Waldo Mermelstein
Frente à atual situação política do país, alguns setores da oposição de esquerda ao governo avaliam, fazendo coro ao próprio governo e aos petistas, que há um processo de preparação de golpe em curso e que a agenda dos protestos estaria adquirindo um caráter conservador. Acredito que se trata de uma análise equivocada, pois tomam somente um momento e um aspecto dos protestos. Não veem como eles seguiram com sua clara agenda de reivindicações sociais progressivas, que se expressa agora no chamado ao dia de luta e mobilizações para o dia 11 de julho, feito pelas principais centrais sindicais, inclusive a única de oposição, a CSP-Conlutas. Confundem a preparação de uma opção eleitoral de direita para 2014 com a possibilidade de um golpe.
Para além das teorias conspiratórias, toda argumentação política precisa ter lógica. Que interesse teria a burguesia em lançar-se em um processo de desestabilização insurrecional ou mesmo constitucional do governo? Afinal de contas, não foi justamente o governo do PT o que proporcionou os mais altos lucros ao grande capital em décadas?
Mesmo com a aguardada entrada em cena da classe trabalhadora na greve chamada para 11 de julho, não estamos diante das incertezas e convulsões características de um processo golpista, como vimos em 1964 no Brasil, e em 1973 no Chile de Allende, ou mesmo nos golpes mais “brandos”, “semi-constitucionais”, como, recentemente, em Honduras e no Paraguai. Os governos imperialistas mantêm excelentes relações com o governo petista e a última coisa que querem é que o maior país da América Latina entre numa crise de ainda maiores proporções. Não há uma só voz importante nos meios burgueses que defenda essa saída. O que existe é uma pressão para que o governo aprofunde o seu curso reacionário. Dilma se apressou em fazer concessões às pressões burguesas ao reafirmar o ajuste fiscal e apoiar o uso cada vez mais agressivo das polícias militares e da Força Nacional contra as manifestações.
Para quem, como eu, viveu a preparação do golpe no Chile e sua execução, tal hipótese só pode soar como desconhecimento ou manipulação para deter o processo de lutas contra o governo, em nome da unidade para lutar contra a direita ou até contra os fascistas. Extrapola os limites desta pequena nota abordar como os socialistas encaram a luta contra o perigo de golpes militares, mas há muito se sabe que a unidade necessária contra os fascistas e golpistas não significa apoio aos governos ameaçados. Exemplo clássico de política correta foi a atitude dos bolcheviques quando confrontados com um golpe de tipo fascista durante a Revolução Russa de 1917. Chamaram à luta conjunta (“ombro a ombro”) contra o golpista general Kornilov, sem “por nenhum minuto apoiar Kerensky”, nas palavras célebres de Lênin.
Um golpe se prepara com uma campanha de massas clara, sistemática, com manifestações multitudinárias, com a participação permanente de grupos fascistas, inclusive com articulações mais ou menos públicas nas forças armadas. Assim foi em nosso país a preparação ao golpe de 1964. A parte secreta do golpe é só uma pequena (ainda que decisiva) parte do processo. Nada disso ocorre no país. E, pior, um golpe pode fracassar, porque precisa de um alto grau de coordenação e eficiência e pode sempre desencadear um processo de mobilizações muito superior ao que queria controlar, como ocorreu na Revolução Russa, na guerra civil espanhola, na Bolívia em 1952 etc. Em uma palavra: o argumento de que há um golpe em curso no país não é senão uma ideologia a serviço da defesa do governo (cada vez mais reacionário) de Dilma Roussef.
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