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EDITORIAL

PERU: Mudança de governo após a gigantesca greve do magisterio

 Por Joana Benario, São Paulo/SP

Depois de dois meses em greve, os professores retornaram às atividades no dia 4 de setembro. Desde 12 de julho passado, o magistério peruano realizou uma greve nacional considerada como “única e histórica” pelo setor, superando até a greve de 2012. Segundo dados do próprio ministério de educação, a greve foi acatada por 238.536 professores, 63,42% do magistério.

A profunda degradação do sistema educativo

 Há um enorme mal-estar no setor do magistério e na população em geral, pela degradação da educação pública, falta de orçamento e vontade política por parte dos governos para melhorar as condições do sistema educacional. Atualmente, menos de 4% do orçamento nacional é destinado à educação. As reformas educacional e do Magistério de 2013 vêm favorecendo a educação privada e a descentralização da educação, tal como vem ocorrendo em diversos países, sob recomendação do Banco Mundial.[i]

Hoje, em Lima, o número de escolas privadas de educação básica é o triplo do de escolas públicas  e em 2016, o número de professores temporários elevou-se para 140.000, correspondendo a 27% da categoria.

A maioria dos docentes recebem salário entre 200 e 500 dólares (abaixo do considerado como “mínimo vital” que é de 4.050 soles ou U$ 1.200) valor este que corresponde à reivindicação dos docentes. Além disso, o governo aumentou a jornada de trabalho integral.

As demandas dos educadores

 As reinvindicações dos educadores consistem de 8 itens, sendo os principais:

1) Aumento do orçamento destinado à Educação para 10% do PIB.  Este é um compromisso firmado no Acordo Nacional de 2002 e não cumprido pelos governos.

2) Aumento geral dos salários: o salário básico atual é de S/.1740.00 para a primeira categoria e inferior a S/.1300.00 para os contratados.  Exigem um salário de 4050 soles, de forma escalonada, até 2021.

3) Anulação do sistema de avaliações dos professores, previsto na lei de Reforma do magistério, artigo 23.  A cada 5 anos, é feita pela direção da escola, uma avaliação de desempenho[ii] em sala de aula, abrindo as portas para a demissão[iii].

4) Anulação da atual Lei Geral da Educação. Não às concessões privadas na educação; o dever do Estado é manter uma educação pública de qualidade.

Queda de braço: repressão x mobilizações

 A greve se iniciou na região de Cusco e rapidamente se estendeu por todo o pais, abarcando 18 das 25 regiões.

O Presidente Pablo Pedro Kusckinsky (PPK) não quis dar importância e deixou o pacote da greve nas mãos da nova Ministra da Educação, Marilú Martens. Ela reprimiu as mobilizações, sancionou com descontos e demissões e negociou falsos acordos com dirigentes burocraticos do SUTEP que não foram conclusivos.  Mas a greve nacional continuou, até que no início de agosto, foi declarada ilegal e se iniciou a descontar aos professores que não voltaram a trabalhar. Em resposta, as bases regionais se concentram na Plaza San Martín, em Lima.

O governo tentou ainda desmoralizar a todos, chamando os dirigentes de terroristas e ligados ao movimento Sendero Luminoso.  Finalmente, em 29 de agosto, foi emitido um decreto de urgência que permitiu demitir os docentes e substitui-los por outros.

A resposta dos professores foi mais mobilizações! Apesar da intensa repressão e enfrentamento com a polícia, 40.000 passaram a ocupar diariamente a praça San Martin, o ministério de educação e a  marchar em direção ao Congresso.

 Grande solidariedade com a greve

 A gigantesca mobilização tem sensibilizado o país inteiro, colocando o tema da educação pública no centro do debate nacional, conquistando um amplo apoio da sociedade. Têm se somado às mobilizações os jovens universitários, profissionais, grupos étnicos, a CGTP e também os pais de família, os estudantes secundaristas, as comunidades camponesas, em todos os cantos do país. Em una manifestação massiva em Cuzco, os pais de alunos cantavam: “os professores lutando, seguem ensinando os nossos filhos”.

Suspensão da Greve

 Ao final de dois meses de manifestações, tentativas de acordo, demissões e repressões de todo tipo, os professores tiveram que aceitar uma comissão mediadora, com representantes das bancadas do congresso a fim de buscar uma saída para o conflito. Em 3 de setembro, o congresso nacional extraordinário das SUTES regionais, com suas bases, decidiram suspender temporariamente a greve e ratificar o comitê nacional de luta das bases regionais como encarregado de trabalhar pelo reconhecimento do sindicato.

Reorganização no magistério pela base

 Alem dos resultados concretos conseguidos por meio da greve quanto às reivindicações dos professores, houve também um importante avanço quanto à organização sindical. Como a SUTEP nacional (dirigida pelo Partido Comunista Peruano) não se mobilizou com o magistério, as bases regionais nomearam um comité Nacional de Greve que dirigiu e impulsionou todas as mobilizações, permitindo um avanço na reorganização da categoria pela base.

Pedro Castilho, dirigente nacional do Comitê de luta, declarou:  nesta greve nacional limpamos nossa categoria. Por trás de nossas lutas não há interesse pessoal, nem social, nem político. O que nos interessa é, em seu devido tempo, reestruturar as organizações sindicais de nosso setor. Convocaremos um Congresso Nacional e veremos o destino, a organização e a institucionalização de nossas categorias.[iv].  Ele foi ratificado após a greve pelas bases regionais que o elegeram para dar continuidade à luta desses meses.

Crise política e queda do governo

 A greve acentuou a crise politica do governo de PPK após seu primeiro ano no poder. Ele vem promulgando diversas leis a favor das grandes corporações, deixando sem resposta as demandas sociais e os dramas da clase trabalhadora, como os recentes graves desastres climáticos.

Durante sua campanha eleitoral de 2016, Pedro Pablo Kuczynski havia prometido: “Necessitamos educação de qualidade. Eu reitero que o salário mínimo de professores será de 2.000 soles no primeiro ano de meu governo…”  A greve foi uma resposta contundente a sua mentira.

O prestígio do governo, em seu conjunto, diminuiu de 37% em junho para 26% em agosto, uma queda similar à do presidente Pedro Pablo Kuczynski. Durante a greve, quase todas as bancadas políticas presentes no parlamento tentaram negociar diretamente com o magistério, porém sem êxito. A oposição parlamentar, representada por Fuerza Popular (partido dos fujimoristas), obrigou a Ministra da Educação a comparecer perante o Congresso Nacional dia 8 de setembro para responder a mais de 40 perguntas sobre a sua atuação e a violência desatada durante o conflito. O Presidente teve que sair diretamente em defesa dela, mas não foi suficiente.

A crise política explodiu entre o executivo e o Congresso. Querendo demonstrar força diante do pedido de censura da ministra da Educação pela facção Fujimori no parlamento, em 14 de setembro, o primeiro-ministro F. Zavala pediu ao Congresso um voto de confiança  no governo. Mas a oposição Fujimori se recusou e ganhou maioria. Todo o governo teve que ser demitido. O presidente PPK não teve escolha senão renovar seu gabinete, nomeando, neste 17 de setembro, 6 novos e 13 ratificados com a primeira ministra  Mercedes Aráoz na liderança, quarta mulher a assumir este cargo.

Foi a força da greve do magistério que colocou o governo contra parede.  Demostrou a disposição de luta da classe trabalhadora e do povo, contra as reformas neoliberais que vem aplicando o governo de PPK, diminuindo drasticamente, assim como no Brasil, os direitos sociais adquiridos, como a educação pública.

[i]  Artigo de Rubén Ramos « el Banco Mundial y la educación en el Perú ». – https://alizorojo.lamula.pe/2012/08/16/el-banco-mundial-y-la-educacion-en-el-peru-i/saltapatras/

[ii] A pontuação ao professor vai se aplicar conforme os 12 critérios calificados como desempenho. Na avaliação se considerara também uma entrevista aos familiares dos alunos e uma prova de valoração sobre a responsabilidade e compromiso do professor com a escola.

[iii] Conforme a lei da Reforma do Magisterio, os professores que não forem aprovados, receberão uma formação de 6 meses. Caso eles não forem aprovados após duas novas oportunidades, perderão a nomeação e serão retirados da Carrera Pública do Magisterio.

[iv] Entrevista a Pedro Castillo, Presidente do Comité Nacional de Greve, por Tito Prado Portal de la Izquierda, 6-8-20-2017-http://portaldelaizquierda.com/;  reproducido em https://correspondenciadeprensa.wordpress.com/  03/09/2017