A corrupção e sua contraditória dinâmica de fortalecimento da democracia liberal no Brasil: um breve comentário

Felipe Demier

Por um lado, somos diariamente bombardeados pela imprensa e seus comentaristas políticos vulgares com uma litania sobre a necessidade de se respeitar e fortalecer as instituições republicanas e consolidar a democracia (liberal) no Brasil. Esse discurso é um dos principais difusores da ideologia liberal-institucionalista atual, a qual, a partir de um viés extremamente totalitário e excludente, afirma que não há política fora daquela que é realizada nos marcos da democracia-liberal e de suas instituições. Todavia, pari passu a esse discurso glorificador das instituições do regime, difunde-se, a partir da enxurrada de comentários que associam políticos de todos os matizes a práticas ilícitas, a ideia de que essas próprias instituições (com destaque para o Parlamento e o Executivo) são locus de corrupção e que, portanto, a política que se faz no interior destas é igualmente corrupta. Assim, de algum modo, a ideologia dominante, ao mesmo tempo em que, por um lado, cultua as instituições do regime, sub-repticiamente difunde, por outro, a tese de que essas mesmas instituições são corruptas e que, portanto, o próprio regime é corrupto e envilecido.

Nesse sentido, temos um discurso ambíguo (ou bi-facetado) por parte da própria ideologia dominante. Contudo, essa ambiguidade encerra uma funcionalidade vital no que diz respeito à sobrevivência do regime, dado o mecanismo circular e tautológico engendrado por ela. De um lado, busca-se limitar os horizontes da política às instituições liberal-democráticas, o que leva, de certo modo, a um fortalecimento do próprio regime democrático-liberal. De outro, ao fazer ecoar a forma corrupta como estas instituições operam – e, portanto, como o próprio regime opera – a ideologia dominante produz, ela mesma, uma desqualificação do regime vigente, já que este é apontado, nesta outra faceta discursiva (que é muito mais velada e difusa), como algo vertebrado por roubalheiras e coisas do tipo.

Porém, por intermédio da primeira faceta discursiva por meio da qual as práticas políticas são reduzidas às atividades que respeitam e galvanizam as instituições do regime (e de que não há política fora delas, isto é, não há política “extraparlamentar”), a ideologia dominante faz com que qualquer indignação contra o regime e suas instituições seja ou automaticamente canalizada para dentro do próprio regime (através de políticas-sonhos que, paradoxalmente, buscam livrar as instituições republicanas do que é a sua própria essência, a corrupção), ou seja conduzida a um beco sem saída, isto é, a uma saída “apolítica”, passiva: afinal de contas, se as instituições são corruptas, mas se não há política fora ou contra elas, simplesmente não existe nada a ser feito, a não ser mais e mais corrupção. Desse modo, o que temos é um discurso funcionalmente contraditório por parte da ideologia dominante no qual, ao mesmo tempo em que nos mostra como o regime democrático-liberal brasileiro é vergonhoso e imoral, desqualificando-o, acaba, por fim, em função da afirmação de que não há política fora ou contra ele (e, consequentemente, de que não há política que não seja vergonhosa e imoral), fortalecendo-o e qualificando como a única forma possível de organização política da sociedade.