Pular para o conteúdo
Especiais
array(1) { [0]=> object(WP_Term)#20191 (10) { ["term_id"]=> int(4354) ["name"]=> string(27) "Tirem as mãos da Venezuela" ["slug"]=> string(26) "tirem-as-maos-da-venezuela" ["term_group"]=> int(0) ["term_taxonomy_id"]=> int(4354) ["taxonomy"]=> string(9) "especiais" ["description"]=> string(0) "" ["parent"]=> int(0) ["count"]=> int(184) ["filter"]=> string(3) "raw" } }

A Venezuela vive uma situação dramática

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Por Valério Arcary, Colunista do Esquerda Online

Conheço muito pouco a Venezuela, portanto, serei prudente. Deveria conhecer melhor pela importância do processo depois do que foi o impressionante processo aberto depois da derrota do golpe em 2002, mas foi assim. Isto é uma autocrítica. Observo, no entanto, muito de longe, algo que não tenho lido com frequência, ou com raras exceções, entre os autores marxistas: a Venezuela tem um dos raros governos independentes entre a ampla maioria dos Estados na periferia do mercado mundial.

A permanência das vendas de petróleo para os EUA não anula esta caracterização. Na América Latina só Caracas e Havana têm governos independentes. Não considero sustentável que Venezuela ou Cuba, muito menos a China, para citar outro exemplo, estejam em qualquer tipo de experiência de transição ao socialismo, mas são governos independentes. Como são independentes Irã e, possivelmente, Qatar. E isso é, relativamente, progressivo na luta contra o domínio imperialista dentro de um rígido sistema internacional de Estados. Muito rígido, na verdade, porque a mobilidade interna é quase nula. Independente significa que as forças políticas à frente do governo na Venezuela não aceitam a supremacia dos EUA, ou da União Europeia.

Em segundo lugar observo que a situação mudou com o giro do MUD, e o apoio inequívoco de Washington, para uma estratégia de derrubada de Maduro. O perigo de golpe é real e imediato. Nesse contexto, penso que não é mais possível manter uma posição nem/nem: de oposição pela esquerda a Maduro e, simultaneamente, contra a oposição ultrarreacionária, em função da iminência do perigo do golpe. Maduro não merece qualquer apoio político, mas qualquer variante de neutralidade diante da iminência da tragédia seria um esquerdismo ingênuo.

Claro que, politicamente, Maduro não merece apoio e o balanço do “socialismo do século XXI” é devastador: Os dados disponíveis indicam que o PIB da Venezuela em 2017 estaria 35% abaixo dos níveis de 2013. É um pouco maior do que o declínio na Rússia (1990-1994) e Cuba (1989-1993), por exemplo. É uma contração mais severa até do que entre 1929-1933 nos EUA, estimada em 28%. Com Chávez melhoraram as condições dos mais pobres com aumento de salários, ampliação de serviços sociais e redução da desigualdade. Mas essas melhorias só foram possíveis dentro dos limites da economia capitalista, usando as receitas das exportações de petróleo em um momento de preços para patamares muito altos. Chávez me pareceu um líder nacionalista radicalizado. Me recordava Otelo Saraiva de Carvalho do MFA português, portanto, oriundo da classe média militar, mas em uma nação semi-andina, semi-caribenha, uma semicolônia sob controle estrito dos EUA e na mão das petroleiras durante décadas.

O governo Maduro começou a acumular enormes dívidas externas para tentar sustentar os padrões de vida, ameaçando a soberania nacional, uma das maiores conquistas da vitória sobre o golpe em 2002. Ao mesmo tempo, o governo decidiu “honrar” todos os pagamentos da dívida externa e reduzir as importações. Como consequência, as importações de bens e serviços per capita diminuíram 75%, corrigida a inflação, entre 2012 e 2016, com um novo declínio em 2017.O salário mínimo – que na Venezuela também é o rendimento do trabalhador médio, devido à grande parcela de assalariados mínimos – diminuiu 75% (em preços constantes) de maio de 2012 a maio de 2017.

O governo Maduro dependeu cada vez menos do apoio da classe trabalhadora, e mais das Forças Armadas desde que foi eleito. E só recorreu à convocação da Constituinte porque fracassou o plano de se apoiar na Justiça. Essa tragédia poderia ter sido contornada? Talvez, sim. Mas entramos no perigoso campo dos contra-factuais: se a direção chavista não tivesse parado a menos de meio caminho, deixando a economia ainda, predominantemente, no controle do capital, se estivesse disposta a romper com o imperialismo até o fim, se tivesse se apoiado em uma estratégia internacionalista, se, se…

Em vez disso, o chavismo confiou nos altos preços do petróleo e nas gigantescas reservas de petróleo para reduzir a pobreza, porém, ao mesmo tempo não conseguiu transformar a economia através de investimentos produtivos, propriedade estatal e planejamento. Entre 1999 e 2012, o Estado teve uma receita de US$383 bilhões de petróleo, devido não só à melhoria dos preços, mas também ao aumento dos royalties pagos pelas transnacionais. No entanto, essa renda não foi utilizada para transformar os setores produtivos da economia. Sim, alguns foram utilizados para melhorar os padrões de vida das massas mais empobrecidas. Mas não havia plano de investimento e crescimento. De fato, a participação da indústria no PIB caiu de 18% do PIB em 1998 para 14% em 2012. Toda a direita mundial está excitada com a fragilização do chavismo na Venezuela. Mas a história dos últimos quase vinte anos (1998/2017) não é o fracasso do “socialismo”. Como nos recorda Michael Roberts é um impasse histórico político gerado pela indecisão ou, talvez, mais justo, pela incapacidade de romper e liquidar com o controle da burguesia em um país capitalista periférico (cada vez mais isolado) com quase um único recurso, o petróleo.

Marcado como:
crise / Maduro / venezuela