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BRASIL

O antes, durante e depois do 30 de junho

Av. Paulista – MASP

Por Enio Buchioni, de São Paulo.

Foi preso nesta semana o empresário Geddel Vieira Lima, amigo de Temer e um dos políticos mais próximos dele. Ex-ministro – chefe da Secretaria de Governo de Temer. Procuradores da República o acusam de obstaculizar as investigações em curso.

Desde jovem, aos 25 anos, Geddel era um irrepreensível candidato a gatuno. Em seu primeiro emprego foi acusado de desviar vários milhões do Banco do Estado da Bahia para favorecer a sua família. Dez anos depois, em 1994, já deputado federal, foi implicado no escândalo chamado de ‘os Anões do Orçamento’ onde 37 parlamentares roubaram mais de 100 milhões de reais dos cofres públicos em esquemas de propinas. Um desses larápios, o deputado baiano João Alves, ficou célebre ao dizer que sua fortuna pessoal advinha de ter ganhado 56 vezes na loteria durante o ano de 1993…

Apenas nos últimos 30 dias Geddel foi o segundo ex-ministro de Temer a ir para a cadeia. Anteriormente havia sido detido Henrique Alves, também ex-ministro de Dilma e, ex-presidente da Câmara dos Deputados.

O cenário político é tão surreal que há um deputado federal, o Celso Jacob do PMDB do Rio de Janeiro, que, em regime semi-aberto, durante o dia exerce suas funções de deputado e á noite dorme na prisão! Ele é da base governista e tem direito a voto sobre todas as questões em pauta na Câmara.

Duas facções das classes dominantes protagonizam o cenário político

Após Michel Temer ser denunciado pela Procuradora Geral da República por corrupção passiva, houve um contra-ataque do outro bloco: ministros do STF devolveram o mandato de senador a Aécio Neves – libertaram sua irmã e o primo- e soltaram o deputado-mala Loures. A revanche veio em seguida: a polícia Federal prendeu dias depois o Geddel.

Nos últimos dias, semanas e meses segue um embate encarniçado entre estas duas facções das classes dominantes acerca da solução burguesa para a crise econômica, social e política do país bem como para o destino do presidente golpista.  

Renan Calheiros, o corrupto senador do PMDB, vendo que o barco está por afundar, deixou a liderança do PMDB e em discurso afirmou que essa gente está “fingindo que está governando o Brasil”.

A bem da verdade, Temer passa, dia sim, dia não, tratando de se defender das inúmeras acusações de corrupção. Tenta apenas manter uma base governista de modo que ela tenha um terço de votos na Câmara, o suficiente para não ser processado.

No entanto, essa base no Congresso, imensa há um ano, está se definhando a olhos vistos. Seus deputados e senadores estão com um olho no peixe e outro no gato. Haverá eleições no próximo ano e eles querem se reeleger sem se afundar caso Temer e sua trupe sejam destronados.

Há divisões sobre defender ou não Temer no próprio PMDB, no PSDB e em vários outros partidos menores dessa base. No momento não se sabe ao certo o resultado na Câmara. Mesmo que obtenha êxito momentâneo, a Procuradoria Geral deverá oferecer mais outras denúncias nas próximas semanas contra o presidente golpista.

Toda essa situação é revelada diariamente pelo Jornal Nacional da Globo, o de maior audiência no país. Para se ter uma ideia da força desse formador de opinião o seu jornal nacional atinge mais de 2 milhões de pessoas diariamente em São Paulo e cerca de um milhão e meio no Rio de Janeiro, chegando a alcançar algumas dezenas de milhões de pessoas em todo o país.

A Globo lidera a ala burguesa que reúne alas do Judiciário instaladas na Procuradoria Geral da República, no STF, no Ministério Público bem como na Polícia Federal. São contra Temer, mas favoráveis às Reformas anti- trabalhadores desse governo. Querem o fim do governo, mas seguem a Constituição atual e são pela eleição indireta de um novo presidente pelo atual Congresso. Nesta via, colocarem alguém desta ala no comando do país.

A sarneyzação será revivida? Haverá um acordão?

A economia segue estagnada. A famigerada ONU em meados de maio projetou um crescimento do PIB de 0,1% pra 2017, ou seja, nada. O banco Itaú projetou 0,3%, justificando que há incertezas envolvendo a aprovação das reformas econômicas associada à complexidade do cenário político do país.   

No entanto, apesar do desemprego subir para cerca de 14 milhões de pessoas, de Temer ter apenas 7% de apoio da população, de 85% da população querer eleições diretas já, a CNI, Confederação Nacional da Indústria fez uma afirmação categórica através de um de seus dirigentes, o Robson Andrade: ”todo o empresariado prefere continuar com o presidente Michel Temer. Hoje a posição é essa: é melhor seguir e fazer a transição no país. Chega de turbulência”.

A Federação das Indústrias de São Paulo, FIESP, segue a mesma linha de raciocínio da CNI. A Bolsa de Valores e o dólar continuam operando normalmente, sem qualquer sobressalto, ou seja, o capital financeiro não se importa se o Brasil é governado por notórios ladrões e corruptos, a partir do presidente, uma grande parte dos deputados e senadores, desde que as Reformas sejam aprovadas.

Se este bloco impor seu projeto o país será levado a uma ‘sarneyzação’, referência ao último período do governo Sarney. Isso significa que o governo perderá sua capacidade de ação, ficará com pouca margem de manobra, submetido aos caprichos e interesses desse Congresso com uma grande parte de corruptos de carteirinha, tentará passar as Reformas ainda que fazendo uma ou outra concessão e apenas se limitará a esquentar as cadeiras do Planalto enquanto a população não eleger o seu sucessor em 2018.

Mas, para isso terá de haver um confronto decisivo com o chamado Partido do Judiciário’. Como? A resposta já foi dada pelo senador Romero Jucá, um dos braços direito de Temer, em maio do ano passado, em áudio gravado: “É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional…Com o Supremo, com tudo…Com tudo, aí parava tudo…É. Delimitava onde está, pronto.”

Há inúmeros indícios de que um acordão desse tipo está sendo tramado. O julgamento da cassação da chapa Temer/Dilma foi uma prova clara disso, onde Gilmar Mendes e os dois juízes indicados por Temer ignoraram solenemente todas as inúmeras provas sobre as falcatruas ocorridas nas eleições de 2014. Aécio Neves, flagrado cometendo corrupção, voltou ao Senado. Loures, o deputado –mala, está livre apesar do incrível vídeo dele fugindo com o dinheiro da propina. Nos últimos dez dias houve dois encontros entre Temer e Gilmar fora da agenda do presidente para articulações políticas.

Outro indício mais recente foi a declaração de Lula nas vésperas da paralisação de 30 de junho acerca da denúncia de corrupção passiva apresentada pela Procuradoria Geral da República contra Temer, denúncia baseada nos áudios da conversa na calada da noite e fora da agenda presidencial com Joesley Batista, áudios que incriminam por completo o presidente em vários dispositivos legais. Sobre isso Lula declarou publicamente: “se o procurador-geral da República tem uma denúncia contra o presidente da República, ele primeiro precisa provar. Tem que ter provas materiais. ”.

A bem da verdade, este acordão vem sendo costurado há meses. Lembremo-nos que o PT votou no corrupto Eunício de Oliveira, do PMDB, para presidente do Senado e para o Botafogo, codinome do corrupto Rodrigo Maia, do DEM, para presidente da Câmara. Há boatos circulando em Brasília de que o acordão poderia se dar sob outra variante caso as acusações de corrupção contra Temer se tornem impossíveis de defendê-lo na Câmara: seria substituído por Rodrigo Maia numa eleição indireta pelo Congresso. Como se diz na Argentina, seria ‘más de lo mismo’.  

O acordão vem bem a calhar para a estratégia política desenvolvida pelo PT ao longo desse ano pós-impeachment. Nada mais explícito do que a declaração de ontem de Lula na rádio Arapuan, de Campina Grande, Paraíba. Segundo essa emissora “o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que sonha em construir um bloco de esquerda progressista para disputar as eleições presidenciais em 2018. Ele citou os partidos PT, PSB, PDT e PCdoB para construírem um “programa pragmático” no pleito. O petista disse ainda que outros partidos de esquerda e “personalidades dignas” de outros partidos também podem ser incorporados ao bloco.

 

Do 28 de abril ao 30 de junho: dois meses de espera

Em 28 de abril houve uma gigantesca manifestação em unidade de ação entre todas as Centrais sindicais contra as Reformas propostas pelo governo Temer. Havia muito tempo- desde 1989, durante o governo Sarney- que a classe trabalhadora, a Juventude e os demais setores oprimidos não ocupavam o protagonismo nas ruas, nas greves, nos atos e manifestações.

Cerca de um milhão de pessoas participaram das manifestações de rua, 156 cidades fizeram atos, e calcula-se estimativamente, de 20 a 30 milhões de pessoas não trabalharam por esse país afora pelos mais diversos motivos.

Evidentemente, as Centrais Sindicais teriam de propor a data de uma nova Greve Geral, digamos 2 ou 3 semanas depois, para se poder duplicar ou triplicar o número de manifestantes, de grevistas e de cidades, para eliminar por completo com as Reformas e, em consequência, com o próprio governo. Essa possibilidade estava posta na luta de classes.

No entanto, aí surge o problema subjetivo das direções majoritárias que nossa classe forjou até hoje. A Força Sindical e outras centrais menores apoiam o governo Temer, mas foram às ruas em 28 de abril para a manutenção do Imposto Sindical obrigatório que rende em torno de 2 bilhões de reais para os mais de 16 mil sindicatos existentes. Já a CUT quer mais tempo para debater esse tema do Imposto Sindical.

Contudo, Paulinho da Força Sindical, deputado acusado de corrupção, ao apoiar o governo Temer quis apenas negociar com o governo uma alternativa em relação ao fim desse Imposto.

Já a CUT, aparato sindical que responde em última instância à direção de Lula e do PT, onde estes têm por estratégia a eleição de Lula para presidente em 2018, ou seja, política que não é para derrubar Temer e suas Reformas, mas sim a manutenção do calendário eleitoral surfando no desgaste de Temer e do PSDB com seus ministros.

Conclusão: a nova data da Greve Geral jamais foi marcada pelas maiores e hegemônicas Centrais Sindicais dentro do movimento de massas, apesar do voto vencido da CSP-Conlutas e da Intersindical.

Para não ficarem feio no filme elas marcaram uma Marcha à Brasília para 24 de maio, quase um mês depois do 28 de abril. Compareceram cerca de 100 mil pessoas onde a imensa maioria foi trazida por cerca de 1500 ônibus de vários sindicatos do país, ou seja, por pessoas umbilicalmente ligado aos aparatos. A massa trabalhadora que havia sido protagonista da heroica greve de 28 de abril ficou em seus lugares de trabalho. Foi abandonada e substituída.

Novamente para não ficar feio frente às suas bases, a Força Sindical e a CUT, as duas maiores Centrais, marcaram um nova Greve Geral para um mês depois, para fins de junho, ou seja, dois meses após a grande Greve Geral de 28 de abril.

Passaram-se muitos e muitos dias, mas a data não foi marcada bem como os preparativos para essa nova greve são esvaziados. Por fim, elas decidem que já não é mais uma nova Greve Geral, mas sim um dia, o 30 de junho, para “parar o país’. Dois meses se passaram depois da histórica Greve Geral de 28 de abril. Assim foi o processo de desmobilização da classe trabalhadora.

O que esperar e fazer após o 30 de junho

Apesar de tudo a paralisação dos trabalhadores foi boa e os atos alcançaram 106 cidades em todo o país. Várias categorias, fábricas e empresas fizeram greve. Nossa classe não foi, nem está derrotada. Porém não foi a grande protagonista da luta de classes nesta situação de resistência e de defesa contra os ataques do governo e do patronato.

No entanto é forçoso reconhecer que há um retrocesso quando comparado à heroica Greve Geral e 28 de abril.

Haverá no futuro imediato uma nova greve geral com unidade de ação entre todas as Centrais Sindicais? Essa é uma hipótese pouco provável a não ser que haja algum fator super extraordinário como por exemplo uma prisão de Lula – acusado em vários processos por suposta corrupção- e/ou a rejeição total do Imposto Sindical ou qualquer outro tipo de benefício financeiro para as burocracias sindicais.

À esquerda socialista compete reconhecer suas limitações quanto às suas forças muito reduzidas para dirigir o movimento de massas bem como agir para ganhar muito mais peso entre os trabalhadores. A instabilidade política está em efervescência e tudo leva a crer que haverá um desfecho relativo nas próximas semanas, desfecho imprevisível no momento.

Não nos compete ficarmos tristes, nem raivosos pelo fato de as direções majoritárias não terem levado a nossa classe a ser a protagonista fundamental da conjuntura e ter dado um basta às duas facções burguesas em disputa e suas malditas Reformas..

Aos marxistas revolucionários compete compreender a realidade para melhor atuar e poder transformá-la. Nosso papel é o de ficarmos ao lado de nossa classe, da Juventude e dos demais setores oprimidos, preparando e atuando em todas as lutas de resistência política e econômica contra estas duas facções burguesas, tentando criar o necessário terceiro campo socialista de independência de classe.

 

Foto: Mídia NINJA