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TEORIA

Breves notas sobre a Organização Revolucionária Marxista, a POLOP

Felipe Demier

Em fevereiro de 1961, num congresso realizado em Jundiaí (SP) que conglomerou militantes de grupos como a Juventude Socialista, da Guanabara, a Juventude Trabalhista de Minas Gerais (ligada ao Partido Trabalhista Brasileiro – PTB), o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e a Liga Socialista Independente (LSI),[1] foi fundada a Organização Revolucionária Marxista (ORM), que se tornou conhecida pelo nome de seu periódico (primeiramente, jornal e, depois, revista) Política Operária (POLOP).[2] Contendo em suas fileiras militantes de perfil intelectual como Eric Sachs, Theotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini, Luiz Alberto Moniz Bandeira e os irmãos Emir e Eder Sader, a POLOP não era uma organização propriamente trotskista, mas tinha no revolucionário russo (assim como em Bukharin, Rosa Luxemburgo e nos dirigentes do Partido Comunista da Alemanha nos anos 20, Brandler e Talheimer, pouco conhecidos no Brasil) uma de suas principais referências teóricas. Era, de todo modo, uma organização de tipo centrista, próxima ao trotskismo (ou, se quisermos, uma organização de perfil trotskizante).[3]

Nos buliçosos primeiros anos da década de 1960, POLOP se diferenciava da maioria das organizações de esquerda pela sua defesa intransigente do caráter “socialista” da revolução brasileira. Rejeitando, por consequência, a “colaboração de classes” proposta pelo Partido Comunista Brasileiro (e demais adeptos da estratégia da revolução “democrático-burguesa” ou de suas variantes), a POLOP apresentou ao agitado movimento de massas do período a fórmula de uma “Frente dos Trabalhadores da Cidade e do Campo”.

Reivindicando, sob o governo Goulart, eixos programáticos como a reforma do ensino, o controle estatal dos lucros do grande capital, a organização dos camponeses e a aliança com a esquerda revolucionária da América Latina, a pequena organização de quadros, composta basicamente de intelectuais, estudantes e subalternos das Forças Armadas, gozou de pouquíssima interlocução com o operariado. O trabalho político da POLOP junto a esse setor, considerado por ela como o principal sujeito revolucionário, restringiu-se, até 1964, a algumas bases em Minas Gerais e São Paulo (em especial na região do ABC), além dos contatos com as cúpulas dirigentes. No movimento sindical, estimulou a construção de comitês de empresa e a militância nas organizações de base, paralelas à estrutura sindical corporativista, sem, contudo, abandonar a participação nos sindicatos oficiais. No movimento estudantil, chegou a ser majoritária em alguns diretórios acadêmicos e a possuir um assento na diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE), entidade que, especialmente após o golpe militar, era hegemonizada pela Ação Popular (AP).

Já entre os subalternos das Forças Armadas, em especial os do Exército, a POLOP obteve um relativo êxito, recrutando entre estes muitos de seus militantes – cerca de 20% dos componentes da organização tinham origem castrense. Nas resoluções de seu II Congresso, realizado em 1963, constava a bandeira do apoio à luta dos sargentos pela elegibilidade, assim como a defesa do direito de voto para as praças de pré (como também para os analfabetos). Tal êxito talvez se explique em parte pela aproximação feita pelos polopistas com Leonel Brizola, principal referência de esquerda entre as baixas patentes das Forças Armadas. A POLOP, enxergando o golpe como iminente,[4] participou da construção dos chamados “grupos dos onze”, animados por Brizola, que tinham por finalidade combater militarmente a ofensiva contra-revolucionária. Também ao lado de Brizola, assim como do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) e de outras organizações, militantes da POLOP envolveram-se, no exílio uruguaio do pós-Golpe, na elaboração de um plano de implementação de focos guerrilheiros no Brasil, iniciado com a “Guerrilha do Caparaó”.[5]

Desde seu início, a POLOP se propôs a ser um polo aglutinador da vanguarda brasileira, visando à construção de um partido revolucionário no país. Entretanto, uma análise nos materiais da organização (documentos, cartilhas, resoluções congressuais etc.), como a realizada por Mattos, demonstra que, com o passar do tempo, em especial no período pós-1964, a idéia de um partido revolucionário a ser construído no Brasil passou a se confundir com a concepção de que a própria POLOP já seria, ela mesma, esse partido.[6]

Ainda que desde sua formação tenha divulgado os feitos da Revolução Cubana (1959), a POLOP não aderiria logo de início à perspectiva guerrilheirista, mantendo-se adepta da insurreição dos grandes centros fabris como caminho para a conquista do poder pelos trabalhadores. Contudo, provavelmente em função das dificuldades cada vez maiores impostas ao trabalho junto ao movimento de massas a partir do golpe, a organização passou a tratar o foco guerrilheiro como um elemento “tático” que poderia preparar o terreno para o futuro levante do proletariado, compreensão política que a diferenciava tanto dos críticos da luta armada (PCB) quanto dos agrupamentos que tomavam a “guerra de guerrilhas” como substitutiva da mobilização operária e popular (Ação Libertadora Nacional, Movimento Revolucionário 8 de Outubro etc.).[7]

As diferenças políticas acerca da “tática” guerrilheira no interior da POLOP provocaram um expressivo racha em seu IV Congresso, realizado em 1967, fazendo com que mais da metade dos componentes da organização debandasse. Os que restaram se juntaram à Dissidência Leninista do Rio Grande do Sul (oriunda do PCB) – que tinha entre seus quadros Flávio Koutzii e Marco Aurélio Garcia –, formando assim o Partido Operário Comunista (POC). Em 1970, um racha do POC daria origem à Organização de Combate Marxista-Leninista – Política Operária (OCML – PO) que, apesar da proximidade semântica com a antiga sigla POLOP, “não poderia guardar senão alguns paralelos com a POLOP original”.[8] Já alguns membros que haviam participado do racha de 1967 (como Juarez Guimarães de Brito, Maria do Carmo Brito e Carlos Alberto de Freitas, que atuavam em Minas Gerais), após ganharem a adesão de ativistas da Guanabara e do Rio Grande do Sul, aproximaram-se de militantes de origem militar e constituíram uma organização que em 1968 assumiria o nome de Comando de Libertação Nacional (COLINA). Em São Paulo, alguns dos militantes que haviam permanecido na organização após a crise interna, estabeleceram relações com ativistas ligados ao ex-sargento Onofre Pinto e fundaram a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Em julho de 1969, a COLINA e a VPR se fundiram dando origem à Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares (VAR – Palmares). Portanto, pode-se dizer que, a partir da fragmentação de 1967, a POLOP original deixou de existir.

Apesar de seus principais esforços terem estado voltados para a conquista da direção do movimento dos trabalhadores brasileiros, a POLOP acabaria por se tornar conhecida, tanto na época de sua existência, quanto posteriormente, pelas interessantes e argutas interpretações acerca do capitalismo brasileiro, nas quais se afirmava peremptoriamente a sua natureza dependente, assim como o caráter irremediavelmente contra-revolucionário do conjunto das classes dominantes nativas. Relevantes aspectos destas interpretações mostrar-se-iam presentes em reflexões posteriores da esquerda, em especial nas produzidas por uma corrente “antietapista” e “antidualista” da intelectualidade, em grande parte já alocada, a partir de meados da década de 1960, no espaço universitário.[9]

Marcelo Badaró Mattos destacou, por exemplo, como no “Programa socialista para o Brasil”, documento político da organização elaborado em 1967, encontram-se diversos elementos “que se repetirão em textos produzidos por mais de uma década de análises preocupadas com as explicações do porquê da ditadura militar”:[10]

“Entre esses elementos, destaca-se a ideia da inexistência de contradições fundamentais entre a burguesia brasileira, de um lado, e o latifúndio e o imperialismo, de outro, como defendiam as análises colocadas nas propostas do PCB. Assim, naquele documento, caracteriza-se que “o capitalismo industrial no Brasil surgiu vinculado à acumulação feita no latifúndio exportador e nunca se desprendeu disso completamente” […].

Daí que termos que ali apareciam [no documento] de forma difusa ganhassem contornos conceituais em análises posteriores, como era o caso da ideia de um desenvolvimento “tardio” do sistema capitalista brasileiro, ou da avaliação de que as altas taxas de exploração da força de trabalho no campo serviram de fonte de acumulação para o capitalismo industrial, que, por outro lado, passava a se ver limitado pelas dimensões diminutas do mercado interno e as baixas taxas de produtividade agrícola.[11]

Com efeito, existem muitas semelhanças existentes entre as concepções polopistas e as das organizações trotskistas como a LCI, o PSR e o POR, sobretudo no que concerne à interpretação do capitalismo brasileiro.[12] Decerto, isto se explica pela nítida influência teórica que Trotsky exerceu não só nas “suas” seções brasileiras, mas também nas organizações de cunho mais propriamente centrista, como acreditamos ser o caso da trotskizante POLOP.[13] Acerca dessa proximidade entre as elaborações provenientes das organizações de esquerda (em especial as da POLOP) e aquelas que seriam produzidas nos ambientes universitários, afirmou Mattos:

“Nas suas múltiplas interpretações, a ideia de um desenvolvimento capitalista dependente – em que latifúndio e indústria surgiam imbricados e a burguesia havia optado pela associação com os monopólios imperialistas – embalou as críticas ao reformismo pecebista e às teses dualistas sobre o subdesenvolvimento brasileiro, nos textos programáticos de muitos dos agrupamentos de esquerda surgidos entre fins dos anos 60 e início da década de 1970, bem como nas diversas análises acadêmicas sobre o tema do “populismo” no Brasil, o golpe de 1964 e as políticas econômicas anteriores e posteriores à instalação da ditadura.

Assim, se a POLOP não resistiu, como organização, aos debates radicalizados da agitada conjuntura posterior ao golpe de 1964, muitos dos elementos centrais de suas análises e propostas persistiram, influenciando os debates posteriores.”[14]

Os vínculos entre a produção polopista e a bibliografia acadêmica “antidualista” e “etapista” podem ser explicados por meio das relações que certos membros da intelectualidade brasileira estabeleceram com a POLOP. As participações “orgânicas” de alguns destacados pensadores universitários dos anos 60/70 na POLOP são, até certo ponto, bem conhecidas do público interessado na temática do pensamento de esquerda no Brasil. Não se constitui em grande novidade, por exemplo, o fato de que os “teóricos da dependência” Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra e Theotônio dos Santos, assim como o brilhante cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, os irmãos Emir e Éder Sader, e o filósofo Michael Löwy, compuseram as fileiras da organização e intervieram intensamente nos debates do movimento operário da década de 1960.[15] Muitas vezes, foram esses próprios intelectuais – que nas décadas seguintes ganhariam um significativo prestígio universitário à escala latino-americana – os formuladores das já mencionadas análises da POLOP sobre o caráter altamente contraditório e dependente do capitalismo brasileiro.


[1] Uma organização de inspiração luxemburguista fundada por H. Sacchetta após sua ruptura organizativo-política com o trotskismo, e que tinha entre seus militantes Michael Löwy e os irmãos Emir e Eder Sader.

[2] As informações sobre a POLOP foram extraídas de MATTOS, Marcelo Badaró. “Em busca da revolução socialista: a trajetória da POLOP (1961-1967)” in REIS FILHO, Daniel Aarão e RIDENTI, Marcelo (orgs.) História do marxismo no Brasil, volume V (partidos e organizações dos anos 20 aos 60). Campinas, SP: Unicamp, 2002, p. 185-212. Recentemente, o arguto historiador baiano Eurelino Coelho vem se dedicando ao estudo da POLOP, o que certamente renderá bons frutos para os interessados no tema.

[3] Nossa utilização do termo centrista para definir um tipo histórico de partido pertencente ao movimento operário baseia-se, em grande parte, nas considerações feitas pelo próprio Trotsky. Tomando como exemplo principalmente o caso do Partido Obrero Unificado Marxista (POUM), agrupamento espanhol constituído por uma fusão de trotskistas (opositores de esquerda ao estalinismo) e de bukharinistas (opositores de “direita” ao estalinismo) que participou ativamente da revolução espanhola, Trotsky avaliou que os partidos (por ele chamados de) centristas continham em seu interior tanto elementos revolucionários como outros claramente reformistas e oportunistas, e, dependendo da conjuntura histórica e dos grupos que momentaneamente os hegemonizassem, estes partidos viam-se aptos a girar ora “à esquerda”, ora “à direita” (ver, entre outras obras, TROTSKY, León. La revolución española. S.l: El puente editorial, s.d.). No linguajar do movimento operário, em especial o dos anos 60, os partidos desse tipo eram também chamados de trotskizantes.

[4] Segundo Marcelo Badaró Mattos, “a POLOP foi uma das organizações que mais claramente avaliaram a iminência de um golpe de Estado, na conjuntura dos meses finais do governo Goulart” (MATTOS, Marcelo Badaró. “Em busca da revolução socialista…” Op.cit., p. 205.).

[5] O foco guerrilheiro criado em 1966 na região do Caparaó, divisa dos estados de Minas Gerais (MG) e Espírito Santo (ES), foi organizado pelo MNR (que obteve apoio financeiro de Cuba para tal empreitada) e teve entre seus integrantes militares expulsos das Forças Armadas depois do Golpe de 1964. Em 1967, a “Guerrilha do Caparaó” seria facilmente desbaratada pela repressão estatal.

[6] MATTOS, Marcelo Badaró. “Em busca da revolução socialista…”. Op. cit., p. 198-201.

[7] Quanto a isso, ver, entre outros trabalhos, GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas; a esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Ática, 1987 e RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: UNESP, 1993.

[8] MATTOS, Marcelo Badaró. “Em busca da revolução socialista…”. Op. cit., p. 186.

[9] Quanto a isso, ver DEMIER, Felipe. O longo bonapartismo brasileiro (1930-1964): autonomização relativa do Estado, populismo, historiografia e movimento operário. (tese de doutoramento em História). Niterói: PPGH/UFF, 2008 (a tese pode ser consultada em http://www.historia.uff.br/stricto/td/1389.pdf). Ver, especialmente, a “Introdução à segunda parte (Trotskismo, movimento operário e universidade)”.

[10] Idem, p. 206.

[11] Idem, p. 206-207.

[12] Ver DEMIER, Felipe. “Um pouco sobre nossos antepassados: a tradição trotskista no Brasil”, publicado recentemente neste blog (CONVERGÊNCIA) em três partes.

[13] Nas referências teóricas da POLOP, como vimos, o nome de Trotsky figurava ao lado de outros não identificados com a crítica de esquerda ao estalinismo, como Bukharin, representante da “direita” comunista na década de 1930. Indubitavelmente, contudo, foi a influência trotskista a que mais contribuiu para que a organização tenha interpretado o capitalismo brasileiro como um elemento indissociável e dependente do sistema capitalista internacional. Do mesmo modo, Trotsky está também na raiz das inclementes críticas da POLOP à linha política “etapista” do PCB para a revolução no Brasil, que levava os estalinistas, quase que supra-conjunturalmente, a buscar alianças com os setores supostamente “progressistas” da burguesia do país.

[14] MATTOS, Marcelo Badaró. “Em busca da revolução socialista…”. Op. cit., p. 208.

[15] Os quatro últimos teóricos citados haviam militado anteriormente na LSI.

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