Demian Melo
Baiano de Itabuna, o professor Carlos Nelson Coutinho foi um dos mais influentes intelectuais da esquerda brasileira. Suas teses são um ponto de referência no debate estratégico dos socialistas e seu artigo “A democracia como valor universal”, de 1979, é uma parada obrigatória. Seja para concordar, tecer críticas ou discordar completamente, sua obra é incontornável.
“Carlito”, como carinhosamente era conhecido por alunos e amigos, não foi só um importante intérprete da obra de Gramsci, como é mais conhecido. Antes de tudo fez parte de uma brilhante geração de intelectuais que atuavam no velho Partidão, como Leandro Konder, José Paulo Netto entre outros, que buscou travar um combate pela renovação dos quadros conceituais dos marxistas no Brasil, polemizando com a ortodoxia stalinista reinante nas hostes de sua então agremiação.
Antes de Gramsci, Lukács aterrissou em nossas praias pela lavra desta geração de que Carlos Nelson fez parte. Nessa trincheira da luta cultural, os aportes lukacsianos iluminaram a sua pioneira interpretação do caminho brasileiro pelo qual ocorreu a objetivação do capitalismo, lançando mão do conceito de “via prussiana”, em seu trabalho “O significado de Lima Barreto na Literatura brasileira”.[1]Assim, em vez de compactuar com um esquema reinante por décadas no PCB, segundo o qual no Brasil existiam “restos de feudalismo” que “impediam o capitalismo” em nosso país, Coutinho buscou identificar a historicidade própria do capitalismo brasileiro, cujo processo operou-se “mediante conciliações entre o novo e o velho, ou seja, tendo-se em conta o plano imediatamente político, mediante um reformismo ‘pelo alto’ que exclui inteiramente a participação popular”. Assim, ganha pleno sentido a história de um país onde a emancipação política foi feita pelas mãos do príncipe herdeiro do trono português, e cujo momento decisivo de sua “revolução burguesa”, em 1930, efetivou-se sob a proclamação sintomática: “Façamos a revolução antes que o povo a faça!”
Além de sua contribuição original, Carlos Nelson Coutinho exerceu importante atividade como tradutor e divulgador de importante literatura marxista, não só de seus diletos autores Györg Lukács e Antonio Gramsci, mas também de obras de referência como a coleçãoHistória do Marxismo coordenada por Eric Hobsbawm. Em relação a Gramsci, organizou as duas edições existentes no Brasil dos escritos carcerários, além de obras de interpretação do sentido da obra do marxista sardo, ponto alvo de importantes polêmicas no interior da tribo dos gramscianos. Nos últimos anos, à frente da editora da UFRJ, animou a publicação de livros de importantes teóricos marxistas contemporâneos, como Domenico Losurdo, Jacques Texier, Guido Ligori, além de escritos inéditos clássicos de Lukács, os Cadernos filosóficos de Lenin e os Grundrisse de Marx.
Lamento profundamente essa enorme perda para o pensamento crítico contemporâneo. Mas tenho a certeza que, felizmente, a tradição de debate crítico e aberto de ideias no seio do marxismo, cultivada por Coutinho, continuará viva. Será a melhor forma de homenageá-lo.
[1] COUTINHO, C. N. “O significado de Lima Barreto na literatura brasileira.” In. VVAA. Realismo & Anti-realismo na literatura brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974, p.1-56. Embora a noção de “via prussiana” esteja presente em Lenin no seu Programa agrário da revolução russa, de 1907, foi Lukács em seu controverso livro A destruição da razão (1953) que transformou o insight em um conceito.
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