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BRASIL

Quem tem medo da maconha?

Rio de Janeiro – Ato em defesa da regulamentação do uso medicinal da maconha, no centro do Rio (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Por: Ítalo Coelho de Alencar, estudante de Direito impetrante do Habeas Corpus e membro da Marcha da Maconha Fortaleza

Neste dia 15 de setembro foi publicada decisão judicial que autorizou um paciente tetraplégico a plantar Maconha em sua residência, em Fortaleza, Estado do Ceará, para tratar de suas dores neuropáticas e espasmos, confirmando, assim, a liminar deferida em 5 de junho deste ano. Este foi o primeiro caso em que um adulto obteve salvo-conduto para plantar para si. A repercussão foi enorme e, na maioria dos casos, bastante positiva. Todavia, não tardou para que aqueles que defendem a utopia ingênua, mas reacionária, de “um mundo sem Drogas” se manifestassem.

No dia seguinte à notícia, veiculada em vários jornais online e impressos, veio de um programa policial de TV o primeiro ataque. O apresentador do Rota 22 decidiu dar pitaco sobre um assunto o qual não tem conhecimento. Para tal, buscou apoio de sua companheira do movimento Brasil Sem Drogas, e membro da Comissão de Política de Drogas da OAB-CE (dizendo ser a porta-voz desta entidade), mantendo diálogo por telefone, ao vivo. Os absurdos começaram no primeiro minuto, uma vez que o apresentador afirmou que “No Brasil, ninguém, absolutamente ninguém tem autorização da Justiça para plantar maconha” (SIC). Errado! Como já fora dito, este é o primeiro caso de um adulto que obteve o salvo-conduto para plantar maconha para uso próprio e fins medicinais, mas felizmente outras famílias, tanto pais que pleitearam em favor de seus filhos e como outros adultos, além de uma Associação (ABRACE – João Pessoa/PB) têm a mesma autorização. Infelizmente, foi apenas o começo do repertório de impropérios.

Ao passar a palavra à convidada, esta conseguiu mostrar que sequer se deu ao trabalho de ler a matéria do jornal, quanto mais os autos do processo ou apenas a sentença. Afirmou: “…acho que não passou (SIC) pela ANVISA, pelo Ministério Público e isso a gente tem que rever”. Apresentador e convidada foram unânimes ao afirmar que esta autorização abre um precedente “gravíssimo e perigoso para a nossa sociedade”, uma vez que abriria a possibilidade de várias pessoas fazerem o mesmo e plantarem esta planta em suas casas, inclusive para fins recreativos. Convém lembrar que o código de Ética da OAB, em seu artigo 43, trata sobre os cuidados ao opinar acerca de trabalho de outros colegas em programas televisivos, o que não foi observado neste caso.

Seria irônico, se não fosse realmente trágico, se este bate-papo não estivesse ocorrendo em um programa de TV que lucra ao promover apologia à violência, miséria e assassinatos, que eles se apressam a associar ao tráfico de drogas na maioria dos casos. Ora, sabe-se que o auto-cultivo de maconha é uma arma bastante interessante para evitar este comércio ilícito, mas ambos esquecem de forma pertinente. Ao falar da Maconha, em si, a ignorância dá a tônica. A advogada em questão afirma que “O Canadibiol (SIC) tem 432 substâncias. Dessas, realmente pode ter uma que – ainda não é comprovado – pode ser medicinal”. Percebe-se que, mostrando total desconhecimento, a convidada deve ter se referido aos Canabinóides, substâncias encontradas na Cannabis, as quais já existem diversas comprovações científicas em uso terapêutico para doenças como asma, epilepsia, Parkinson, dores e um longo etc. Também afirmaram, pasmem, não ser possível o uso medicinal neste caso, visto que “por ser plantada, não é gota, nem cápsula”.

Insistiram que é necessária a revisão do caso, já que, segundo eles, é preciso averiguar se é mesmo para o uso terapêutico e não recreativo. Se tivessem lido o processo e analisado todos os documentos comprobatórios, ambos poderiam ter visto que, por ser Habeas Corpus, é obrigatória a manifestação das autoridades arroladas como coatoras (neste caso, os comandantes da Polícias Civil, Militar e Federal), além de necessariamente ter a atuação do Ministério Público. E, felizmente, neste caso, todas estas autoridades se basearam nas diversas provas juntadas aos autos, como prescrições médicas de diversos especialistas, fotografias, entre outras. e foram unânimes no sentido de cumprir a decisão judicial.

Por fim, mas não menos grave, voltaram os ataques a este que vos fala, no intuito de deslegitimar a ação, visto que por ser “um absurdo um organizador da Marcha da Maconha compor esta ação”, “qual interesse teria?”. Neste sentido, convém lembrar que a ação Habeas Corpus pode ser impetrada por qualquer do povo, até mesmo em nome próprio. Neste caso, por uma feliz coincidência da vida, fui procurado pelo paciente e sua advogada, visto que esta não tinha conhecimento acerca do tema. Como militante social há mais de uma década e ativista da Legalização da Maconha há, pelo menos, cinco anos, fui convidado a participar dos estudos prévios à impetração do citado Habeas Corpus e, consequentemente, a figurar na qualidade de estagiário e estudante de Direito. Vale ressaltar que os demais advogados da causa também são ativistas da Marcha da Maconha no Rio de Janeiro e são os representantes legais de outros casos de Habeas Corpus, para fins de uso medicinal, já concedidos naquele Estado.

Como estudante de direito, pesquisador do tema e ativista pró-legalização, foi com grande prazer que decidi atuar neste caso, inclusive, tento acompanhado a evolução do paciente junto aos seus médicos e terapeutas, visto que a guerra às drogas se mostrou inútil no intuito de reduzir o consumo, mas seus danos sociais, como aumento da violência, encarceramento, só nos trouxe prejuízo enquanto sociedade, incluindo a quem não usa drogas. Esta guerra só tem trazido benefícios a quem lucra diretamente com o comércio ilícito, ou indiretamente, como aqueles que, como abutres, reportam o sofrimento alheio no horário das refeições das famílias em programas de televisão, ajudando a aumentar o medo, ignorância e desinformação.

Pelo fim desta guerra, pelo respeito e acesso aos direitos fundamentais (constitucionais) como vida, liberdade de expressão, saúde e dignidade humana, é com a consciência tranquila que lutamos dia a dia pela Legalização da Maconha, um remédio muito eficaz que pode ser cultivado em casa – para o desespero da indústria farmacêutica! Seguiremos em Marcha!

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil