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Resolução política Mundial do Encontro Internacional do MAIS (Brasil) e MAS (Portugal)

Da Redação

Nos dias 1 e 2 de agosto de 2017 foi realizado, em São Paulo, o Encontro Internacional entre o MAIS (Brasil) e o MAS (Portugal). Além de representantes das duas organizações, participaram  como convidados representantes de outras organizações internacionais e nacionais. Estiveram no Encontro companheiros do Socialist Party (SP); seção da Inglaterra/País de Gales do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT); da International Socialist Organization (ISO), dos EUA; do Nuevo MAS, da Argentina (corrente internacional Socialismo ou Barbárie- SOB), do Opinião Socialista, da Argentina e, por fim, do Coletivo Militante, do Uruguai. Do Brasil, participaram a Nova Organização Socialista (NOS); a Liberdade, Socialismo e Revolução (LSR/CIT) e o Movimento na Luta pelo Socialismo (MLPS).

O Encontro discutiu a situação política internacional, a situação da Venezuela e, por fim, os passos a serem dados tendo em vista a construção de um projeto internacional a partir do polo MAIS-MAS. A seguir, publicamos a Resolução Política Internacional aprovada no Encontro.

RESOLUÇÃO POLÍTICA MUNDIAL

UM PERÍODO DE INSTABILIDADE MARCADO PELA CRISE ECONÔMICA, CHOQUES GEOPOLÍTICOS, OFENSIVA IMPERIALISTA E A RESISTÊNCIA DE MASSAS

1. A restauração do capitalismo na Rússia, Leste Europeu, China e Vietnam, aplainou caminho para uma poderosa ofensiva do capitalismo, já iniciada antes, sob a liderança de Reagan e Tatcher. O imperialismo conquistou posições no terreno político, económico e militar. Mas também avançou sobre a consciência dos trabalhadores e as suas organizações, empurrando as forças socialistas e as organizações dos trabalhadores – cujas direções não estiveram à altura – para posições muito defensivas. Avançou a ideologia do fim da história, do capitalismo como único sistema socioeconômico viável. Afirmou-se o projeto de um mundo “unipolar” comandado pelo imperialismo norte-americano, secundado pelos sócios europeus e japonês.

2. O final do século XX e a os primeiros anos do novo milênio já pressagiavam novos tempos. As crises econômicas regionais que pontuaram o final dos anos 90 e que desaguaram na explosão da bolha da internet, já assinalavam um ponto de inversão da etapa aberta nos anos 90, marcada pela hegemonia incontestável norte-americana e expansão do imperialismo. Ao mesmo tempo, uma renovação do movimento de massas anunciada pelo movimento antiglobalização e uma retomada geral das lutas, culminou em processos revolucionários na América Latina e numa resistência à ofensiva militar no Médio Oriente que marcaram os primeiros anos do século XXI. Com a derrota da ocupação imperialista no Iraque e Afeganistão em 2005, e a última crise capitalista, após 2007-08, um novo momento foi aberto.

3. Através de uma injeção massiva de dinheiro público no coração da economia capitalista, um crash global, semelhante ao ocorrido em 1929, foi evitado. A Reserva Federal Norte-Americana salvou o sistema financeiro e as grandes multinacionais, com somas massivas de dinheiro público. O Governo Chinês colocou em marcha um plano de obras públicas de proporções gigantescas para garantir a aterragem suave da economia chinesa. O Banco Central Europeu continua, pelo menos até ao final de 2017, a injetar 60.000 milhões de euros por mês nos mercados financeiros. A queda vertical da economia mundial ganhou assim um paraquedas salvador.

Ainda assim, a crise não foi totalmente debelada: abriu-se um período de impasse econômico e crescimento anêmico nas principais economias, que ficou conhecido como a “Grande recessão” ou “Longa Depressão”. Passados quase dez anos da crise financeira global, a economia norte-americana vive hoje um ciclo de crescimento prolongado, mas de taxas modestas. As economias europeia e chinesa parecem seguir essa tendência, ainda que sem bases sólidas para progredir. No entanto, o novo e modesto ciclo de crescimento parece ancorar-se nas mesmas bases frágeis que levaram à crise anterior: financeirização da economia, sistemas bancários sem provisões sólidas, retorno de importantes bolhas especulativas à escala internacional e nacional. Não foram introduzidas mudanças tecnológicas, na divisão internacional do trabalho ou investimentos avultados que possam inaugurar um novo ciclo de expansão sustentado. É o FMI quem alerta para o aumento os conflitos entre os estados, a contração do comércio mundial e a ausência de um plano de médio prazo por parte das principais lideranças imperialistas, nomeadamente a Casa Branca, como ameaças sobre a economia global. Tudo indica que, para além de um pico ascendente conjuntural, as profundezas da economia capitalista mantêm todas as contradições que levaram a crise anterior, prometendo assim lançar mais lenha na fogueira da luta de classes.

4. A combinação entre a profunda crise capitalista global – a primeira desde a restauração capitalista no Leste –, assim como a resposta da classe trabalhadora e do movimento de massas, abriu a possibilidade de reverter a etapa defensiva aberta no início dos anos 90. A brutal ofensiva do imperialismo para fazer os trabalhadores e os povos pagarem pela crise inaugurou um período de lutas, revoltas e processos revolucionários. A Primavera Árabe, o ascenso de lutas dos trabalhadores europeus, os movimentos de “Indignados” e Occuppy, as jornadas de luta de 2013 no Brasil e na Turquia foram algumas das expressões mais agudas da resposta das massas.

Assim, em várias regiões do globo, a possibilidade de conseguir vitórias estratégicas e inverter a correlação de forças foi real. Em alguns momentos e regiões, como no Norte-de-África, a questão de quem governa – a questão do poder – chegou a estar objetivamente colocada. As mobilizações massivas em vários países europeus e as numerosas greves gerais – na Grécia, no Estado Espanhol, em Portugal, e mais recentemente em França – colocaram a possibilidade de travar os planos de austeridade. O ascenso eleitoral de uma nova esquerda anti-austeridade, na Europa e não só, com o sucesso do Podemos, Bloco de Esquerda e, sobretudo, do Syriza, abriram a perspetiva de uma saída progressiva da crise do euro e da UE.

5. Porém, nenhum destes conflitos estratégicos se resolveu de forma favorável aos trabalhadores. É certo que para isso pesaram as limitações herdadas do retrocesso pós-leste: pouco protagonismo da classe trabalhadora organizada, retrocesso na consciência e falta de um horizonte socialista, mesmo ao nível da vanguarda. Mas a verdade é que a força progressiva das mobilizações e a radicalização não foram aproveitadas pelas lideranças e organizações que dirigiram estes processos.

As principais direções sindicais não impulsionam a unificação e a radicalização das lutas para derrotar aos planos de ajuste, levando à divisão e degaste dos trabalhadores. As forças de esquerda, muitas delas que, apoiadas nesta onda de lutas, multiplicaram os seus resultados eleitorais e representação institucional, também não foram capazes de apontar um caminho de ruptura sequer com os planos de austeridade. O exemplo maior é o governo Syriza, na Grécia. Assim como a sua vitória eleitoral abriu uma perspetiva de ruptura com a ditadura financeira da UE e do euro, que entusiasmou os trabalhadores de toda a Europa, a sua capitulação aplainou o caminho para o atual momento defensivo.

O programa “mínimo”, de superação dos planos de austeridade nos marcos do capitalismo e da UE, falhou. Precisamente porque ele termina nos limites da propriedade privada e impede as medidas básicas para uma superação da crise favorável aos trabalhadores: nacionalização da banca, controle de capitais, não pagamento da dívida etc. A maioria da vanguarda ainda não tirou as devidas conclusões, e a maioria da esquerda europeia abre caminho à novas desilusões, alimentando esperanças em alianças com a social-democracia, seguindo o modelo da “Geringonça” portuguesa.

O impasse da economia capitalista gera um aumento dos conflitos geopolíticos

6. A incapacidade do imperialismo para reverter de forma sustentada a crise econômica de 2007-2008 levou a que se abrisse todo um período de instabilidade política, polarização social e tensões geopolíticas crescentes. Estamos ante uma nova realidade. A Ordem Mundial de Estados, herdada da Segunda Guerra Mundial e, em particular, do final da Guerra Fria e da restauração capitalista, mostra-se incapaz de responder às necessidades do capital. O esgotamento da ordem tendencialmente unipolar, baseada no domínio norte-americano secundado pela União Europeia e Japão, torna-se patente. Novos e velhos atores procuram ganhar espaço entre as brechas abertas pela crise.

A China, apoiada em duas décadas de acumulação de excedentes e numa reserva de mão de obra quase infindável, disputa cada vez mais abertamente o domínio comercial, militar e político, sobre o sul do Pacífico, o Índico, assim como em partes da África – o seu peso financeiro estende-se até aos elos mais fracos da economia europeia, como Grécia ou Portugal.

A Rússia, sem o peso econômico e comercial da China, apoia-se na sua localização geoestratégica, no seu poderio militar herdado do período anterior e no controlo que detém sobre importantes recursos energéticos. O plano de Putin é restaurar o controlo regional que em tudo recorda o dos Czares.

A Alemanha dá sinais de se arvorar a uma autonomia maior face à Casa Branca, sobretudo desde que esta foi ocupada por Trump, embora já viesse de uma série de guerras comerciais com a administração Obama. As restantes potências europeias, Grã-Bretanha e França, oscilam entre uma reação nacional-imperialista e uma contemporização europeísta, face ao reforço do poder Alemão. Há poucos anos atrás, era a resistência dos trabalhadores do sul da Europa que punha em causa a estabilidade da UE. Hoje são as contradições entre os principais estados e as suas burguesias que o fazem.

No Médio-Oriente, as tensões entre Irão, Arábia Saudita e Turquia, expressam, por um lado, o surgimento de novos atores que procuram ganhar influência regional, mas também a disputa, por procuração, entre Estados-Unidos, União Europeia e Rússia. A par disto, avança uma ofensiva para subjugar ainda mais os países e continentes semi-coloniais, desde o Sul e Leste da Europa à América Latina, passando por África. Na América latina é evidente a ofensiva do imperialismo para reduzir a um patamar de subjugação absoluta os países que no período anterior, apoiados no crescimento da exportação de comodotties, ensaiaram algumas políticas desenvolvimentos, ou seja, onde a burguesia nacional procurou expandir a sua influência. O cenário de quase guerra civil na Venezuela demonstra como os sectores mais reacionários estão dispostos a todos os meios para correr com o nacionalismo burguês e impor governos de puro-sangue pró-imperialista.

O pano de fundo em termos geo-políticos deste acirrar dos conflitos entre os Estados é a decadência relativa do poderio Norte-Americano, cuja hegemonia vinha declinando há muito, mas que deu um salto com a derrota do projeto para “Um Novo Século Americano” nos campos de batalha do Iraque e do Afeganistão, impulsionado pela Administração Bush e pela crise de 2007-08, nascida em Wall Street.

7. Embora haja um esgotamento e crises ainda não está claro se vai abrir ou não uma nova ordem mundial entre os estados ou se assistiremos a uma remodelação da existente. As diversas burguesias nacionais lutam entre si e dividem-se internamente em frações, umas adeptas da intensificação da globalização neoliberal como saída para a crise, outras defensoras de saídas autárquicas, nacional-imperialistas. A situação política mundial e dos principais países oscila abruptamente, conforme os avanços de um ou outro sector.

Na arena mundial, Trump propôs-se a inaugurar um novo momento de ofensiva do projeto nacional-imperialista de domínio norte-americano. A China, por sua vez, relocalizou-se, como a nova paladina da globalização e da expansão do comércio, convertendo-se ao “capitalismo verde” dos acordos de Paris. A Alemanha de Merkel faz coro com a China, contra Trump e Teresa May, identificados com soluções mais autárquicas – e, nessa perspetiva, prepara um novo ciclo de integração europeia, no terreno financeiro, social e militar. Contra a solução “Trumpista” encarnada em Marine Le-Pen, que tenta também a direita tradicional, em França foi concebido o governo Macron, como a encarnação total do chamado “extremo-centro”.

8. O novo momento de conflitos geopolíticos e disputas na ordem mundial de estados é a expressão, no topo da superestrutura mundial, das turbulências econômicas mais profundas. Ao contrário do que anunciavam os mais diversos profetas, a globalização não podia superar a contradição entre a expansão sem fronteiras da economia moderna e o caráter nacional dos estados e suas classes dominantes. Pelo contrário, no momento da sua decadência, esta expansão capitalista sem precedentes, acirra esta contradição entre o caráter internacional das forças produtivas e as fronteiras nacionais, a mesma que esteve na origem das maiores catástrofes militares do século XX. Aparentemente, o século XXI não se libertou desse perigo. Para parte das burguesias nacionais, inclusive imperialistas, a abertura global dos mercados e a circulação sem limites do capital, já não é proveitosa. É isso que gera as tendências nacionalistas e nacional-imperialistas, que procuram acordos comerciais e arranjos militares por iniciativa e interesse próprio, por fora dos grandes acordos entre potências. Para outro sector, pelo contrário, é necessário aprofundar internacionalização de capitais, a desregulamentação e reforçar os grandes acordos internacionais que abrem esta possibilidade: a UE, os Acordos da Paris, o CETA, etc. Por sua vez, todos se reforçam militarmente. Além das tensões que permanecem na Ucrânia e na Síria, há uma “guerra fria” no Mar do Sul da China e na península da Coréia, nesta última envolvendo o perigo nuclear.

9. Os rearranjos e as tensões nas classes dominantes expressam a disputa por um projeto, uma direção e uma hierarquia de parcerias imperialistas que consiga dar uma resposta ao longo impasse econômico. Os de cima não conseguem governar como antes, mas não têm acordo sobre a nova forma de fazê-lo. Esta afirmação é, no entanto, relativa. O capitalismo não pode prosseguir um modelo de acumulação minimamente estável sem uma ofensiva furiosa sobre os trabalhadores e os povos. Uma nova ofensiva econômica sobre a classe trabalhadora está em marcha, ao mesmo tempo em que um ataque à soberania de nações inteiras. Sobre isto não há divergências entre as diversas alas do imperialismo. Este ataque reveste-se de uma ofensiva cada vez mais dura sobre os sectores oprimidos, mulheres, LGBT’s, negros e imigrantes. A ofensiva sobre o meio-ambiente também é parte dos planos de todos os sectores imperialistas, independentemente da posição que tenham sobre tratados como os acordos de Paris. Sem esmagar os direitos laborais e democráticos dos trabalhadores e dos povos, sem um avanço predatório sobre o planeta, o capitalismo não pode recuperar o ponto de equilíbrio perdido. Se alguma das frações imperialistas em disputa conseguir unificar as principais potências sob um plano e uma liderança sólida, o ataque já hoje em curso irá tornar-se ainda mais intenso. Pelo que é essencial para a classe trabalhadora e os revolucionários trabalharem para aproveitar a divisão entre os de cima no sentido de conquistar posições para os de baixo.

Uma nova situação defensiva

10. Passado o período de maior ascenso entre os anos de 2011 e 2014, já o ano de 2016 que culminou com a eleição de Trump, foi marcado pelo reforço das tendências mais reacionárias da situação mundial, em particular pelo reforço dos sectores defensores de saídas mais autoritárias, xenófobas e nacionalistas. Uma série de acontecimentos políticos marcou essa tendência: o Brexit, ainda que contraditório na base foi capitaneado pela extrema-direita e apoiou-se no crescimento do nacionalismo e da xenofobia; o reforço das medidas xenófobas e securitárias dos principais governos europeus, como resposta à onda de atentados terroristas e à crise dos refugiados; o reforço eleitoral e político da extrema-direita europeia; o esmagamento de Allepo pelo Governo Sírio, apoiado direto e abertamente pela Rússia; o impeachmet de Dilma no Brasil e a ofensiva sobre os direitos trabalhadores no Brasil e Argentina; a retomada da ofensiva contra-revolucionária na Venezuela após a vitória da oposição de direita nas legislativas no final de 2015; o golpe e o contragolpe na Turquia, levando à bonapartização total do regime turco.

Assim, todos os principais acontecimentos políticos tencionaram as relações entre os estados para a direita, reforçaram as tendências xenófobas e nacionalistas. Em países como os EUA ou o Reino Unido, a direita mais conservadora e xenófoba conseguiu mobilizar eleitoralmente os sectores médios e a aristocracia operária descontente para programas reacionários e nacionalistas. No Brasil e na Turquia os sectores mais conservadores conseguiram apoiar-se na mobilização de sectores de massas para operar variantes de golpes institucionais e impor uma correlação de forças mais desfavorável ao movimento de massas. Na Venezuela onde ainda hoje está em marcha uma operação do imperialismo para impor uma contrarrevolução.

Porém, a par destas tendências que marcaram o ano de 2016, elementos de sinal contrário já faziam-se sentir. A poderosa onde de greves que varreu a França na primavera de 2016 contra a reforma trabalhista; o reforço das alternativas eleitorais de esquerda, a radicalização de amplos sectores da juventude norte-americana em torno da campanha de Bernie Sanders, a par com as lutas contra a violência policial protagonizada pelo Black Lives Matters; a greve geral indiana, considerada como a maior da história, entre outros elementos, davam sinais de uma resistência crescente. Tornou-se evidente uma tendência à polarização social e política. Os principais acontecimentos de 2016 mostravam, entretanto, que entre os dois polos em disputa, era o mais reacionário quem se fortalecia. Não obstante, como se revelou de forma mais aberta logo no início de 2017, o tabuleiro de forças em luta é mais complexo e volátil. Os sinais de crescimento da resistência e das tendências à esquerda também teriam de ser tidos em conta.

Resistência das massas e reequilíbrio dos choques inter-burgueses

11. Se em 2016 a chegada de Trump à Casa Branca se mostrou como o ápice de uma viragem à direita na situação mundial, em 2017 uma nova conjuntura se abriu. A resistência de massas de que foi acompanhada anunciou que as reservas do movimento de massas estavam longe de estar esgotadas. Nos primeiros 100 dias de governo, Trump teve de se confrontar com três imponentes mobilizações. Um cenário inédito na política Norte-americana. No dia da sua tomada de posse, no dia internacional da mulher trabalhadora e quando da Marcha do Povo pelo Clima, as ruas dos EUA – e de vários países do mundo – encheram-se contra a ofensiva protagonizada pelo novo Presidente Norte-americano. As mobilizações do dia da tomada de posse, protagonizadas por mulheres e pela luta contra o machismo de Trump, em particular, foram consideradas entre as maiores manifestações de rua da história do EUA e compuseram um movimento internacional, que em vários países ou regiões se combinou com greves e paralisações. O fato de que o Partido Democrata e a oposição burguesa a Trump incentivaram e abriram espaço para a saída à rua de milhões de pessoas não pode nos fazer perder de vista que este foi um genuíno movimento de massas altamente progressivo. De resto, a combinação contraditória entre a resistência de massas e as articulações dos sectores tradicionais da burguesia, do chamado “extremo-centro”, marcou a situação política mundial em vários países nos últimos meses.

A verdade é que o reforço das tendências mais reacionárias e da ofensiva de diversos governos cada vez mais à direita despertou em vários países uma resistência nas ruas e nas urnas. Mobilizações e greves contra a austeridade e em defesa do Serviço Nacional de Saúde marcaram a situação no Reino Unido. Nos EUA, na sequência das mobilizações, surge uma nova vanguarda, que reforça os partidos de esquerda. Na Catalunha 300 mil pessoas saíram à rua em defesa dos refugiados e acirra-se o conflito com o Estado Espanhol, com um referendo pela independência marcado para Outubro. No Brasil, na Argentina e no Chile, a classe trabalhadora, através dos seus métodos e organizações tradicionais, mobilizou-se massivamente para resistir aos ataques. Nestes diversos processos de mobilizações, assistimos a um peso cada vez maior dos sectores oprimidos, em particular das mulheres, à medida que as bandeiras democráticas – contra o machismo, o racismo, a LGBTfobia ou pela autodeterminação. Em simultâneo, em vários processos, sobretudo como reação aos ataques econômicos de vários governos, a classe trabalhadora, com seus métodos e organizações, começa a postular-se como protagonista da resistência.

No terreno eleitoral, novas alternativas eleitorais de esquerda polarizam as eleições em países centrais como França e o Reino Unido, com Melenchon e Corbyn – em particular este último, com hipóteses de vencer umas eventuais novas eleições em breve. De distintas formas, o reforço destas e outras alternativas de esquerda – Bernie Sanders, Podemos, Bloco de Esquerda – expressa, de forma distorcida, a procura por um terceiro campo, que represente a classe trabalhadora e o movimento de massas contra os partidos tradicionais e contra as soluções nacionalistas e de extrema-direita. São, no entanto, as próprias direcções destes novos partidos de esquerda que, pelos limites de seus programas, tendem a atrasar esse processo, priveligiando uma política de colaboração de classes – que não invalida que expressem a viragem à esquerda de parte dos trabalhadores e da juventude. De toda forma, em vários países, está colocada a possibilidade de unir as diversas frentes da resistência, avançando na tarefa de transformá-la numa ofensiva dos trabalhadores e sectores oprimidos contra o aumento da exploração e da opressão.

12. Enquanto os debaixo começam a colocar-se em marcha, como que despertados pela audácia e agressividade dos sectores mais reacionários do capital, nas alturas também os equilíbrios se alteraram. Os governos mundiais, assim como das diferentes alas do imperialismo, coincidem com a necessidade de uma profunda ofensiva sobre os trabalhadores e os povos. Porém, degladiam-se sobre o projeto a aplicar. Se 2016 os setores nacional-imperialistas e mais a direita estiveram com a iniciativa, em 2017, os sectores tradicionais, os partidos de centro-esquerda e centro-direita dos países centrais, as cortes burocráticas de organizações como a UE e a ONU, o FMI e todo o “establishment” imperialista, entraram em ação para travar as forças centrifugas que se expressaram na eleição de Trump ou em acontecimentos como o Brexit. Por maior que seja o impasse a que chegou a atual ordem mundial e o modelo capitalista neoliberal, os sectores que o encabeçaram não estão dispostos a abdicar dele. Apressam-se a mudar algo, para que tudo fique na mesma.

Nas eleições francesas, com a invenção do candidato Macron, agora presidente francês, foi onde a agenda do “extremo-centro” se expressou mais abertamente. Contra a ameaça da extrema-direita e da polarização à esquerda, a burguesia abdica dos seus representantes tradicionais em prol de uma nova formação, com um perfil renovado, com o programa de aprofundar as políticas neoliberais e a globalização. Uma fuga em frente, que a Chanceler alemã também abraça. Isto sem que nem Macron nem Merkel excluam encostar-se à extrema-direita, apropriando-se da sua agenda islamofóbica, LGBTfóbica e securitária.

O ciclo de eleições consideradas perigosas – na Holanda, em França e no Reino Unido – já quase terminou, faltando as eleições Alemãs no final do ano. A frente constituída pelos principais sectores do capital europeu para travar a extrema-direita, combinado com a deslocação de sectores para a esquerda, reequilibrou temporariamente o espectro político europeu sem que a extrema-direita acedesse a nenhum governo. No entanto, se esta foi a marca dos últimos meses – o reforço relativo do centro político -, é bem provável que cedo se volte a expressar a polarização à esquerda e à direita, no terreno eleitoral, mas não só.

13. Nos EUA, a resistência do establishment a Trump não se fez esperar e marcou pontos importantes. As decisões do Supremo Tribunal Federal, os escândalos relacionados com a Rússia, a guerra aberta entre a Casa Branca e o FBI, assim como a crítica impiedosa da imprensa contra Trump, são sinais de um jogo de pressões para enquadrar o novo presidente dentro da política externa tradicional Norte-americana. Não é só o Partido Democrata que trabalha nesse sentido, mas, sobretudo, a ala tradicional do Partido Republicano. O cerco parece ter surtido efeito. O bombardeamento de uma base russa na Síria, ainda que limitado e simbólico, e o ataque de uma suposta base terrorista no Afeganistão, deram sinais de um retorno à política externa dos falcões norte-americanos.

A viagem feita pelo presidente norte-americana a vários países no final de Maio parece confirmar o regresso à orientação tradicional dos republicanos, implementada nos governos de George Bush. Trump recuou nas suas bravatas sobre o fim da NATO e assumiu no Médio-Oriente uma postura de proximidade face à Arábia Saudita, hostil ao eixo Irão-Hezbollah, abandonado a sua postura abstencionista face ao Médio-Oriente. O conflito entre a Arábia Saudita e o Qatar, iniciado pouco depois da visita de Trump pode ser o rastilho para o regresso de uma política de intervenção militar aberta no Médio-Oriente. Ao mesmo tempo, o anúncio do fim do acordo feito entre o EUA e Cuba e a escalada das tensões com a Coreia do Norte, assim como o distanciamento face a Putin, também anunciam um regresso ao alinhamento tradicional republicano.

14. A situação ainda é instável e as incertezas são muitas. Por um lado, Trump mantém-se fiel a parte da sua agenda original, como a oposição aos Acordos de Paris e outros tratados internacionais, assim como o apoio a um hard Brexit, agora mais difícil de acontecer. No entanto, ainda que possa acarretar alterações importantes nos cenários políticos internacional, uma eventual adaptação de Trump à política externa tradicional dos republicanos em nada significa uma desaceleração da ofensiva sobre os trabalhadores e os povos. Pelo contrário. O regresso das intervenções imperialistas em larga escala no Médio-Oriente pode voltar à ordem do dia. Também a ofensiva sobre os países Latino-Americanos e em particular a Venezuela e a sua direita golpista, tende a reforçar-se, como sinaliza o retrocesso face a Cuba. A grande incógnita, porém, mantém-se: trata-se das relações entre EUA e Rússia e, sobretudo, entre EUA e China. Este braço de ferro, sobretudo com a China, será decisivo para definir para onde transita a ordem mundial de estados, se para um cenário de algumas alterações importantes ou se para uma remodelação total, que só se pode dar através de uma acirrar dos conflitos indiretos e diretos, políticos, comerciais e militares, entre as principais potencias.

15. É, portanto, sobre este cenário de instabilidade e polarização social que os revolucionários terão de atuar. Trata-se de um momento de transição, onde importantes traços centrais da dominação imperialista das últimas épocas estão questionados e podem ser alterados. Os diferentes estados, principalmente as potencias mundiais e regionais, medem forças através de uma série de choques. No seio de cada burguesia nacional também se chocam distintos sectores, divididos sobre o caminho a seguir para recuperar as taxas de lucro. Ao mesmo tempo, vivemos sob uma forte ofensiva do capital e em que desponta uma resistência cada vez maior, protagonizada pela classe trabalhadora e os sectores oprimidos. A combinação destes elementos gera mudanças súbitas na situação política, guinadas à esquerda e à direita. À escala internacional e de cada país, a luta de classes desdobra-se numa série de situações e conjunturas particulares em que a correlação de forças entre as classes ora oscila para os trabalhadores, ora recupera-se do lado do capital. Os cenários de crise mais aguda – Brasil, Venezuela, mas também, à sua escala, EUA, Reino Unido e França – mostram-nos uma burguesia dividida. Quando a resistência dos trabalhadores se reforça, a luta contra os governos e os seus ataques marca o cenário político. Porém, outras vezes, duros enfrentamentos entre facões burguesas polarizam a vida nacional dos países, deixando os trabalhadores e o povo passivos, expectantes, sendo disputados pelas frações burguesas em luta.

Um programa de transição para passar da resistência à ofensiva

16. Neste cenário, o papel dos revolucionários é, em primeiro lugar, ajudar a colocar a classe trabalhadora em marcha, contra os governos e os seus ataques e contra todas as expressões da ofensiva imperialista, das oposições burguesas, dos sectores de extrema-direita e do imperialismo. Colocar o movimento de massas em marcha, com a classe trabalhadora à cabeça, para que seja protagonista da luta de classes de cada país é essencial. As táticas unitárias para a mobilização tornam-se, por isso, particularmente importantes, de forma a unir todos os sectores em luta. Combinar as lutas democráticas com a resistência contra os ataques econômicos e a retirada de direitos é também uma tarefa central, para unir todos os explorados e oprimidos contra a ofensiva imperialista.

17. A situação defensiva que vivemos, mas ao mesmo tempo os avanços da resistência dos trabalhadores, coloca em destaque a tática da frente única. É necessário exigir às principais direções dos trabalhadores e do movimento de massas em cada país que se unam para lutar contra os ataques do capital e levantar um programa dos trabalhadores. Levantar em cada país um poderoso bloco dos trabalhadores, independente dos vários blocos burgueses, pode ser decisivo – essa responsabilidade deve ser apontada às principais organizações de esquerda e sindicais.

18. A unidade de ação também ganha uma importância maior, ao serviço de potenciar as mobilizações de massas, colocando em ação a mais ampla unidade, ainda que pontual, inclusive com sectores burgueses, por reivindicações concretas. Unir os trabalhadores e os setores oprimidos contra os planos de ajuste, as contrarreformas neoliberais, a ameaça às conquistas democráticas e toda a tentativa de golpes e retrocessos é uma tarefa central no atual momento. O mesmo deve servir para o combate à xenofobia, ao machismo, à lgbtfobia, em defesa dos imigrantes, da natureza e do meio ambiente.

Eventos como as manifestações e greves por todo o mundo no dia da Mulher Trabalhadora ou a Greve Geral de 28 de Abril no Brasil, são demonstrações concretas do potencial da unidade de ação e da Frente Única. Se a batalha pela mobilização unitária dos trabalhadores começa no terreno nacional, ela pode e deve elevar-se ao terreno internacional. Grandes jornadas de luta internacional já mostraram o seu potencial e também as grandes cimeiras internacionais, como o G20, devem servir, cada vez mais, para ações de massas unitárias contra os ataques dos governos. Tal como o ascenso da extrema-direita, ainda que aparentemente refreado nos últimos meses, deve ser enfrentado com grandes mobilizações unitárias, com desdobramentos específicos no terreno das táticas. A par com os novos movimentos sociais, de oprimidos, ambientalistas e outros, as organizações tradicionais da classe trabalhadora, os sindicatos em particular, são o ponto de apoio particularmente importante para unir todos os explorados e oprimidos.

19. Os processos eleitorais tendem a expressar cada vez mais a polarização social e a instabilidade política, muitas vezes disputados entre alas burguesas que se opõem violentamente. Os trabalhadores precisam construir uma alternativa independente também neste terreno. Pelo que se torna essencial construir um terceiro campo, que se oponha às várias facões burguesas. Isto implica, necessariamente, trabalhar para acordos e frentes entre as várias organizações da esquerda radical. Se no seio do conjunto das forças de esquerda na maioria dos países, os revolucionários são muitas vezes minoritários, isso não significa abdicar da luta por um programa anticapitalista. Pelo contrário, a polarização social que se expressa em diversas eleições, abre espaço para que num processo eleitoral, um programa anti-capitalista que aponte uma perspectiva socialista possa alcançar auditórios amplos.

20. Unir, alargar e radicalizar a resistência dos trabalhadores e dos povos contra a ofensiva capitalista é hoje a tarefa central. Ao mesmo tempo, nas lutas ou nas eleições, é necessária, mais do que nunca, a defesa de um governo dos trabalhadores que una os explorados e oprimidos como uma alternativa aos governos burgueses “normais” e aos governos populistas de esquerda e de colaboração de classes. Em simultâneo, a atual crise dos acordos, tratados e uniões económicas e políticas construídas sob a base da globalização neoliberal como o Nafta, o Mercosul, a União Europeia, etc., colocam na ordem do dia o projeto de uma união livre das nações e povos. Só um programa socialista, independente de qualquer governo e partido burguês, por mais de esquerda, nacionalista ou populista que se apresente pode ajudar os trabalhadores a passar ofensiva e apontar no sentido da superação da ordem mundial imperialista decadente.

– Contra todos os planos de austeridade, privatizações e precarização dos direitos laborais em todo o mundo!

– Contra a ditadura das dívidas! Pela suspensão e auditoria do pagamento das dívidas ao imperialismo e seus bancos! Por uma frente dos países endividados, contra o saque imperialista!

– Contra os ataques dos governos aos direitos das mulheres e das trabalhadoras em particular! Contra o machismo e os femincídios!

– Contra a violência de estado sobre as populações negras! Contra as leis islamofóbicas!Em defesa do acolhimento dos refugiados: ninguém é ilegal! Contra a xenofobia, o racismo e a extrema-direita!

– Contra a LGBTfobia! Contra a violência e os assassinatos de LGBT’s! Pelo fim de toda a legislação discriminatória das LGBT’s!

– Contra as guerras e agressões imperialistas, pelo fim da corrida armamentista, pelo fim da NATO!

– Pela defesa do meio ambiente, por medidas reais de todos os governos para travar as emissões de carbono, a energia nuclear e a destruição dos ecossistemas!

– Por uma ordem mundial solidária, justa e socialista! Pelo fim de todos os tratados de agressão e subordinação económica! Pela autodeterminação e direito dos povos à independência!

– Por Governos dos Trabalhadores, que salvem os povos e não os bancos!