Nuria Campanera e Gabriel Huland
Em meados de março de 2011 começaram os primeiros protestos. O detonante foi a notícia das revoluções na Tunísia, Líbia e Egito, e um evento local: a polícia prendeu em Daraa algumas crianças que haviam pintado slogans críticos com Assad nos muros de algumas casas. As autoridades se recusaram a liberá-las e Atef Najib, um chefe do serviço secreto sírio e primo de Assad, recomendou aos pais, que tinham ido exigir a libertação de seus filhos, que retornassem às suas casas e tivessem outros filhos, porque aqueles nunca sairiam da prisão. No dia seguinte, começou o primeiro protesto contra a ditadura síria.
Simultaneamente também foram organizados protestos na capital. Em 15 de março de 2011, entre 40 e 50 pessoas marcharam pelas ruas de Damasco pedindo liberdade e justiça social. Logo após estes primeiros protestos, muitos dos manifestantes foram atacados por partidários de Assad. Poucos dias depois, centenas de pessoas se reuniram em frente ao Ministério do Interior para exigir a libertação dos milhares de dissidentes políticos que estão presos. As forças policiais reprimiram duramente a concentração e os primeiros ativistas da revolução síria eram presos. O primeiro protesto massivo, no entanto, ocorreu em Daraa e no dia 18 de março os primeiros mártires eram assassinados. A partir de então, Daraa ficou conhecida como o berço da revolução síria.
Dois anos depois desses acontecimentos, os confrontos entre o regime de Bashar al-Assad e os rebeldes organizados no Exército Livre da Síria só cresceram. Assad respondeu aos protestos com uma violência desproporcional: canhões, tanques pesados e aviões de guerra são utilizados indiscriminadamente dia após dia não só contra os combatentes de ELS, mas contra a população civil indefesa. Um ditador que está ameaçado de perder o seu poder é capaz de ações irracionais. A história tem mostrado.
A revolução síria é o fato mais importante da luta de classe mundial. O resultado deste conflito terá efeitos significativos para a “Primavera Árabe” e para as lutas dos trabalhadores em todo o mundo. A Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT) apoia o levante popular contra o regime de Assad. Todas as seções de nossa organização estão desenvolvendo campanhas de solidariedade com a revolução.
A importância geopolítica de Síria
O resultado da guerra civil síria afetará toda a região. Está em jogo não apenas o futuro do país. A Síria tem fronteiras com a Turquia, Israel (Colinas de Golã), Líbano, Iraque e Jordânia. O desenlace da revolução influenciará a segurança de Israel, a influência do Irã na região, a relação israelense-libanesa, a estabilidade do Iraque, a questão curda, a superioridade militar saudita e a luta palestina por um Estado próprio. A trégua entre Israel e Síria e a ocupação das “forças de paz” da ONU nas Colinas de Golã são essenciais para a estabilidade de Israel. Todas estas questões sofrerão mudanças com a queda de Assad. Além disso, também está em jogo a influência dos EUA, da UE, da Rússia e da China na região. A importância da Síria é comparável à do Egito, o país mais industrializado da região, e é muito superior à de Líbia e Tunísia.
A relação da Síria com Rússia e China é histórica e remonta aos anos da Guerra Fria, quando este país era parte do bloco socialista. Após o fim da URSS, a Síria se tornou um dos poucos aliados da Rússia no Oriente Médio. Todos os demais países passaram à zona de influência dos EUA. Apesar do discurso paranóico de Assad de que os rebeldes são armados e financiados por uma conspiração internacional, é o ditador sírio que tem recebido apoio externo desde o início do confronto. Armas russas, combatentes do Hezbollah, assessoria militar e financiamento do Irã, além de petróleo da Venezuela. A hipocrisia desse personagem sem escrúpulos não tem limites.
Uma economia destruída
Desde os tempos antigos se cruzam em Damasco duas rotas comerciais: a Rota da Seda, de leste a oeste, e a Rota do Incenso, de norte a sul. Daí a tradição comercial do país. Atualmente, seus principais produtos exportados são o petróleo, gás natural, algodão, fosfatos, frutas, legumes e têxteis. As principais fontes de divisas sao o petróleo e o turismo. Além disso, importa máquinas, produtos eletrônicos, químicos e carros. Seus principais parceiros comerciais são a Europa e a China. Após a liberalização econômica e as privatizações realizadas nos últimos 20 anos, o clã Assad assumiu o controle de cerca de 60% da economia.
Desde que a guerra começou a venda de petróleo caiu drasticamente, assim como o turismo. A economia está à beira do colapso. O governo sobrevive graças à ajuda que recebe de seus aliados externos.
Um país no qual conviviam distintas religiões e grupos étnicos
A população síria é composta por 88% de muçulmanos e 12% de cristãos. Entre os mais importantes grupos muçulmanos se encontram os Sunitas (75%), os Alauitas (12%) e os Drusos (2%). Dos 75% de Sunitas, cerca de 10% são Curdos. Os Curdos são considerados a maior nação sem Estado do mundo. A grande maioria vive na Síria, Turquia e Iraque, em uma região conhecida como Curdistão. Eles lutam pela criação de um Estado próprio.
Antes da criação do Estado de Israel, em 1948, também viviam na Síria um número significativo de judeus, cerca de 200.000. Hoje, há menos de 2.000, uma vez que a grande maioria emigrou para o Estado sionista. Na Síria, judeus, cristãos e muçulmanos viviam em harmonia, apesar da clara maioria do último grupo. A propaganda imperialista e o discurso do regime tentam apresentar o conflito sírio como de origem religiosa, além de mencionar constantemente o perigo de grupos extremistas. Esta análise é completamente falsa e mentirosa. Do lado rebelde, há membros de todas as religiões e credos. Este é um levantamento de todo um povo contra uma ditadura. Grupos islâmicos radicais (como, por exemplo, o grupo al-Nusra) são poucos e exercem momentaneamente pouca influência. Se essa influência cresce, é porque a ONU e a comunidade internacional sao incapazes de enviar armas, suprimentos e dinheiro suficientes para os rebeldes, deixando-os à mercê destes setores. Ainda assim, a maioria dos rebeldes aposta por construir um Estado laico após Assad.
Assad pertence à minoria alauíta e usa o medo e as ameaças para ganhar este grupo para o seu regime. Ele também está fazendo concessões aos curdos no norte para ganhar seu apoio. Apesar desses fatos isolados, a maioria esmagadora dos sírios querem o fim desse regime sanguinário que os oprime há mais de 40 anos.
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