuja profissão é a ociosidade. A exportação de capitais, uma das bases econômicas mais essenciais do imperialismo, acentua ainda mais este divórcio completo entre o setor dos rentiers e a produção, imprime urna marca de parasitismo a todo o país, que vive da exploração do trabalho de uns quantos países e colônias do ultramar.” LENIN, I. Vladmir, 1917.

Lenin (1917) ainda caracteriza os cinco traços fundamentais do imperialismo:

“1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse “capital financeiro” da oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si, e 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes.” LENIN, I. Vladmir, 1917.

Estes cinco traços fundamentais fazem com que o “poder” mesmo em uma democracia, onde o poder supostamente seria do povo, emane em sua totalidade do capital. Schulze-Gaevenitz, classificado como um entusiasta do imperialismo alemão por Lenin, acaba por definir, mesmo que sem intenção, a totalidade do poder do capital financeiro

“Se, no fim de contas, a direção dos bancos alemães se encontra nas mãos de uma dúzia de pessoas, a sua atividade é já, atualmente, mais importante para o bem público do que a atividade da maioria dos ministros” SchuIze-Gaevernitz, em Grdr. d. S.-Ök, V, 2, S. 110, citado em LENIN, I. Vladmir, 1917.

O Imperialismo é portanto, a fase superior da exploração capitalista. Nesta nova fase, a concorrência capitalista já não existe mais, a liberdade é transformada em dominação e a democracia é transformada em mero teatro. A produção é socializada com apropriação privada dos lucros, o capital financeiro controla as mais diversas formas de governo, tanto nas colônias como no centro do próprio império e por fim são criados os estados parasitas onde suas burguesias vivem à custa dos estados explorados (colônias). 

O capitalismo de estado burguês e o imperialismo

Quando fala-se em estado burguês, há de se destacar que nem toda a democracia ou ditadura são necessariamente burguesas, como nem todo o Estado dirigido por um partido que se diz proletário é necessariamente proletário. Trotsky deixa isso muito claro:

“A natureza de classe do Estado define-se, não por suas formas políticas, mas sim por seu conteúdo social, quer dizer pelo caráter das formas de propriedade e das relações de produção que o Estado em questão protege e defende.” TROTSKY, Leon, 1937.

Portanto um Estado que permita a propriedade privada burguesa e a proteja, é um Estado burguês. Em contrapartida, um regime que conserva a propriedade expropriada e nacionalizada, é então um Estado proletário (salvo o estado burocrata Stalinista que, segundo Trotsky (1937) serve a burocracia em defesa de seus próprios interesses).

O Capitalismo de Estado Burguês é o que Lenin (1922) definiu como um Estado subordinado as empresas capitalistas e que trabalha tanto para sua preservação quanto as auxilia em sua expansão. Desta maneira, esta forma de capitalismo, em nada altera a lógica capitalista. O excedente do capital segue a ser aplicado em busca de maiores lucros enquanto a qualidade de vida das massas permanece inalterada.

Mantida a lógica capitalista, este sistema político-econômico impulsionará a criação da produção monopolista privada. Através de concessões, os concessionários capitalistas terão a oportunidade de apropriar-se de lucros extras cada vez maiores, patrocinados pelo Estado Capitalista Burguês. Diferentemente do Estado Soviético, que não possuía recurso algum para impulsionar a produção, o Estado Capitalista Burguês possui estes recursos e os põe a serviço da burguesia, tanto nacional quanto internacional.

Este novo Estado atuante – e não mais apenas regulador como no capitalismo de livre concorrência – proclama-se constantemente defensor dos interesses da nação, com seus interesses supostamente voltados para a qualidade de vida das massas, além de defensor do fortalecimento da indústria nacional contra a indústria internacional. A defesa dos interesses da nação, é para Trotsky, a defesa dos interesses da classe dominante,

“Quando a reação exige que os interesses da “nação” sejam colocados acima dos interesses de classe, nós, os marxistas, dizemos que, sob a forma do interesse “geral”, a reação defende os interesses de classe dos exploradores” TROTSKY, Leon, 1931.

É sabido, a partir da análise da obra de Lenin, que a livre concorrência conduz ao monopólio que posteriormente conduz ao imperialismo, que nada mais é, que uma fase avançada do monopólio onde, o capital passa a dominar todas as relações dentro da sociedade. É conhecido também a partir da leitura de Marx (1867) que é a partir da luta de classes que a sociedade e suas relações sociais são construídas. Com isso, enquanto houver classes, a classe dominante sempre defenderá seus interesses. O crescimento e o surgimento do Capitalismo de Estado Burguês, em uma sociedade dominada pela burguesia, é portanto uma defesa aos interesses burgueses.

Depois da grande depressão de 1929, é quando o Capitalismo de Estado Burguês começa a ganhar força, através da defesa de intervenções governamentais na economia propagadas por John Maynard Keynes, o novo sistema econômico passa a ser implementado em diversos países, incluindo o principal império econômico da época, os Estados Unidos da América.

Sendo o imperialismo a fase superior do capitalismo, é também o Imperialismo uma fase superior do Capitalismo de Estado Burguês, mesmo o segundo sendo uma fase superior ao capitalismo de livre concorrência. O novo sistema econômico que ganhou forças a partir da grande depressão econômica de 1929 facilita a criação de monopólios, além de proteger grandes potências industriais e financeiras da falência em nome da defesa dos interesses da nação. A oligarquia financeira que já dominava os parlamentos na primeira década do século XX, além de utilizar o capital financeiro para dominar nações mais pobres, cria com o Capitalismo de Estado Burguês, uma nova forma de defender seus interesses e de proteger seu patrimônio.

O novo sistema político-econômico diminui a possibilidade de concorrência ao financiar ou conceder benefícios a uma empresa específica. Este processo resulta na rápida ascensão de monopólios, que depois de estabelecidos, terão seu domínio monopolístico garantido pela intervenção estatal no setor onde desempenha sua atividade.

A grande indústria monopolista era sim objetivo de Lenin ao introduzir o Capitalismo de Estado na economia soviética. O diferencial entre o sistema proposto por Lenin e o Capitalismo de Estado Burguês está na apropriação dos lucros e em sua posterior distribuição entre as massas. Enquanto Lenin tinha por objetivo exterminar a pequena industria, para assim eliminar de vez a burguesia, o Capitalismo de Estado Burguês tem por objetivo exterminar a pequena indústria para ampliar seus lucros e não ver os privilégios auferidos pela burguesia dominante serem ameaçados.

Conclusão

O capital financeiro, que foi determinante na formação do sistema econômico imperialista, ao dominar as classes políticas de diversas nações, criou então um novo sistema político-econômico, capaz de proteger seus interesses e ampliar sua capacidade de lucro, o Capitalismo de Estado Burguês. Embora ainda capitalista, portanto a favor do livre comércio concorrencial, este novo sistema suprime a liberdade e a concorrência através do monopólio privado.

O Estado utilizará todo o seu aparato repressor em defesa do capital financeiro. Este capital, hora a serviço da burguesia internacional, hora da burguesia nacional, terá privilégios concedidos pela classe política por ele comandada, além de ser protegido por intervenções estatais em caso de eventuais falências de suas empresas. Estas intervenções serão sempre justificadas pelo Estado através da defesa dos interesses da nação.

Conclui-se desta forma, que o Capitalismo de Estado Burguês é um sistema político-econômico introduzido pela burguesia que embora em sua forma assemelhe-se ao Capitalismo de Estado leninista, tem em seu conteúdo social o extremo oposto. Enquanto o sistema proposto por Lenin objetivava o extermínio da burguesia, o sistema político-econômico burguês tem por objetivo a manutenção e proteção da classe burguesa vigente.

Referências bibliográficas

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