Felipe Nunes
Há 78 anos. Num sábado, a cidade de Natal vivenciou o que podemos chamar do seu apogeu revolucionário. Os seus pouco mais de 40 mil habitantes não esperavam que tal manhã de novembro entrasse para a história contemporânea do Brasil.
Trinta soldados haviam sido expulsos do quartel do 21º BC. Lá mesmo, reuniram-se os dirigentes do Partido Comunista Brasileiro para examinar a situação. Às 19h30, o cabo Giocondo Alves Dias, o Sargento Quintino Clementino de Barros e o soldado Raimundo Francisco de Lima, armados, renderam o oficial que dava plantão no dia, e disseram: “O senhor está preso, em nome de Luiz Carlos Prestes”. Os rebeldes organizaram tropas civis e militares que foram deslocadas para pontos estratégicos da cidade. Na manhã de domingo, Natal já estava sob domínio dos revoltosos. Sob o lema “PÃO, TERRA E LIBERDADE”, instauraram o mais duradouro governo revolucionário no Brasil, quiça o único.
Foram quatro dias sob o governo revolucionário, batizado de Cômite Popular Revolucionário. O sapateiro José Praxedes foi nomeado secretário do Abastecimento; o diretor do presídio de Natal, Lauro Lago, secretário do Interior e Justiça; o funcionário do Liceu Ateneu, João Galvão, secretário da Viação; o sargento Quintino de Barros, secretário da Defesa; e o tesoureiro dos correios, José Macedo, secretário das Finanças. O governo recém formado, tratou de tentar ganhar o apoio da população e abaixou o preço dos bondes. Confiscaram os cofres do Banco do Brasil, do Banco do Rio Grande do Norte e da Recebedoria de Rendas.
Ousado, o governo revolucionário providenciou a formação de três colunas de combatentes. Afinal. A revolução tinha que se espalhar pelo Estado potiguar. Segundo Homero Costa (1995a) a primeira deveria seguir em direção a Mossoró; a segunda, até a divisa do Rio Grande do Norte com a Paraíba; e a última, para a cidade de Goianinha. Os revolucionários conseguiram ocupar 17 dos 41 municípios do Estado, e entregaram quando possível o poder a figuras locais ligadas a Aliança Nacional Libertadora (ANL).
O governo revolucionário ousou. E num gesto memorável, naquela manhã atípica de 26 de novembro, exatos três dias passados da tomada do poder, publicou, documentou, registrou, marcou, o único jornal daquele governo. A liberdade, título do periódico, explicava o programa revolucionário: amplas liberdades democráticas, reforma agrária, incentivo à industrialização, trabalho para todos, aumento dos salários dos trabalhadores rurais e urbanos, democratização do ensino e da cultura, nacionalização de bancos e empresas estrangeiras, expulsão dos “imperialistas e seus lacaios” do país e não pagamento da dívida externa.
Logo, a burguesia se organizou e planejou invadir a cidade do Natal e controlava aqueles revoltos que ousavam contra a pátria. E com a derrota das forças revolucionárias que tentavam ganhar espaço no interior. O governo revolucionário, pensou e concluiu na impossibilidade de dar prosseguimento a revolução. Tentaram fugir, porém, acabaram presos. Exceto, o destemido, e inteligente José Praxedes, que conseguiu escapar e ocultou sua identidade por mais de 50 anos.
No dia 27 de novembro, a revolta caiu. O governador engomado, de nome, Rafael Fernandes retomou o seu posto.
Cerca de mil pessoas foram indiciadas nos processos que trataram do levante potiguar de 1935. Com base nesses autos, é possível desvendar a composição social da insurreição. De acordo com Marly Vianna (1992), em Natal, 45% dos indiciados eram militares, especialmente soldados, cabos e sargentos, mas nenhum oficial do Exército; 27%, operários, sobretudo estivadores; 11%, profissionais liberais; 11%, trabalhadores urbanos de condição modesta, como alfaiates, padeiros, barbeiros, sapateiros e comerciários. No interior, 24% dos indiciados eram trabalhadores rurais; outros 24% eram profissionais liberais; 16% eram trabalhadores urbanos; e 15%, operários.
José Praxedes de Andrade, sapateiro de profissão, que veio do Rio de Janeiro, de navio, com instruções de esperar o sinal do levante, que seria dado por Prestes. Escapou das mãos da repressão e viveu 49 anos de clandestinidade sob o nome de Eduardo Pereira da Silva, pai de sete filhos, avô de sete netos. Nem sua mulher tinha conhecimento da sua identidade.
É bem verdade, o Brasil vivia uma situação política instável. O governo de Vargas não encarava muito bem a constituição recém promulgada em 1934, a qual trazia alguns mudanças progressivas que incomodavam o espírito autoritário de Vargas. A revolta de 1935 foi a “deixa” perfeita para justificar a sua ditadura estado-novista de 1937. Foi uma avaliação equivocada? Precipitação? Enfim, de certo, podemos apontar inúmeros problemas na política adotada pelo PCB. O próprio levante de Natal pegou a direção nacional do partido de surpresa.
De certo, a maior lição, continua atualíssima. O levante de 1935 nos deixou a lição, mais do que comprovada na história, de que com muita certeza, a revolução será produto de milhões de trabalhadores, ou não será. Continuamos de pé, comunistas, vermelhos e sonhando com os pés no chão. Se o gigante não acordou, acordou. O que é certo é que no mínimo está acordando. E há de estarmos preparados para quando o bonde da história passar. O sonho de uma sociedade mais justa, igualitária, emancipada, permanece vivo na memória dos que tombaram e nos corações do que ainda lutam e saem às ruas, enfrentando os governos de plantão.
Mais do que nunca, o sonho de um governo revolucionário dos trabalhadores permanece aceso. Lembremos dos erros do passado, ousamos em acertar no presente.
Referências bibliográficas:
COSTA, Homero de Oliveira. A insurreição comunista de 1935: Natal, o primeiro ato da tragédia. São Paulo: Ensaio; Coop. Cult.;URGN, 1995.
VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionarios de 35: sonho e realidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
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