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TEORIA

Leon Trotsky e o internacionalismo do século XXI

Alvaro Bianchi

No dia 21 de agosto de 1940, às 7h25 morria Leon Trotsky. Na véspera, sofrera um atentado fatal. Um agente de Stálin, Ramon Mercader, havia desferido um golpe em sua cabeça com um objeto contundente.

Ao chegar ao hospital e ser colocado em uma estreita cama, o revolucionário russo teve ainda forças para chamar seu secretário, o trotskista norte-americano, Joseph Hansen: “Joe, tens o caderno de notas?”, perguntou. E, logo começou a falar muito baixo, medindo as forças para pronunciar cada palavra: “Estou próximo da morte, devido ao golpe de um assassino político… desfechado contra mim por um assassino político… em minha sala. Lutei com ele… nós… entramos para falar de estatísticas francesas… ele me golpeou… por favor, digam aos nossos amigos… Estou certo… da vitória… da Quarta Internacional… continuem”. Natalia Sedova, a esposa de Trotsky, ainda perguntou a Hansen: “O que ele lhe ditou?”. “Alguma coisa sobre as estatísticas francesas”, respondeu, procurando não alarmá-la. Pouco depois o revolucionário russo entrava em coma.

O chamado à continuidade da luta pelo internacionalismo operário e pela Quarta Internacional realizado por Trotsky à beira da morte é revelador. Ele nos permite refletir sobre o lugar que ele ocupava em seu pensamento. Para Trotsky, a necessidade da organização internacional dos trabalhadores decorre do caráter internacional da economia e da política na época do imperialismo.

É verdade que Marx e Engels haviam afirmado, em 1848, que os operários não tinham pátria e que terminaram o Manifesto Comunista com um chamado à união dos operários do mundo todo. Mas em um mundo ainda não unificado econômica e politicamente pelo capital, o internacionalismo não era definido por uma luta comum em escala planetária. Era um internacionalismo de solidariedade, mas não de combate.

O internacionalismo que orientou a vida política de Trotsky, e que reaparece nas suas últimas palavras, tem a cara do século XXI. É um internacionalismo de combate que nasce da análise das tendências da economia e da política do século XX. O ponto de partida é a definição da época imperialista. Para Trotsky o imperialismo tem uma dimensão ao mesmo tempo econômica e política.

Se ao longo dos séculos XVIII e XIX a constituição dos Estados nacionais impulsionou o desenvolvimento das forças produtivas, o mesmo não ocorreu ao longo da época imperialista. À contradição entre relações de produção e desenvolvimento das forças produtivas percebida por Marx e Engels, Trotsky acrescenta aquela que existe entre Estado-nação e forças produtivas. Na era do imperialismo surge a contradição ente a troca mundial e a regulação estatal da economia que cria barreiras a esta troca.

A crescente mundialização da economia que presenciamos nas últimas décadas não fez senão agravar essas contradições, como ficou claro nas investidas especulativas que abalaram economias nacionais. A internacionalização, concentração e centralização do capital em grandes companhias transnacionais tornaram potencialmente mais agudos os conflitos entre os Estados no mercado mundial.

Vantagens comerciais no mercado mundial são obtidas por diferenças nos níveis médios de produtividade do trabalho. Em períodos normais, a potência hegemônica no mercado mundial é aquela que consegue obter um nível mais alto de produtividade do trabalho e, com isso, obter vantagens competitivas para suas mercadorias. Se quiserem competir no mercado, os demais países deverão ajustar sua produtividade a esse nível. Mas a luta no mercado mundial não é feita de maneira pacífica. Ela inclui as armas da guerra, dos bloqueios comerciais, das restrições alfandegárias.

Nesse contexto, o Estado forte é instrumento da consolidação de posições no interior do mercado mundial. Na arena mundial, ele torna possível a resolução dos conflitos interimperialistas através da força e da chantagem. Permite, também, a repressão aos movimentos de libertação nacional nas colônias e semicolônias, garantindo uma divisão internacional do trabalho favorável aos interesses das grandes potências. Na arena nacional, o Estado forte permite a repressão ao movimento dos trabalhadores e a manutenção de elevadas taxas de produtividade, ou seja, de exploração do trabalho. Assim, o imperialismo é caracterizado por aquilo que hoje chamamos de contra-revolução econômica e política permanente.

Esta visão do imperialismo produz um internacionalismo que supera a ênfase em uma identidade comum. A ênfase agora é colocada na necessidade de contrapor ao imperialismo a ação internacional organizada do proletariado. O internacionalismo dos séculos XX e XXI é revolucionário. Ele inclui um esforço sistemático para coordenar os movimentos de emancipação do proletariado e alterar a correlação de forças na arena nacional, mas também na arena mundial. Tal esforço de coordenação só pode ser eficaz se estiver materializado em uma organização internacional dos trabalhadores. Depois da falência da social-democracia e do stalinismo essa organização passou a ser a Quarta Internacional, para a qual Trotsky dedicou suas energias ao longo de seus últimos anos de vida.