Alvaro Bianchi e Daniela Mussi, de New York.
Duas bombas explodiram dia 15 de abril em Boston, nos Estados Unidos, matando três pessoas e ferindo mais de 170. Os artefatos estouraram a poucos metros da linha de chegada da maratona da cidade, em frente a uma ótica e a uma loja de brinquedos. As vítimas fatais são uma criança de oito anos, uma garçonete e uma estudante universitária chinesa. As primeiras investigações revelaram que as bombas explodiram dentro de panelas de pressão, lançando estilhaços de metal em todas as direções. Testemunhas afirmam terem visto pessoas com as pernas arrancadas devido à explosão.
O presidente Barack Obama reagiu energicamente anunciando que iria até o fim nas investigações, mas procurou evitar falar em terrorismo e deixou em aberto se o atentado havia sido impetrado por um grupo ou um indivíduo, americano ou estrangeiro (ELIGON; COOPER, 2013, p. A-1). Passadas 48 horas do atentado, a maioria dos analistas permanece cautelosa. Além da demora incomum em apresentar responsáveis, um fato chama atenção: o alvo não foi nenhuma instituição de governo, aparelho militar ou grandes corporações financeiras. Isso sinaliza que o objetivo era infligir perdas e aterrorizar a população comum.
Os especialistas tem afirmado nos jornais que bombas caseiras em panelas de pressão já foram usadas em atentados no Afeganistão, Iraque e Nepal. Mas isso não fornece pistas seguras, uma vez que é possível encontrar na internet manuais para sua fabricação (TIMMONS; KUMAR, 2013). O fato de ninguém ter assumido a autoria enfraquece a hipótese de que tenha sido alguma facção islâmica fundamentalista, já que a publicidade da autoria de ataques como esse é parte essencial de sua concepção e execução.
Uma série de indícios apontam para a ação de grupos de extrema-direita americanos. Em primeiro lugar, a semana do atentado coincide com alguns eventos importantes para liberal-terroristas. Dia 15 de abril esgotou-se o prazo para a declaração do imposto de renda nos Estados Unidos, data que costuma ser de protestos dos ultraliberais. Foi também o aniversário do Patriots’ Day em Massachusetts, dia em que, em 1775, se deram as primeiras batalhas da revolução americana em Lexington e Concord. Por fim, na mesma semana o dia 19 de abril marca o aniversário do atentado de Oklahoma, quando em 1995 o terrorista de direita Timothy McVeigh explodiu uma bomba no Alfred P. Murrah Federal Building, matando 165 pessoas (cf. BOSTON, 2013, p. A-14).
Até o momento tudo não passa de especulação, mas existe forte sentimento – que não é sequer desmentido pelo governo – de que esse pode ser o início de um ciclo de atentados e que civis inocentes continuarão morrendo em solo americano. É interessante notar que em sua política externa, Barack Obama tampouco tem conseguido constituir um ambiente internacional favorável e compatível com o discurso que o elegeu para o segundo mandato. Convulsionado pelo agravamento da crise econômica – especialmente aprofundamento do desemprego e precarização sensível das condições de trabalho em quase todos os países da Europa em também nos Estados Unidos, especialmente entre os jovens – e pelas “habituais” intervenções militares, a hegemonia política dos Estados Unidos permanece longe de encontrar um ponto de equilíbrio.
Yes we can. Who? What? When?
Desde o primeiro mandato, o presidente Obama mudou apenas superficialmente a política externa do país. Apesar do esforço em enfatizar algumas ações diplomáticas, hoje é visível a ausência de qualquer recuo do uso da força militar. Os Estados Unidos, sob a liderança de Obama, participaram diretamente da invasão da Líbia, em 2011; bombardearam território paquistanês com aeronaves não tripuladas; apoiaram os franceses em sua incursão no Mali, em janeiro de 2013; mantém assessores militares presentes no Iraque; preparam-se para uma intervenção militar na Síria e na Coreia do Norte; e combatem abertamente no Afeganistão. Isso levou um atento analista da política externa, como John Feffer, editor de Foreign Policy in Focus a afirmar: “After all, President Obama has largely preserved the post-9/11 fundamentals laid down by George W. Bush, which in turn drew heavily on a unilateralist and militarist recipe that top chefs from Bill Clinton on back merely tweaked.” (FEFFER, 2012).
No mesmo dia do atentado de Boston, o Stockholm Internacional Peace Research Institute (SIPRI), instituição que monitora os gastos militares de países no mundo todo, anunciou que, em 2012, a participação dos Estados Unidos na divisão mundial dos gastos militares caiu abaixo dos 40% pela primeira vez desde o colapso da União Soviética, totalizando 682 bilhões de dólares (SIPRI, 2013). Ao contrário do que se pode imaginar, porém, essa queda não é um fator de estabilidade ou resultado da vontade política do governo Obama. Ela tem como origem a crise do Estado e como consequência a uma tendencial fragmentação política do governo, que iniciou o ano de 2013 sob a desconfiança de setores da força militar sobre “o que é feito no Capitólio” (VALDUGA, 2013) . Os cortes do governo norte-americano nos gastos militares não são a expressão de um governo antimilitarista, mas sim um indicativo de rachaduras nas contas públicas norte americanas.
Dada a ainda forte e historicamente continuada intervenção dos Estados Unidos, as ações terroristas por grupos estrangeiros continuam, evidentemente, uma ameaça sentida em território americano. À medida em que a crise no Oriente Médio se aprofunda, que a política externa americana cava um fosso cada vez maior com o mundo árabe e abrem novas frentes de conflito, crescem as tensões políticas. A crise das várias décadas de uma política externa de rapina, levada a cabo tanto por governos republicanos como democratas, cujo marco inicial se deu nos atentados contra o WTC em 11 de setembro de 2001, se aprofunda. As classes dominantes norte-americanas, com seus partidos e seus governos, não podem negar a responsabilidade e não podem esconder sua incapacidade de solucionar os problemas que criaram.
Internamente as ameaças não são menores. A tensão social cresce a cada dia e os problemas se acumulam. Três temas da agenda política têm provocado grande conflito e ampliado a fragmentação política do governo Obama: a aprovação do orçamento da União, com os cortes de gastos com o Medicare e o Social Security, a política de controle de armas e a reforma das leis de imigração. Obama se apresenta como um presidente em luta cnontra o conservadorismo dos republicanos, fazendo o que é possível, yes we can… do something. O fato é que é a crise do Estado norte-americano, em muito impulsionada pela crise econômica internacional, aponta para o colapso de políticas sociais precárias com as quais a burguesia norte-americana sobreviveu e governou nas últimas décadas. A pressão pela reforma da imigração, por sua vez, não revela um país mais democrático e aberto a circulação livre das pessoas, mas sim a tentativa desesperada de atrair massas de trabalhadores precarizados de outros países, que sonham com uma vida melhor nos Estados Unidos. Trabalhadores os quais as classes dominantes pensam poder sujeitar a uma vida com menos direitos, menos salários, menos saúde, menos futuro. Ao contrário, esses impasses tendem aumentar as tensões políticas e sociais entre os trabalhadores e a burguesia e seu governo.
O quadro político é extremamente complexo. Há choques importantes entre as diferentes frações da burguesia. Há, também, conflitos entre burocracia sindical, a qual tradicionalmente representa os trabalhadores brancos com empregos mais estáveis, e o movimento dos imigrantes, especialmente hispânicos, cuja presença em solo americano tornou este um país bilíngue, que vota e quer acesso a direitos e condições iguais no mercado de trabalho. Em um país no qual a maioria da população se identifica como middle class e no qual prevalece uma visão de mundo fortemente individualista e anticoletivista, é relativamente lógico esperar a proliferação de grupos de pequeno-burgueses falidos que se apropriam de um discurso ultraliberal e se dispõem a realizar atos desesperados de protesto. O surgimento do Tea Party foi um exemplo, o atentado de Boston parece outro. Embora eleitoralmente, a plataforma política desses grupos soe risível e sua expressão pública nas últimas eleições presidenciais tenha favorecido o voto útil em Obama, sua faceta ativista não é nada hilariante.
É preciso dar respostas à crescente precariedade econômica da classe trabalhadora norte-americana, aos layoffs, ao wage theft, ao subemprego e ao desemprego. E é preciso que esta resposta alie à análise da precarização econômica aquela da precarização social, provocada pelos cortes de investimentos em serviços como saúde e previdência. Segundo a AFL-CIO, nos Estados Unidos, 55,4 milhões de pessoas, incluindo 8,6 milhões de trabalhadores incapacitados e 4,4 milhões crianças recebem cheques mensais do Social Security; 48,7 milhões de pessoas tem sua saúde atendida pelo sistema Medicare; e 64,4 estão cobertas pelo Medicaid, incluindo 29,8 milhões de crianças e 4,2 milhões de idosos. Os chamados sequestros orçamentários são uma ameaça para essas pessoas e uma fonte efetiva de precarização de direitos.
Esta resposta não pode, por fim, não ser política, capaz de enfrentar também a precarização subjetiva da vida para a qual o atentado de Boston contribui, sendo talvez esta sua principal função. Uma resposta contra o temor de ser vítima de uma explosão terrorista, eficazmente difundido entre a população, particularmente a mais vulnerável, os trabalhadores negros e imigrantes das grandes cidades norte-americanas. Uma resposta que recoloque o problema do poder e do seu sujeito. Yes we can. Nós, trabalhadores, imigrantes, mulheres e jovens. Contra as classes dominantes, seu desemprego, seu subemprego, sua crise seus partidos, seus governos, suas guerras e suas bombas.
Referências bibliográficas:
BLS. Information technology-producing industries: Extended mass layoff events and separations, private nonfarm sector, 1996-2012. Bureau of Labour Statistics, 2013. Disponpivel em: http://www.bls.gov/mls/miltprod.htm.
BOSTON Marathon Blast Kill and Injury More than 100. New York Times, Apr. 16, 2013, A-1, A-14.
CROWLEY, Michael A Short Recent History of Pressure-Cooker Bombs. Time, Apr. 16, 2013, Disponível em: http://swampland.time.com/2013/04/16/a-short-history-of-pressure-cooker-bombs/#ixzz2Qk8qagY7
ELIGON, John; COOPER, Michael. Panic at Finish Line. New York Times, Apr. 16, 2013, A-1, A-14.
FEFFER, John. Dumb and Dumber: Obama’s “Smart Power” Foreign Policy. Washington, DC: Foreign Policy In Focus, Sept. 6, 2012.
SIPRI. 15 April: World military spending falls, but China, Russia’s spending rises, says SIPRI. Press release. Stockholm, Apr. 15, 2013. Disponível em: http://www.sipri.org/media/pressreleases/2013/milex_launch
TIMMONS, Heather; KUMAR, Hari. What Are ‘Pressure Cooker’ Bombs and Why Do Terrorists Use Them? New York Times Global Edition, Apr. 17, 2013. Disponível em: http://india.blogs.nytimes.com/2013/04/17/what-are-pressure-cooker-bombs-and-why-do-terrorists-use-them/
VALDUGA, Fernando. Corte no orçamento militar dos EUA vai afetar horas de voo de bombardeiros nucleares. Cavoc: Asas da Informação. 7 fev. 2013. Disponível em: http://www.cavok.com.br/blog/?p=61850
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