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Educação e formação humana em Marx e Engels

Artemis Martins – UFC1

Resumo: O presente artigo pretende apresentar alguns elementos teóricos que revelam a compreensão de Marx e em Engels sobre a questão da educação e da formação humana no contexto da sociedade do capital. Observando as análises que os autores fizeram acerca do modo de produção capitalista e seus desdobramentos sobre a formação da classe trabalhadora, seguimos empenhados em localizar possíveis caminhos para pensar o processo educativo e formativo dos trabalhadores, tendo a apropriação dos conhecimentos historicamente construídos como uma das mediações importantes para a organização de suas lutas que visam romper com a condição de exploração na qual são submetidos e a concretização da emancipação humano-social.

Palavras-chave: Formação Humana. Conhecimento. Emancipação humano-social.

Introdução

A questão da formação humana se dilui em todo o percurso do pensamento de Marx – por exemplo, em obras como A Ideologia Alemã, Grundrisse, Manuscritos Econômico-Filosóficos, em O Capital – assim como no pensamento de Engels, quando escreveu A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra e o Anti-Dühring. Nas produções de ambos os autores é possível estabelecer observações importantes sobre o tema em diálogo com as múltiplas determinações que a história, a economia e a política com ela estabelecem. Portanto, por mais que não haja uma obra dedicada expressamente à temática, são imprescindíveis as contribuições teóricas que as observações desses autores, na complexa tessitura da totalidade, fornecem ao debate. Isso é possível justamente porque é o materialismo histórico-dialético que nos permite manter vivo o diálogo com a generalidade e com as circunstâncias históricas que são postas em nosso caminho enquanto pensadores da educação e da aquisição do conhecimento. Por isso, para orientar a discussão que agora tratamos, tomamos como referências as obras acima citadas, além da Crítica ao Programa de Gotha, de Karl Marx, e Textos Sobre Educação e Ensino, de Marx e Engels.

Frente ao peso dessa constatação sobre o problema prático da educação estar diretamente relacionado à apropriação do conhecimento pelos sujeitos, ocorre-nos a necessidade de buscar, em Marx, elementos teóricos que nos forneçam a compreensão do autor sobre os âmbitos da educação e da formação humana, bem como nos apresentem subsídios para pensar o conhecimento como um possível caminho através do qual a classe trabalhadora se ampare para organizar suas lutas, ainda que com limites, e oriente suas passadas rumo aos avanços necessários e urgentes, que forcem a ruptura com a condição de exploração na qual ela está mergulhada.

A questão da educação e da formação humana à luz de Marx e Engels

Marx e Engels admitem o conhecimento como articulação do fazer e do pensar, do trabalho manual e da atividade intelectual, da teoria e da prática. Os autores reafirmam, no curso de seus postulados, o pressuposto de que educação e trabalho são produções humanas, históricas e sociais indissociáveis, cuja combinação deve se voltar para a formação plena e integral de todos os homens. Os autores, todavia, ressaltam que essa aproximação entre a atividade intelectual com o trabalho manual – como uma produção que possibilite o desenvolvimento amplo das capacidades e faculdades criadoras dos homens, portanto, a aquisição do conhecimento – somente é possível em uma sociedade onde a divisão forçada do trabalho tenha sido superada e a propriedade privada abolida2.

Com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, que foi incorporado ao desenvolvimento das máquinas, surgiu também a necessidade de qualificar a força de trabalho para adequá-la às novas exigências que o maquinismo desencadeou. A partir de então, surgem e se estabelecem os sistemas escolares institucionalizados. A educação escolar se consolida como uma ferramenta de organização dos saberes, de formação e qualificação para a realização das novas atividades de trabalho. É importante destacar que, embora o desenvolvimento das máquinas tenha impulsionado a ampliação da qualificação das forças produtivas, essa formação foi direcionada ao aperfeiçoamento de habilidades específicas incorporadas ao uso das máquinas e não o desenvolvimento das livres capacidades criadoras do homem ou de um conhecimento mais universal.

A divisão manufatureira do trabalho opõe-lhes as forças intelectuais do processo material de produção como propriedade de outrem e como poder que os domina. (…) Esse processo desenvolve-se na manufatura, que mutila o trabalhador, reduzindo-o a uma fração de si mesmo, e completa-se na indústria moderna, que faz da ciência uma força produtiva independente do trabalho, recrutando-o para servir ao capital. Na manufatura, o enriquecimento do trabalhador coletivo e, por isso, do capital, em forças produtivas sociais, realiza-se às custas do empobrecimento do trabalhador em forças produtivas individuais3.

Como temos mencionado, a evolução tecnológica e científica impulsionada pelo capitalismo exigiu um crescente desenvolvimento das forças produtivas no que diz respeito à capacidade intelectual dos indivíduos. Observou-se, desde então, o avanço da universalização do ensino – reinvindicação já presente no Manifesto Comunista4 – com quase generalidade dos países de centro, e, consequentemente, a redução nos índices de analfabetismo das populações locais. Com a transição das sociedades agrárias para sistemas industriais, as relações sociais de produção mudaram radicalmente. Todavia, as mudanças que as transformações científicas e técnicas ocasionaram na cultura e na intelectualidade dos indivíduos não foram suficientes para provocar uma real modificação da condição de exploração na qual se encontrava e ainda se encontra a classe trabalhadora5.

Sob a ótica do materialismo histórico-dialético, a educação ocupa um papel relevante na vida dos homens e, assim como outras esferas do mundo existente, ela se transforma historicamente e se integra às novas formas como os homens produzem a sua existência. Deste modo, ela não pode ser entendida como uma dimensão engessada ou mesmo apartada da vida social. Como atividade de reprodução social, a educação está profundamente inserida no contexto em que surge e se desenvolve, portanto, é estruturada em determinado modelo e expressa as contradições que se manifestam com as situações próprias da ordem social vigente e na luta de classes.

As postulações que Marx e Engels elaboram sobre o tema da educação e da formação humana se articulam sobre o eixo da divisão forçada do trabalho e do processo de implantação do modo de produção capitalista. São mescladas às críticas das teorizações e práticas burguesas, como a crítica ao idealismo alemão, à economia política e, especialmente, ao entendimento sobre as condições de vida e trabalho da classe trabalhadora. A segmentação nos diferentes ramos de atividade, fruto dessa divisão forçada do trabalho, para os autores, se desdobra igualmente sobre a constituição da sua consciência, o que nos permite inferir que a mesma fragmentação, estranhamento e deformação ocasionados pelo trabalho na sociedade capitalista também ocorrem no campo do desenvolvimento da sua consciência e aprendizagem6. Ao individuo submetido a uma jornada exaustiva, repetitiva, compartimentada, onde não há espaço nem possibilidade de invenção ou criação, onde suas forças e liberdade lhes são subtraídas, resta a constituição parcial de sua consciência e de suas faculdades mentais. Esse fator reverbera em uma divisão social, técnica e intelectual que, por ocupar lugar de centralidade na questão da exploração da classe trabalhadora, interfere diretamente no desenvolvimento dos indivíduos e de suas capacidades físicas e espirituais.

Vigiar máquinas, reatar fios quebrados, não são atividades que exijam do operário um esforço de pensamento, mas, além disso, impedem-no de ocupar o espírito com outros pensamentos. Já vimos, igualmente, que este trabalho somente deixa lugar à atividade física, ao exercício dos músculos. Assim, a bem dizer, não se trata de um trabalho, mas de um aborrecimento total, o aborrecimento mais paralisante, mais deprimente possível – o operário da de fábrica está condenado a deixar enfraquecer todas as forças físicas e morais neste aborrecimento e o seu trabalho consiste em aborrecer-se durante todo o dia desde os oito anos7.

Deste modo, considerando a análise que Engels faz acerca da precariedade das condições de trabalho em que se encontrava a classe trabalhadora da Inglaterra no final do século XIX e de como elas determinam (e prejudicam) o desenvolvimento físico e intelectual dos trabalhadores, bem como as proposições de Marx sobre a propriedade privada e a divisão forçada do trabalho – como incompatíveis ao projeto de emancipação e do pleno desenvolvimento das capacidades humanas – é possível concluir que, na perspectiva marxiana de apreensão da totalidade, em uma sociedade capitalista não há elementos que justifiquem aos trabalhadores a conformação com o formato educacional vigente. É preciso pensar uma educação (uma vez que ela está pautada sobre o sistema de trabalho dividido, estranhado e deformador) e uma formação que se coloquem como horizontes, como alternativas possíveis e que auxiliem o enfrentamento às deformações, às ideologias e às contradições próprias do modelo de sociabilidade do capital8.

Na sociedade de classes, o processo de aquisição do conhecimento historicamente produzido se tornou não apenas o ideal de capital intelectual difundido em nosso tempo, mas, antes disso, propriedade da burguesia. A separação entre trabalho material e imaterial rege o princípio formativo das classes sociais, designando para a burguesia uma educação que as prepara para atividades de manutenção de sua condição de classe dominante, para atividades mais complexas e sofisticadas, períodos mais alongados de estudos e, portanto, para a erudição. À classe trabalhadora resta uma educação que forma deformando, com o desenvolvimento parcial (e superficialmente genérico) de suas capacidades físicas e intelectuais. Uma educação que qualifica desqualificando, com a preparação generalista para atividades pouco ou não qualificadas, para trabalhos simples e de baixa complexidade, que, de modo geral, não lhes permitem a direção do processo produtivo e nem a sua determinação enquanto classe. Marx, ao tratar sobre a questão do salário e das condições de exploração da classe trabalhadora, endossa essa premissa ao afirmar que

O verdadeiro significado da educação, para os filantropos, é a formação de cada operário no maior número possível de atividades industriais, de tal modo que, se é despedido de um trabalho pelo emprego de uma máquina nova, ou por uma mudança na divisão do trabalho, possa encontrar uma colocação o mais facilmente possível9.

Para acessar aos saberes historicamente construídos e sistematizados, os trabalhadores necessitam – como podemos observar ao longo das obras de Marx e de Engels – organizar-se em processos de luta contra a asfixia massiva que o capital desencadeou desde sempre, fator que está na base do enfrentamento e da luta de classes. Contudo, é preciso destacar que a aquisição de conhecimentos, em si, a formação intelectual dissociada da prática política, não garante à classe trabalhadora a superação da condição de exploração à qual está submetida. A condição de humanidade emancipada, para Marx, somente é possível levando a cabo a revolução comunista e a superação do modelo de sociedade dividido em classes.

Ao passo que os pequeno-burgueses democráticos querem levar a revolução a cabo de maneira mais célere possível e mediante a realização, quando muito, das demandas acima mencionadas, é de nosso interesse e é nossa tarefa tornar a revolução permanente até que todas as classes proprietárias em maior ou menos grau tenham sido alijadas do poder, o poder estatal tenha sido conquistado pelo proletariado e a associação dos proletários tenha avançado, não só em um país, mas em todos os países dominantes no mundo inteiro, a tal ponto que a concorrência entre os proletários tenha cessado nesses países e que ao menos as forças produtivas decisivas estejam concentradas nas mãos dos proletários. Para nós, não se trata de modificar a propriedade privada, mas de aniquilá-la, não se trata de camuflar as contradições de classe, mas de abolir as classes, não se trata de melhorar a sociedade vigente, mas de fundar uma nova10.

Todavia, paralela ao movimento combativo, há uma limitação substancial do desenvolvimento dos indivíduos pertencentes à classe trabalhadora. Assim como a divisão do trabalho desemboca, inevitavelmente, na exploração do homem pelo homem, na apropriação privada dos meios de produção, das inovações científicas e tecnológicas, bem como dos artefatos da cultura, ela também afeta substancialmente a formação de sua consciência: seja no âmbito da limitação do acesso aos conhecimentos, seja com a mutilação de suas capacidades físicas e de suas potências criadoras11.

Para Marx e Engels, a emancipação da classe trabalhadora está ligada, entre outros fatores, ao pleno desenvolvimento das suas faculdades humanas. Todavia, no contexto da sociedade capitalista esse desenvolvimento lhes é negado a partir do momento em que as relações sociais de produção, especificamente o trabalho assalariado, são fundamentadas em condições de expropriação e de exploração, ou mesmo, por ser esse trabalho modelo e realização degradante e deformante para os trabalhadores12.

Deste modo, os autores nos levam a reconhecer que uma educação somente pode ser considerada emancipadora na medida em que permita aos indivíduos uma formação que lhes devolva sua humanidade, que favoreça o desenvolvimento pleno de seus sentidos e de suas qualidades humanas, tanto no aspecto objetivo como na sua subjetividade. Mas, como condição anterior a essa, uma formação que os instrumentalize para o enfrentamento das desigualdades, para a ruptura com a propriedade privada e a divisão forçada e mecânica do trabalho, para a superação das contradições expostas no próprio cerne da sociedade do capital, ou seja, uma educação que, combinada à luta política, forme os trabalhadores na perspectiva da conscientização e da emancipação humano-social.

A limitação do capital está no fato de que todo o seu desenvolvimento se efetua de maneira antagônica e a elaboração das forças produtivas, a riqueza universal, a ciência, etc., aparecem como alienação do trabalhador que se comporta frente às condições produzidas por ele mesmo como frente a uma riqueza alheia e causadora de sua pobreza. Porém, esta forma contraditória é transitória e produz as condições reais de sua própria abolição. O resultado é que o capital tende a criar essa base que contém, em potencial, o desenvolvimento universal das forças produtivas e da riqueza, assim como a universalidade das comunicações; em uma palavra, a base do mercado mundial. Esta base encerra a possibilidade do desenvolvimento universal dos indivíduos a partir desta base, pelo qual cada barreira é constantemente superada, lhe proporciona esta consciência: nenhum limite pode ser considerado como sagrado. A universalidade do indivíduo não se realiza já no pensamento nem na imaginação; está viva em suas relações teóricas e práticas. Encontra-se, pois, em condições de apreender sua própria história como um processo e de conceber a natureza, com a qual forma realmente corpo, de maneira científica (o que lhe permite dominá-la na prática). Através dele, o processo de desenvolvimento se produz e concebe como uma premissa. Porém, é evidente que tudo isto exige o pleno desenvolvimento das forças produtivas como condição da produção: é preciso que as condições de produção determinadas deixem aparecer como obstáculos ao desenvolvimento das forças produtivas13.

A emancipação humana, conforme Marx e Engels, somente é possível em um contexto de profunda transformação da sociedade, ou seja, para que os indivíduos sejam emancipados de fato é imprescindível que trave uma disputa pelo poder político como mediação necessária para a transformação social e para a negação da propriedade privada e a superação da divisão forçada do trabalho. Essa premissa, que se baseia nos apontamentos de Marx, mostra-nos que são os interesses da burguesia que regem a política e as relações sociais de produção. Neste viés, duas questões se tornam imprescindíveis: que os trabalhadores se apropriem dos meios de produção e que constituam o seu próprio governo. Somente a expropriação dos meios de produção das mãos da burguesia, a superação da propriedade privada e da divisão forçada do trabalho, associada à tomada do poder político pela classe trabalhadora, possibilitarão as condições para que os trabalhadores organizem o seu processo formativo, para que estabeleçam novas e próprias formas de se educarem e de se apropriarem dos conhecimentos – com princípios, objetivos e em marcos radicalmente distintos daqueles adotados pela sociedade burguesa14.

Ao contrário do que as ideias forjadas pelo capital internacional difundem, especialmente em nosso tempo, não defendemos aqui a ideia de que a educação seja, por si só, o elemento disparador para uma transformação social radical – e que, bem sabemos, somente se efetivará com a superação do modelo de produção capitalista. Porém, acreditamos que submeter o processo de formação das gerações futuras ao delineamento e controle dos próprios trabalhadores é, para Marx, inegavelmente um elemento substancial para o enfrentamento à hegemonia do capital e à concretização da revolução socialista.

Mas não há dúvida de que a conquista inevitável do poder político pela classe trabalhadora trará a adoção do ensino tecnológico, teórico e prático, nas escolas dos trabalhadores. Também não há dúvida de que a forma capitalista de produção e as correspondentes condições econômicas dos trabalhadores se opõem diametralmente a esses fermentos de transformação e ao seu objetivo, a eliminação da velha divisão do trabalho. Mas o desenvolvimento das contradições de uma forma histórica de produção é o único caminho de sua dissolução e do estabelecimento de uma nova forma15.

Ora, se por um lado entendemos que a aquisição dos conhecimentos, em si, não tem a possibilidade de desencadear uma verdadeira e profunda transformação social pela qual urge a classe trabalhadora, por outro, também arrazoamos que a tomada do poder político pelos trabalhadores somente se dará através do desenvolvimento intelectual crítico combinado à sua efetiva inserção nos processos de organização das suas lutas enquanto classe. É a formação teórica articulada à prática política que permite à classe trabalhadora o desenvolvimento de sua consciência de classe, portanto, da percepção de sua condição de explorada distinta da situação de seu explorador16.

Diante desse movimento, a apropriação das ferramentas teóricas – que são oportunizadas pela educação – e dos conhecimentos historicamente construídos podem servir à classe trabalhadora como uma imprescindível mediação para o fortalecimento de suas capacidades, para a compreensão da totalidade e para sua atuação nas lutas, ou seja, sua organização enquanto classe revolucionária. Marx, em sua crítica à economia política, afirma que o desenvolvimento das forças produtivas interfere diretamente em sua formação e no desenvolvimento da consciência de uma sociedade. E mesmo sem se deter ao campo das ideias, posto que a elaboração de sua teoria é práxica, o autor destaca a importância que a evolução da consciência humana representa para a superação de um modo de produção específico. A ciência e os conhecimentos historicamente construídos exercem um papel relevante sobre a formação da consciência humana porque permitem aos indivíduos o desenvolvimento de níveis mais sofisticados de abstração e elaborações mais complexas sobre a realidade17. Portanto, concluímos que a aquisição dos conhecimentos e da ciência pela classe trabalhadora é um elemento imprescindível para o avanço e a organização de suas lutas e, por conseguinte, para a articulação de um processo revolucionário por sua emancipação.

No plano das ideias, a dissolução de uma certa forma de consciência bastou para sepultar uma época inteira. Na realidade, toda limitação da consciência corresponde a um grau determinado do desenvolvimento das forças produtivas materiais e, portanto, da riqueza. A evolução não tem lugar somente a partir da antiga base, senão que esta mesma base se amplia. Na fase de desenvolvimento evoca floração: a planta floresce sobre esta base, murcha por haver florido e depois de haver florido. O mais alto grau de desenvolvimento desta base é, portanto, o ponto onde atingiu um maior grau de elaboração, onde concilia com a maior evolução das forças produtivas e, portanto, também com o mais amplo desenvolvimento dos indivíduos. Uma vez alcançado este ponto, toda evolução posterior é decadência e todo desenvolvimento novo terá lugar sobre uma nova base18.

Nesse prisma, aparecem no campo da educação – como tarefas da classe trabalhadora – a disputa pelo poder político, seguida do controle do sistema educacional pelos próprios trabalhadores. O Estado19 burguês, com suas políticas voltadas para a educação, cuida de manter o atendimento, justamente, aos interesses da classe que ele, de fato, representa, a saber: a grande burguesia e o capital internacional – incorporados ao sistema financeiro. Como já temos citado no curso desta exposição, a formação ofertada aos filhos da classe trabalhadora reserva-lhes uma formação aligeirada e a apropriação minimalista dos saberes em estrita qualificação com vistas às demandas do mercado. Além disso, tem-se o lugar que a educação assume, em qualquer contexto da sociabilidade capitalista, na formação da consciência20 da classe, uma vez que se constitui como ferramenta de legitimação da ordem burguesa, de naturalização das contradições e da reprodução de relações baseadas na exploração, no consumo e na reificação das pessoas21.

Ao tratarmos do tema da educação é inevitável pensar na educação escolar e na escola pública, justamente porque é ela o principal espaço de formação e de sistematização dos conhecimentos que a classe trabalhadora, operária e assalariada, tem acesso. Com efeito, o tratado marxiano sobre a educação, diluído no arcabouço de sua obra, realiza uma profunda crítica ao ensino e à qualificação profissional burguesa. Assim como o fizeram à economia política, Marx e Engels dirigiram ao ensino promovido pela burguesia uma crítica contundente ao explicitarem a estreita relação entre o modo de produção capitalista – baseado na propriedade privada e na divisão forçada e mecânica do trabalho – e a educação da classe trabalhadora, bem como o interesse que a burguesia reserva (no âmbito da legislação e da operacionalização) à formação da classe trabalhadora: instrumentalizá-la, minimamente, para as demandas do mercado, além de fomentar a lógica da competição, da eliminação do outro, da meritocracia, da polivalência e da ascensão social individual22.

A educação no contexto da sociedade capitalista, concebida em moldes burgueses, configura uma importante estratégia para a constituição de consciências em que se introjetam a legitimação da ordem, a naturalização das contradições, a busca pela ascensão individual, bem como a competição e a eliminação do outro. Deste modo, a sistematização (e direção) da formação dos trabalhadores pelos próprios trabalhadores, além de urgente, pode permitir, entre outros fatores, a compreensão por parte do deles de que a real motivação para frequentarem a escola e adquirirem conhecimentos não deve ser a mera certificação para o infortúnio da vida como trabalhadores assalariados, mas, sim, a possibilidade de desenvolverem suas capacidades humanas, seus sentidos e sua intelectualidade – o que auxilia na plena realização do espírito e sua fruição da vida, além da articulação de um espaço onde sua formação contribua para a organização de suas lutas políticas.

Educação popular igual? O que se entende por essas palavras? Crê-se que na sociedade atual (e apenas ela está em questão aqui) a educação possa ser igual para todas as classes? Ou se exige que as classes altas também devam ser forçadamente reduzidas à módica educação da escola pública, a única compatível com as condições econômicas não só do trabalhador assalariado, mas também do camponês? “Escolarização universal obrigatória. Instrução gratuita.” A primeira existe na Alemanha, a segunda na Suíça [e] nos Estados Unidos, para escolas públicas. Que em alguns estados deste último também sejam “gratuitas” significa apenas, na verdade, que nesses lugares os custos da educação das classes altas são cobertos pelo fundo geral dos impostos. (…). Absolutamente condenável é uma “educação popular sob incumbência do Estado”. Uma coisa é estabelecer, por uma lei geral, os recursos das escolas públicas, a qualificação do pessoal docente, os currículos, etc. e, como ocorre nos Estados Unidos, controlar a execução dessas prescrições legais por meio de inspetores estatais, outra muito diferente é conferir ao Estado o papel de educador do povo! O governo e a igreja devem antes ser excluídos de qualquer influência sobre a escola23.

Considerações Finais

Os pressupostos marxianos esmiuçados até aqui nos permitem reconhecer que, destacando a relevância das lutas sociais e do movimento operário para a sistematização de um modelo de construção do conhecimento para a classe trabalhadora, os sistemas educacionais (burgueses) apresentaram importantes conquistas – ainda que parciais – teóricas e práticas para o campo da educação, tais como a laicidade, a universalidade, a difusão cultural, a gratuidade e a formação para o trabalho humano-social. Marx e Engels, nessa perspectiva, não rejeitam a importância dessas determinações. Não obstante, os autores avançam quando propõem que, junto ao trabalho produtivo, a educação propicie o acesso aos conhecimentos historicamente produzidos na multiplicidade de seus aspectos, quer sejam no campo científico, intelectual, moral, artístico, físico, filosófico ou mesmo técnico e voltado para a produção.

As contribuições de Marx e Engels para a educação da classe trabalhadora e para a formação humana em geral, podem ser sintetizadas quando observamos o caráter emancipador da essência de suas propostas. Primeiramente, quando localiza o lugar de centralidade dialética do trabalho humano-social enquanto princípio educativo e que desemboca na proposta de uma formação integral que permita aos indivíduos adquirirem conhecimentos de forma ampla e universal – em oposição à unilateralidade da educação burguesa. Para os autores, a educação que deve propiciar aos homens um desenvolvimento integral de todas as suas capacidades, dos seus sentidos e de suas potencialidades. Todavia, para que essa educação ocorra, ela deve combinar a atividade intelectual com a produção material, o trabalho manual, a instrução com os exercícios físicos e estes com o trabalho produtivo. Essa associação tem como objetivo eliminar a diferença entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre a teleologia e a execução, e, assim, garantir a todos os homens uma compreensão integral do processo de produção e a liberdade de criação. Tomando como base a crítica à economia política, Marx e Engels nos apresentam como condição sine qua non para a concretização de uma educação nesses parâmetros e objetivos, a profunda transformação no modo de produção e distribuição da riqueza pelos homens. Essa alteração das relações de trabalho, dos meios de produção com as forças produtivas, só será alcançada com a alteração da divisão social do trabalho que, com a superação da diferença entre trabalho intelectual e trabalho manual, conduza-nos a uma reaproximação efetiva entre a ciência e a produção24.

REFERÊNCIAS

CHAGAS, Eduardo F . O Pensamento de Marx sobre a Subjetividade. In: Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 2, p. 63-84, Maio/Ago, 2013.

ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Porto: Afrontamento, 1975.

ENGELS, Friedrich. O Anti-Dühring. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

KONDER, Leandro. Marxismo e Alienação: Contribuição para um Estudo do Conceito Marxista de Alienação. São Paulo: Expressão Popular, 2009.

MARX, Karl. Grundisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011.

______. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010.

______. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. 32ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.

______. Sobre a Questão Judaica. São Paulo: Boitempo, 2010.

MARX, Karl; ENGELS Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.

MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. Crítica ao Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas. In: Lutas de Classes na Alemanha. São Paulo: Boitempo, 2010.

MARX, Karl; ENGELS Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 2ª ed. São Paulo: Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2008.

MARX, Karl; ENGELS Friedrich. Textos sobre educação e ensino. 2. ed. São Paulo: Moraes, 1992.

1Mestra em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará – UFC. Membro e colaboradora do Grupo de Estudos Marxistas (GEM). E-mail: [email protected]. C.V (Lattes): http://lattes.cnpq.br/8358429287587583.

2MARX, Karl; ENGELS Friedrich. Textos sobre educação e ensino. 2. ed. São Paulo: Moraes, 1992, p. 95.

3Ibidem, p. 21-22.

4MARX, Karl; ENGELS Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 2ª ed. São Paulo: Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2008, p. 69.

5MARX, Karl; ENGELS Friedrich. Textos sobre educação e ensino. Op. Cit., p. 25-26.

6MARX, Karl; ENGELS Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 35-36.

7ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Porto: Afrontamento, 1975, p. 225-226.

8MARX, Karl. Grundisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. Tradução de Mario Duayer, Nélio Schneider (colaboração de Alice Helga e Rudiger Hoffman). São Paulo: Boitempo, 2011, p. 581.

9MARX, Karl; ENGELS Friedrich. Textos sobre educação e ensino. Op. Cit., p. 81.

10MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas. In: Lutas de classes na Alemanha. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 64.

11MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução, apresentação e notas de Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 82.

12MARX, Karl; ENGELS Friedrich. Textos sobre educação e ensino. Op. Cit., p. 20.

13Ibidem, p. 39-40.

14MARX, Karl; ENGELS Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 40-41.

15MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. 32ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 553.

16MARX, Karl; ENGELS Friedrich. Textos sobre educação e ensino. Op. Cit., p. 92-93.

17Para uma análise mais ampla sobre ciência e teoria do conhecimento, indicamos a leitura de O Anti-Dühring, de Friedrich Engels.

18MARX, Karl; ENGELS Friedrich. Textos sobre educação e ensino. Op. Cit., p. 39.

19Em nosso trabalho o tema do Estado não foi desenvolvido. Contudo, indicamos a leitura completa, dentre outras, de duas obras de Marx que tratam do tema, a saber, Luta de classes na Alemanha e Sobre a questão judaica.

20Indicamos a leitura do artigo O pensamento de Marx sobre a subjetividade, de Eduardo F. Chagas. O texto trata sobre a conexão entre a subjetividade e a objetividade. Disponível em: < Transformação Article>.

21KONDER, Leandro. Marxismo e alienação: contribuição para um estudo do conceito marxista de alienação. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p. 184.

22MARX, Karl; ENGELS Friedrich. Textos sobre educação e ensino. Op. Cit., p. 81.

23MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. Crítica ao Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 46.