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TEORIA

A Disputa pelo Tempo – Em busca da jornada de 30 horas semanais

Gibran Jordão

Da mesma forma que o camponês, o mercador está submetido, na sua actividade profissional, em primeiro lugar ao tempo meteorológico, ao ciclo das estações, à imprevisibilidade das intempéries e dos cataclismos naturais. Neste aspecto, e durante muito tempo, ele só necessitou de submissão à ordem da natureza e de Deus e só teve como meio de acção, a oração e as práticas supersticiosas. Mas quando se organiza uma rede comercial, o tempo torna-se objeto de medida. (LE GOFF, 1979, p. 51).

Tempo é dinheiro!

(ditado popular brasileiro de domínio público)

“Vem me trazer calor, fervor, fervura.

Me vestir do terno da ternura

Sexo também é bom negócio. O melhor da vida é isso e ócio.

Isso e ócio…”

(Zeca Baleiro)

Na Idade Média, estava convencionado que a administração do tempo era tarefa da igreja católica. Não era permitido ao homem apoderar-se do tempo com o propósito de obter lucro. Mas à medida que as relações econômicas foram se transformando com o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo, isso foi se chocando cada vez mais com a dominação do tempo realizada pela igreja.

Segundo Le Goff, com as profundas alterações no sistema econômico que estavam em processo, a partir do século XIV, o tempo da igreja foi sendo substituído, “pelo tempo mais exatamente medido, utilizável para as tarefas profanas, laicas, o tempo dos relógios.” (LE GOFF, 1979, p.53).

Mas foram as revoluções que desagregaram de vez todo o sistema feudal que definiram com quem ficaria o controle político e consequentemente com a administração do tempo. Na França, por exemplo, as suas fundações mais antigas e mais profundas eram obras da Igreja, estabelecidas durante mil e trezentos anos. A Revolução Francesa é considerada como o acontecimento que deu início à Idade Contemporânea, abolindo a servidão e os direitos feudais e proclamando os princípios universais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” (Liberté, Egalité, Fraternité).

O tempo passa a ganhar no imaginário social uma natureza mais científica e se estabelece como uma grandeza física. Assim, com o desenvolvimento da economia de mercado, com o avanço tecnológico, com a internacionalização do mundo dos negócios, o controle do tempo não só passa totalmente para as mãos da burguesia, como também a mesma passa a aprimorar a sua racionalização com o objetivo central de acumular.

O tempo de trabalho passou a significar a fração de tempo que é gasta pelo trabalhador no processo produtivo. Pensadores como Marx nos ensinam que o tempo total de trabalho ganhou uma divisão clássica, onde temos o tempo de trabalho necessário e tempo de trabalho excedente. O primeiro é aquela fração de tempo de trabalho que é necessária para custear a manutenção do próprio trabalhador. Já o tempo de trabalho excedente existe quando o trabalhador não detém mais os meios de produção e a outra fração do seu tempo total de trabalho é dedicada ao detentor desses meios. No capitalismo o trabalho necessário e trabalho excedente se confundem e se encontram atrelados na jornada de trabalho. Os burgueses donos dos meios de produção aprenderam rapidamente que quanto menos pagarem pelo tempo de trabalho necessário (salários) e quanto maior for o tempo de trabalho excedente, mais competitivo será e mais lucro acumulará (mais valia).

Podemos dizer que na composição da jornada de trabalho existe um tempo de trabalho no qual se é produzido um valor excedente, que excede o salário diário do trabalhador. É no tempo de trabalho excedente que ocorre a valorização do capital. Esse trabalho excedente se transformou em cobiça para quem compra a força de trabalho. Por isso existe o interesse do capitalista no aumento da jornada de trabalho, bem como no controle rigoroso e científico do tempo.

[…] apareceu a necessidade de uma rigorosa medição do tempo, porque na indústria têxtil convém que a maioria dos operários jornaleiros – o proletariado têxtil – vá e venha para o trabalho, a horas fixas. Primórdios da organização do trabalho, prenúncio longínquo do taylorismo […] Este tempo que começa a racionalizar-se laiciza-se igualmente. (LEGOFF, 1979, p. 52)

As mudanças verificadas nas técnicas de manufaturas demandavam uma maior sincronização do trabalho e maior exatidão na observação das horas. A partir de 1700 se consolidava o capitalismo industrial disciplinado, submetendo o trabalhador à vigilância, por meio da folha de ponto, de informantes e de multas. Tudo para evitar o desperdício de tempo, e assim aperda de lucros. Dentro das indústrias inglesas, alguns patrões tornaram-se os “senhores do tempo” no processo produtivo, não permitindo que os operários tivessem conhecimento sobre as horas. (Braga, O tempo de trabalho no capitalismo)

No período da 1a Revolução Industrial utilizava-se massivamente o recurso do prolongamento da jornada de trabalho. A duração de um dia de trabalho variava em média de 15 horas a 17 horas. Como proprietário da força de trabalho, o capitalista procura nesse momento ampliar o trabalho a um tempo máximo. Homens, mulheres e crianças trabalhavam exaustivamente dia e noite, em lugares úmidos ou condicionados à alta temperatura, com portas e janelas fechadas. A insalubridade dos espaços de trabalho e o excesso de trabalho foram responsáveis por consumir gerações de operários. (Braga, O tempo de trabalho no capitalismo)

O Capital levou séculos, antes de surgir a indústria moderna, para prolongar a jornada de trabalho até seu limite máximo normal e, ultrapassando-o, até o limite do dia natural de 12 horas. A partir do nascimento da indústria moderna, no último terço do século XVIII, essa tendência transformou-se num processo que se desencadeou desmesurado e violento como uma avalanche. Todas as fronteiras estabelecidas pela moral e pela natureza, pela idade ou pelo sexo, pelo dia e pela noite foram destruídas. (MARX, 2003, p. 320)

Inevitavelmente explodem os conflitos na relação capital-trabalho sobre o controle do tempo e uma negociação tensa acerca da jornada de trabalho se estabeleceu em todo o mundo. Na história das relações entre trabalho e capital, ao longo dos últimos séculos, observa-se que os conflitos em torno do tempo de trabalho foram longos e violentos. Para se ter uma ideia da importância da luta dos trabalhadores e da resistência patronal, há duas datas lembradas até hoje em todo o mundo, resultantes da disputa em torno do tempo de trabalho: o 1o de maio (comemorado a partir da greve dos trabalhadores de Chicago, em 1886) e o 08 de março (dia internacional da mulher)( DIEESE, 2010).

Em meados do séc. XVIII (revolução industrial), os trabalhadores eram completamente desprovidos de qualquer legislação trabalhista que os protegesse. Foi neste contexto que a organização dos trabalhadores começou a se estruturar tendo como uma de suas reivindicações a redução do tempo de trabalho, já que a quantidade de horas diárias e dos dias trabalhados por semana estendia-se quase até o limite da capacidade humana. Um dos marcos dessa luta deu origem ao dia do trabalhador, o 1o de maio. Em 1886, 180 mil trabalhadores foram às ruas dos EUA exigir a redução da jornada de 16 para 8 horas. A manifestação enfrentou forte repressão policial, que resultou na morte de seis trabalhadores, oito presos e a condenação de cinco deles posteriormente à forca. A sangrenta repressão não foi suficiente, a titânica força das mobilizaçõe sescreveu e registrou para sempre uma conquista histórica. A jornada de trabalho de 8 horas foi conquistada, sendo instituída pelo congresso dos EUA em 1890.

Em vários países do mundo a luta pela redução da jornada de trabalho se desenvolveu e ganhou força. Nesse mesmo período a revolução operária na Rússia em 1917 foi um acontecimento que se tornou uma força de pressão que incidiu em toda Europa, a burguesia europeia ameaçada aparentemente aceitou dar alguma concessão. Até que em 1919, a Convenção da OIT limitou a jornada diária de trabalho no setor industrial em 8 horas e a semanal em 48 horas. Essa convenção foi assinada por 52 países.

No Brasil, a luta pela redução da jornada de trabalho foi uma bandeira que os trabalhadores sempre levantaram. Greves e grandes mobilizações ocorreram nas duas primeiras décadas do século XX. A redução da jornada de trabalho para 8 horas, o descanso semanal e a remuneração da hora extra em 50% eram algumas das reivindicações. Algumas categorias de trabalhadores conquistaram a redução da jornada de trabalho para 10 ou 8 horas diárias. Em 1917 o estado da Bahia foi o primeiro a aprovar a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias. Mas foi somente em 1930, no governo de Getulio Vargas que a relação capital-trabalho ganhou uma legislação. A primeira e maior intervenção do Estado Brasileiro nas relações trabalhistas e no mundo sindical do país. Em 1932, o decreto no 21365 regulamentou o horário diurno nas fábricas, determinando a jornada em 8 horas diárias ou 48 semanais. Em 1934, a Constituição limitou a jornada a 8 horas diárias ou 48 semanais, mantendo a possibilidade de estendê-la através de horas extraordinárias, deixando ao livre arbítrio dos empresários a sua determinação. Em 1943, a CLT limitou a hora extra em duas horas diárias e definiu seu adicional em 20%, bem como criou a lei de férias.

No final dos anos 70, a reivindicação pela redução da jornada de trabalho volta à cena, em meio à pressão dos trabalhadores pelo fim do regime militar. Na primeira metade da década de 80 algumas categorias profissionais conquistaram jornadas entre 40 e 44 horas, fortalecendo a pressão dos trabalhadores para que fosse garantida sua limitação em 44 horas semanais na constituição federal de 1988. Meio século depois, a jornada legal foi reduzida de 48 para 44 horas semanais. Foi preciso cinquenta anos de luta para obrigar a burguesia brasileira conceder 04 horas para o trabalhador “fazer o que quiser” na jornada legal.

A jornada intensiva

A organização dos trabalhadores e suas lutas durante todo o século XX conseguiram promover uma inflexão na correlação de forças estabelecida na disputa pelo tempo. Importantes reivindicações passaram a fazer parte concreta do arcabouço jurídico mundial e vários países passaram a ter uma legislação própria que regulamentava a redução legal da jornada de trabalho. Um alerta: ainda que a burguesia tenha feito tais “concessões” aos trabalhadores, essas conquistas possuem uma existência efêmera e frágil. A fiscalização do Estado nem sempre alcançava efetivamente todas as localidades do mundo do trabalho. Assim, muitos empresários que já tinham resistência em cumprir tal legislação se encontravam em uma situação confortável para desrespeitar as normas. Além disso, em determinados momentos históricos tais direitos simplesmente desapareciam. Na segunda Guerra Mundial (1939-1945), muitos países, inclusive o Brasil, suspenderam as legislações que limitavam a jornada de trabalho.

Contudo, a principal iniciativa organizada mundialmente por parte da patronal se deu a partir do desenvolvimento da tecnocracia administrativa científica que soube conduzir a substituição do uso extensivo da mão de obra para o uso intensivo. Taylor, principal teórico desse processo defende padrões de acumulação pautados no controle rígido do tempo e dos movimentos dos operários dentro do processo produtivo, buscando aumentar a eficiência. Essa racionalização dos movimentos dentro da linha de montagem ampliou a produtividade do trabalho, sem aumentar a jornada. Como num “feitiço”, o capitalista prolonga a jornada normal de trabalho, pois consegue por meio da racionalização e intensificação do processo de trabalho, transformar um dia de trabalho em dois…

Dirigidos, assim, por um corpo burocrático-administrativo, a vida do operário dentro do seu ambiente de trabalho se torna fragmentada, com um ritmo alucinante e completamente limitada à condição de executor de tarefas especializadas que necessitam de pouco preparo intelectual. Esse método de administração científica ficou conhecido como Taylorismo e pretendia definir princípios científicos para a administração das empresas. Em resumo: a gerência planeja e o operário apenas executa as ordens e tarefas sem discussão, com tempo e monitoramento rígidos na linha de produção.

Na década de 1970, a crise estrutural do capitalismo exigia um novo padrão de acumulação mais sofisticado que o taylorismo. Os japoneses então desenvolvem um método de produção que está baseado na incorporação do trabalho morto substituindo o trabalho vivo. Homens por Máquinas! As empresas passaram a produzir mais com menos funcionários. Os estoques passaram a acompanhar as oscilações do mercado evitando desperdícios e gastos desnecessários… Programas que tinham o objetivo em garantir a qualidade total na produção começaram a se desenvolver. Muitas empresas, em todo mundo, passaram a transferir parte da sua linha de produção para outras empresas terceirizadas subcontratando a mão de obra. Entramos na fase do Toyotismo japonês, que foi massificado em todo ocidente, onde novas formas de exploração e dominação do trabalho foram instauradas. Isso marca a redução do emprego regular em favor do crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado. O capital ganha fôlego para mais um ciclo de acumulação, impondo regimes e contratos de trabalho mais flexíveis aos trabalhadores. Apesar do significativo avanço tecnológico (que poderia possibilitar, em escala mundial, uma real redução da jornada ou do tempo de trabalho), a flexibilização dos contratos de trabalho aumentaram as possibilidades dos empresários em reduzir ou aumentar o horário de trabalho, ou subdividir a jornada e estabelecer a lógica do banco de horas. Em contrapartida, o trabalhador para se adaptar deve ser mais flexível, correspondendo dessa forma, às necessidades da empresa. Então, em um mesmo ambiente de trabalho temos o pólo de trabalhadores do quadro da empresa e o pólo de trabalhadores em regime de tempo parcial, temporários e de empresas subcontratadas. O trabalhador subcontratado e/ou temporário é recrutado em situações extraordinárias, seja para substituir trabalhadores que estejam afastados por qualquer motivo, seja para atender alguma demanda mais exigente que pede complementação de mão de obra. Assim a empresa pode se antecipar as variações do mercado se tornando muito mais competitiva, com uma capacidade de aproveitar mais oportunidades de acumulação, se aproveitando das dimensões extensivas e intensivas da jornada de trabalho. Essa lógica, que nasceu dentro da indústria automobilística, passou a ser o padrão de produção das mais diversas categorias de trabalhadores como bancos, escolas, comércio, transporte e órgãos públicos.

O Decreto no 4.836, de 9 de setembro de 2003

“Mas é preciso também não ter ilusões: uma luta dessa envergadura não se dá pela pura negociação com o Parlamento da conservação e muito menos através de barganhas de cúpula, cedendo aqui para conseguir algo ali. A luta pela redução da jornada (ou do tempo) de trabalho depende decisivamente da organização dos trabalhadores nas fábricas, nos campos, nas empresas, nos bairros, nos assentamentos, em suma, no espaço produtivo do trabalho e no espaço do território dos que querem trabalho e se encontram sem-trabalho. Exigindo uma reivindicação vital para a humanidade neste início do século XXI, que o capital sempre relutou ao máximo em ceder” . (Antunes, 2008)

O decreto presidencial no 4836 diz

“Art. 3o Quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou trabalho no período noturno, é facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores a cumprir jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, devendo-se, neste caso, dispensar o intervalo para refeições.

§ 1o Entende-se por período noturno aquele que ultrapassar às vinte e uma horas.

§ 2o Os dirigentes máximos dos órgãos ou entidades que autorizarem a flexibilização da jornada de trabalho a que se refere o caput deste artigo deverão determinar a afixação, nas suas dependências, em local visível e de grande circulação de usuários dos serviços, de quadro, permanentemente atualizado, com a escala nominal dos servidores que trabalharem neste regime, constando dias e horários dos seus expedientes.”

Esse decreto é hoje o elemento legal (de extrema limitação) a que o movimento dos técnicos administrativos das IFES se agarra para reivindicar a redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais sem redução de salários.

Antes de tudo, queremos tratar das limitações do próprio decreto. O decreto é um avanço pontual, fruto da luta de décadas do funcionalismo pela redução da jornada de trabalho, mas traz consigo imensas contradições. Em primeiro lugar o decreto divide os servidores na medida em que a redução da jornada de trabalho não é estendida a todos. O que gera conflitos e dificuldades de unificar a reivindicação da implementação do decreto entre os próprios trabalhadores. Principalmente em locais de trabalho onde se encontram pessoal do quadro, terceirizados e bolsistas executando o mesmo trabalho com salários diferenciados. Em segundo lugar há uma resistência enorme por parte dos gestores de terceiro, segundo e primeiro escalão em dar tal concessão. De um lado porque pensam e agem em última instância como patrões e por outro lado porque o governo não cria um ambiente “sadio” para a implementação do decreto. Reduzir a jornada de trabalho para 30 horas semanais exige muitas vezes contratar mais servidores (gerando mais empregos via concurso público) e a lógica governamental não está conectada com a possibilidade de aumentar o quadro de pessoal pelo Regime Jurídico Único.

Parece-nos correto que o movimento exija à implementação do decreto, que cobre dos reitores as comissões paritárias para a avaliação dos departamentos onde os trabalhadores possam ganhar o benefício. Mas é preciso avançar na ampliação desse direito para todos. Não só por conta de assegurar o principio da igualdade de direito entre todos os servidores, mas por outro motivo que tem haver com as transformações no mundo do trabalho que “borraram” as fronteiras da vida dentro do trabalho e da vida fora do trabalho. O trabalho não está enquadrado e admitido somente dentro das quatro paredes do escritório ou departamento… As tarefas que tem hora e data para serem executadas muitas vezes entram na vida íntima e doméstica das famílias. Assim, a jornada de trabalho se estende ainda que não seja calculada oficialmente. É o famoso “levar trabalho pra casa”.

Nas IFES essa situação se agrava principalmente num momento onde está em curso o processo de expansão das universidades. Os servidores técnico-administrativos formam hoje um pilar fundamental que dá sustentação ao crescimento das IFES, mas ao mesmo tempo cresce numa razão diretamente proporcional a desvalorização do servidor. Muitas obras são inauguradas onde reitores e homens públicos do governo federal são homenageados e aplaudidos com seus nomes nas belíssimas placas e na propaganda oficial. Perdoe-nos a expressão, mas está restando aos servidores o papel de “bucha de canhão” da expansão das universidades (REUNI).

A ANDIFES é contra a redução da jornada de trabalho

“Mas a burguesia não está só nesta sua luta pela manutenção e reprodução do capitalismo, dos seus privilégios. Ela, por ser uma minoria, necessita de indivíduos que contribuam para a reprodução do capitalismo. Nem que para se manter como classe dominante ela ceda parte de seus privilégios, da mais-valia extorquida. É quando entra em cena a classe que lhe auxilia (a burocracia) e orienta na manutenção, organização e transformação contínua dos espaços de trabalho. Porém, a burguesia não é uma classe fechada em si, cujos membros são estáticos e inalterados. Ela acompanha o mesmo processo existente do modo de produção a que deu origem, ou seja, transforma constantemente as relações de produção para continuar existindo enquanto classe dominante. É nesse sentido que podemos acompanhar as transformações que vem ocorrendo no capitalismo moderno, em relação às classes que dominam. A burguesia não é a única classe dominante, ela conta com seus auxiliares (a burocracia) que, em relação proletariado, faz o mesmo jogo daquela.” (Marques, Capitalismo e a Teoria dos Gestores).

Cerca de 60 representantes das IFES participaram de uma reunião ordinária da ANDIFES no dia 26 de outubro de 2011, e aprovaram uma resolução que desaconselha à implementação da jornada de trabalho de 30 horas semanais nas universidades. Segundo João Martins, presidente da ANDIFES: “O Conselho Pleno resolveu desaconselhar a implementação do regime de 30 horas porque hoje a Andifes luta no Congresso para aprovar mais cargos”, afirmou presidente o da associação, João Luiz Martins, para quem haveria contradição em diminuir a jornada quando se pleiteia novas vagas para técnicos e professores por meio do Projeto de Lei 2134. (UNB Agência, 2011)

O argumento dos reitores é reacionário, para eles o objetivo principal de reivindicar mais vagas para contratar pessoal tem haver em garantir o funcionamento e o processo de expansão das universidades sem levar em consideração as reivindicações, as condições de trabalho e muito menos os salários dos servidores.

O processo de expansão das IFES está intimamente ligado ao relativo crescimento econômico no qual o país tem vivido nos últimos anos. O REUNI é um projeto arquitetado pelo MEC como uma resposta as demandas do mercado nos marcos de uma economia que se desenvolve com certo grau de “aquecimento”. Na visão governamental a universidade precisa formar mais homens e mulheres para atenderem as demandas do mercado seja como for. Não importa se isso se dará com o aumento da terceirização, com parcerias público privadas (PPP ́s), com o aumento da carga de trabalho de professores e servidores… É preciso garantir o REUNI e responder as necessidades do capital com o menor custo possível, já que não está no horizonte do governo a bandeira histórica dos 10% do PIB para educação reivindicada pelo movimento dos docentes, técnicos e estudantes. O compromisso das forças políticas que atualmente dirigem o país com os interesses dos grandes grupos econômicos é o principal motivo no qual os recursos do orçamento não são direcionados para garantir as demandas sociais.

A ANDIFES é uma entidade que organiza politicamente os gestores máximos das IFES (que compõe a burocracia auxiliar do governo), é um pilar de sustentação das políticas educacionais desenvolvidas pelo MEC. O movimento dos técnicos administrativos precisa se jogar ao diálogo, debate, polêmica e ao confronto quando for necessário em unidade com professores e estudantes contra todas as posições políticas reacionárias dos reitores que fortalecem os ataques do governo aos direitos dos trabalhadores da educação. Nos conflitos macro ou micro políticos que envolvem as universidades os reitores em geral capitulam a pressão política imposta pelo governo. Qualquer movimentação por fora dessa lógica política é produto de uma correlação de forças diferenciada imposta pela força do movimento dos trabalhadores e/ou estudantil.

O ponto eletrônico nas IFES

“Infelizmente, confirmaram-se os piores temores quanto à possibilidade de manipulação dos controles de ponto eletrônico por parte de empregadores em fraude aos direitos dos seus empregados. Em inúmeros processos judiciais, por todo o país, verificou-se que as empresas utilizavam as facilidades propiciadas pelos sistemas atuais para fraudar o direito dos trabalhadores a horas extras… Também foram realizadas inspeções judiciais, com idêntico resultado. O mesmo foi constatado pelos Auditores fiscais do Ministério do Trabalho. A inspeção do trabalho do M.T.E. foi inundada por denúncias de fraudes nos sistemas de ponto eletrônico, em especial os grandes magazines do comércio varejista e redes de supermercados… Mais: algumas empresas de software utilizam essa possibilidade de fraudar os registros como uma “vantagem comercial” dos softwares que produzem, chegando a anunciar, despudoradamente, que através da compra de seu programa, o empregador deixará de se preocupar com as horas extras de seus empregados.” (Santos e Vargas, Os sistemas de ponto eletrônico a partir da Portaria no 1.510/09)

Nem redução da jornada, nem aumento dos salários… Para o governo e gestores o que os servidores técnicos administrativos precisam é do relógio de ponto eletrônico, com a sofisticação do registro das digitais de cada trabalhador. Um método “moderno” de controle do tempo de trabalho e implementação da lógica já existente no setor privado de extrair racionalmente a mais valia dos trabalhadores.

O centro dos problemas existenciais das universidades públicas com certeza não está ligado à falta de cumprimento das horas de trabalho por parte dos servidores. Em décadas de produção científica as IFES se transformaram em um pólo de acumulação de conhecimento e isso só foi possível pela dedicação e disciplina que os servidores possuem com as tarefas de maior ou menor complexidade que lhes foram designadas.

Olhemos para o exemplo das fábricas e bancos que possuem o controle rígido do tempo a partir de mecanismos tecnológicos sofisticados, onde a pressão em extrair e sistematizar o máximo de energia dos seus empregados em curto espaço de tempo tem produzido resultados positivos para os empregadores. Para os trabalhadores os resultados são profundamente negativos, onde a submissão à pressão dos relógios de ponto eletrônico tem provocado perturbações profundas no sistema nervoso desses trabalhadores. Stress, depressão, baixa auto-estima, dependência química e uma série de doenças mentais e nervosas tem sido uma constante entre os trabalhadores submetidos a regras e horários insensíveis.E mais, se levarmos em consideração que o ambiente de trabalho nas universidades é distinto do ambiente fabril, os argumentos de Elaine Tavares Jornalista da Universidade Federal de Santa Catarina parecem sensatez lógica, segundo Elaine:

“Os trabalhadores da universidade têm um fazer muito específico, completamente diferente de uma fábrica. Eles não estão submetidos a processos de produção que exijam contagem de tempo limitante. Estes trabalhadores mexem com o trabalho imaterial. Fazem pesquisa, atuam na extensão, auxiliam nas atividades do ensino. É toda uma dinâmica bastante diferente de uma produção mecânica e, mesmo essa, como já vimos, com as novas tecnologias, tampouco precisariam deste controle proposto pelo estado.” ( Tavares, O relógio de ponto Eletrônico e a Universidade).

As universidades são espaços que estão dentro da estrutura do regime político vigente. São instituições que surgiram e se desenvolveram pelas necessidades de acumulação da burguesia. . Mas mesmo assim podemos considerar que são zonas de maior margem de manobra para a expressão do contraditório e do livre pensar. Quando o relógio de ponto eletrônico passar a fazer parte do cotidiano normal das IFES, estará concretizado um importante salto na transformação das universidades em espaços cada vez mais submetidos à logica racional e desumanizada do mercado. A margem de manobra será menor!

Considerações finais

Podemos dizer sem medo de errar ou cometer exageros que a vinte ou trinta anos atrás (ainda no séc. XX) nas repartições públicas, nos departamentos acadêmicos, entre os laboratórios, nas salas de aula e por todos os espaços das universidades o ritmo e a produção de trabalho (diretamente ou indiretamente cientifico-acadêmico) de um técnico administrativo eram infinitamente menores do que hoje. E o número de funcionários do quadro técnico administrativo (em todas as classes de nossa tabela) era proporcionalmente maior.

No início da segunda década do séc. XXI, o ritmo e a produção do trabalho de um téc. administrativo se elevaram brutalmente devido ao “feitiço” proporcionado pelos novos recursos tecnológicos que transformaram o resultado de um dia de trabalho do ano de 2012 a ser o mesmo resultado de dois, três ou mais dias de trabalho do ano de 1982. Computadores e impressoras substituíram máquinas de escrever e mimeógrafos…

Só essa constatação empírica segura de ser comprovada cientificamente seria um argumento louvadamente lógico para um reitor conceder 30 horas para todos que se enquadram no decreto 4836 ou para o governo ampliar a jornada de trabalho de 30 horas para todos os trabalhadores do funcionalismo público superando as limitações do próprio decreto.

Podemos ainda pensar que as derrotas que o funcionalismo acumulou com as reformas aplicadas sobre a previdência, aumentaram os anos de trabalho de boa parte dos trabalhadores, aumentando a idade para se aposentar. Ora! A cada ano que se aumenta de trabalho na vida de uma pessoa, aumenta a totalidade de horas de trabalho de uma vida inteira. A luta pela jornada de trabalho de 30 horas semanais faz parte da resistência dos trabalhadores contra a pressão das ambições do capital em apoderar-se da maior quantidade de tempo disponível da vida de um trabalhador.

Por fim, é preciso lutar e é possível vencer conquistando uma jornada de trabalho com carga horária menor do que existe hoje. Mas é necessário compreender que essas conquistas sob o capitalismo são temporárias e instáveis. Em todas as sociedades as classes que detinham o poder de uma forma ou de outra procuraram manter o controle do tempo como uma forma de fortalecer a manutenção do próprio poder conquistado. A possibilidade de mais tempo livre para a ampla maioria da humanidade poder exercer suas potencialidades intelectuais e artísticas… Produzir ou não bens materiais lúdicos ou concretos para si mesmo… Para o amor e sexo… Cuidar do corpo e saúde… Para criar os filhos e cuidar dos pais… Para exercer a plenitude da vida humana! Essa possibilidade só será constante em um intervalo prolongado de gerações se o controle do poder político sofrer uma mudança radical. Tempo não é só dinheiro… Tempo é poder!

Gibran Jordão – É Historiador e Coordenador Geral da FASUBRA.

Referências:

LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média: tempo, trabalho e cultura no ocidente.- Trad.: Maria Helena de Costa Dias- Lisboa: Editorial Estampa,1979.

Marx, Karl. O capital: crítica da economia política. Vol. 1. Livro Primeiro: O processo de produção do capital. Tombo I .Trad.: Reginaldo Sant’Anna- Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2003; Cap. VIII.

Redução da Jornada de Trabalho: Uma Luta do Passado, Presente e Futuro Nota técnica do DIEESE, no 87, abril de 2010.

Antunes, Ricardo. A luta pela redução da jornada de trabalho,2008. http://portalctb.org.br/site/index.php?option=com_content&Itemid=17&task=view&id=2213

Marques,Edmilson. Capitalismo e a teoria dos gestores, 2009. http://pt.scribd.com/doc/24047802/Capitalismo-e-a-Teoria-Dos-Gestores-Edmilson-Marques

Santos e Vargas. Os sistemas de ponto eletrônico a partir da Portaria no 1.510/09, 2009. http://www.direitopositivo.com.br/modules.php?name=Artigos&file=display&jid=335

Tavares, Elaine. O relógio de ponto Eletrônico e a Universidade. http://www.sintufsc.ufsc.br/wordpress/?p=4181