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EDITORIAL

Eleições legislativas francesas: provável maioria para Macron. E daí?

Por: Renato Fernandes, de Campinas, SP

Após uma eleição presidencial inédita que abalou o sistema político francês, Emmanuel Macron e seu movimento República Em Marcha (REM) tentarão garantir uma maioria política na Assembleia Nacional. Todas as pesquisas indicam que isso deve ocorrer, o que aprofundará a crise política dos partidos tradicionais. Em boa medida, para além dos motivos políticos, isso se deve ao próprio sistema eleitoral francês.

As eleições legislativas francesas ocorrerão nos dois próximos finais de semana: 11 e 18 de junho. Ao todo serão eleitos 577 deputados. As eleições legislativas são por distritos, isto é, cada deputado representa um dos 577 distritos, sendo que o pleito é majoritário com a possibilidade de haver dois turnos para os dois primeiros colocados, caso nenhum dos candidatos obtenham 50%+1 ou caso a participação seja muito baixa.

O grande problema desse tipo de eleição é que a representação legislativa fica desproporcional em relação à votação dos partidos. Por exemplo, na pesquisa da Opinion Way publicada em 1 de junho, o partido do presidente REM está com 29% de intenção de votos a nível nacional. Em segundo lugar está Les Republicains (LR – direita tradicional) em aliança com União Democrática Independente (UDI – centro direita) com 20% e, em terceiro, a Front National (FN – extrema direita) com 18%. A esquerda está encabeçada pela França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon com 13%, enquanto o PS amarga 9% das intenções de voto e o Partido Comunista Francês (PCF) tem 3%. A extrema-esquerda obtém apenas 1% das sondagens.

Como a eleição é distrital e majoritária, a tendência, de acordo com as próprias pesquisas, é que REM fique com cerca de 55% dos deputados (entre 310 e 330) e que LR/UDI seja o principal bloco de oposição (entre 140-160 deputados). E os outros três blocos sejam compostos pela França Insubmissa, pelo PS e pela FN (que deve obter o menor bloco entre estes). Por si só, esse tipo de eleição demonstra como o próprio funcionamento que garantiu, por décadas, maiorias para o PS e a para a LR, agora será motivo de uma enorme crise nesses mesmos partidos, principalmente no PS, que tende a conseguir o pior resultado desde 1981.

Por um lado, todos os analistas concordam que a tendência é a de haver uma renovação política na assembleia de deputados: dos 525 candidatos do REM, 251 nunca foram candidatos e, destes, 178 candidatos “nunca tiveram qualquer relação com a política”. É com essa ideia de “renovação”, de trazer a “sociedade civil” para o mundo da política que Macron tenta ganhar a maioria. Ao mesmo tempo, essa renovação passa por aliar antigos políticos ex-PS e ex-LR numa tentativa clara de aproveitar a crise política desses partidos para formar uma nova maioria política.

O governo de Edouard Philippe e a renovação política neoliberal
Na França, o Presidente tem a prerrogativa de escolher o Primeiro-Ministro que forma o poder executivo. Macron escolheu Edouard Philippe, um deputado LR, que já havia sido do PS. Sua escolha desestabilizou a direita provocando ainda mais crise.

O governo de Philippe é uma composição bastante heterogênea retirada das principais forças políticas que compuseram a campanha de Macron: ex-setores do PS e da LR, junto com os partidos de centro e figuras da “sociedade civil”.

Na formação do governo, Macron e Philippe tiveram o cuidado de mesclar duas coisas: a paridade entre homens e mulheres e também a paridade entre “políticos” e “sociedade civil”. Porém, essa renovação política não foi bem uma renovação da casta política. Como revela reportagem do Le Monde, somente 5 dos 11 ministros da sociedade civil nunca trabalharam com a política estatal.

Porém a renovação da casta política do governo Macron/Philippe esconde uma continuidade essencial na política neoliberal de Macron. Nessa semana, o governo enviou a diversas organizações sociais, incluindo as centrais sindicais, uma carta com alguns pontos da nova contrarreforma trabalhista e a agenda de implementação da mesma. Entre as medidas que serão propostas está a prioridade aos acordos coletivos sobre a Lei trabalhista, a simplificação e a redução das normas trabalhistas, mudanças no seguro desemprego, entre outras medidas. Além disso, o governo projeta reformular a previdência até o fim de 2018. A ideia de Macron/Philippe é completar a contrarreforma realizada pelo antigo governo PS.

Resistência dos trabalhadores aos planos de Macron
A resistência à contrarreforma de Hollande foi gigante: paralisou o país por alguns meses, com greves em diversas empresas, grandes movimentações e ocupações de praças (Nuit Debout). Uma nova contrarreforma poderá encontrar uma resistência maior ainda, não na Assembleia de Deputados que deve eleger a maioria para Macron, mas na resistência social que hoje se materializa nos principais sindicatos do país.

Apesar de enfraquecida eleitoralmente, com a única exceção sendo a França Insubmissa de Mélenchon, a esquerda radical poderá ter um peso decisivo nessas mobilizações, principalmente pela Front Social (Frente Social): frente de sindicalistas e sindicatos de base, composta pelas mais variadas forças políticas de esquerda, que está tentando se colocar a frente das lutas contra Macron.

No dia 8 de maio passado, já no primeiro dia após a eleição de Macron, foi organizado em Paris um protesto contra o novo presidente que contou com aproximadamente 5 mil pessoas. Uma próxima manifestação já está marcada e será no dia 19 de junho em frente à Assembleia Nacional que promete ser a primeira demonstração de força contra os ataques de Macron/Philippe aos direitos trabalhistas.

Portanto, ainda que o mais provável seja que Macron consiga obter maioria na Assembleia Nacional, tudo indica que seu governo enfrentará uma forte resistência dos trabalhadores.