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O depoimento de Palocci e as tarefas da esquerda socialista

André Freire

Historiador e membro da Coordenação Nacional da Resistência/PSOL

Por André Freire, colunista do Esquerda Online

Semana passada, assistimos mais capítulos da “novela” interminável de escândalos de corrupção na política brasileira. Na esteira do lançamento nacional do “filme-propaganda” sobre a Operação Lava-Jato – “Polícia Federal – a Justiça é para todos”, assistimos outros capítulos desta história.

Primeiro, a prisão de Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), ex-ministro do governo ilegítimo de Temer, pego com uma fortuna de 51 milhões de reais em um apartamento em Salvador, emprestado por um empresário amigo. Um ladrão contumaz desde o tempo do velho ACM.

Depois, veio o pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF), feito pelo Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, da prisão de Joesley Batista, um dos donos da J&F, Ricardo Saud, executivo da mesma empresa e do ex-Procurador Marcelo Miller. Neste domingo, o Ministro do STF Edson Fachin, já autorizou a prisão dos dois empresários da J&F e negou a prisão do ex-Procurador.

Mas, nenhum outro fato chamou mais atenção do que o depoimento de Antonio Palocci. Até porque, a grande imprensa, especialmente a TV Globo, buscou priorizar a sua divulgação ao máximo. Palocci se encontra preso desde setembro de 2016, acusado de envolvimento direto num esquema de pagamento de propinas da Odebrecht ao PT.

Ele foi um dos principais expoentes deste partido nos últimos anos, principalmente na fase de sua relação direta com o Governo Federal. Um dos fundadores do PT foi coordenador da campanha de Lula em 2002 e de Dilma em 2010, sendo Ministro da Fazenda do governo Lula e da Casa Civil do governo Dilma. Mas, em especial, se transformou numa das principais “pontes” do PT com os grandes empresários em geral e com o mercado financeiro em especial.

O depoimento de Palocci ao Juiz Sérgio Mouro, ainda antes do fechamento de uma possível delação premiada, que está ainda em negociação, atinge diretamente Lula, Dilma e a direção do PT. Segundo Palocci, Lula teria protagonizado um “pacto de sangue” com a Odebrecht, que envolvia, entre outras “benesses”, um fundo financeiro de 300 milhões de Reais, disponíveis para Lula e o PT. Dilma teria sido informada por Lula do acordo, para que as vantagens da Odebrecht fossem mantidas no governo da ex-presidente.

Como em boa parte dos processos da Lava-Jato, Palocci não entregou provas de suas afirmações, embora seus advogados já tenham informado que ele poderia comprovar tudo que disse, caso seja fechada uma delação premiada.

Porém, seu depoimento não pode ser ignorado. Ele não é um empresário corruptor desesperado para escapar da prisão, como os donos da J&F ou da Odebrecht, ou mesmo um petista de “ultima hora”, como o ex-senador cassado Delcídio do Amaral. Na verdade, ele é um dos integrantes do “núcleo duro” petista, um dos responsáveis diretos pela relação deste partido com o empresariado nacional, o que necessariamente envolvia os esquemas de financiamento de campanhas eleitorais, legais e ilegais.

Ele está longe de ser inocente, afinal apoiou e encabeçou tudo o que o PT e seus governos fizeram nos últimos anos. Mas, até por isso, seu depoimento é muito relevante, tornando até meio ridícula a campanha de dirigentes petistas de tentar descartar as suas informações a priori.

As informações contidas nele ainda devem aguardar comprovação, mas não podem ser consideradas grandes novidades. Desde já são uma confirmação, de uma das principais lideranças deste partido, das relações promíscuas entre a direção petista e seus governos com grandes empresários. Que o PT, na sua política de alianças com os interesses das grandes empresas e com os partidos da velha direita, se transformou em partido totalmente adaptado ao regime político podre da burguesia brasileira.

O PT e Lula não podem mais ser considerados uma alternativa política para os que lutam contra o governo ilegítimo de Temer.

Unir as lutas e construir uma nova alternativa política

Não devemos acreditar que os Procurados da Operação Lava-Jato tenham o real objetivo de acabar com a corrupção na política. Esta operação é mais uma das saídas conservadoras para a crise política brasileira, por isso, eles apoiam as reformas reacionárias e uma reforma política ainda mais antidemocrática.

Portanto, cresce a discussão, diante do agravamento da crise política, sobre quais as tarefas fundamentais do povo trabalhador, da juventude e dos oprimidos? E da esquerda socialista?

Tudo deve começar por tentar colocar novamente a classe trabalhadora na cena política, em aliança com a juventude e o conjunto dos explorados e oprimidos. O governo ilegítimo de Temer e a sua maioria no Congresso Nacional, mesmo que combalidos pelos escândalos de corrupção, vão tentar aproveitar este cenário de grande confusão política para retomar a iniciativa de votação das medidas reacionárias, especialmente na reforma política e na previdência.

Portanto, nossa primeira grande tarefa é construir um calendário de unificação das nossas lutas, que começa já esta semana com a realização do dia nacional de lutas no dia 14, puxado principalmente pelos operários metalúrgicos de todo o país. E, deve ganhar ainda mais força nas campanhas salariais de grandes categorias que acontecem nos próximos dois meses.

As nossas tarefas, entretanto, não devem parar na necessidade primordial da construção de uma frente única pelo Fora Temer e suas reformas. Precisamos encarar também, e de forma imediata, a tarefa, também urgente, de construirmos coletivamente uma nova alternativa política dos trabalhadores, que enfrente a velha direita, mas que supere também a política da direção petista de aliança com os interesses das grandes empresas.

A aliança espúria que os governos petistas mantiveram com as grandes empresas está exposta todo dia na grande imprensa. É evidente que os que combatem o PT fizeram o mesmo, ou ainda pior quando estiveram no governo, com os tucanos nos governos FHC. Mas, a hipocrisia da velha direita, não pode nos fazer negar que Lula e o PT entraram completamente no “jogo sujo” da política burguesa.

A caravana de Lula pelo Nordeste não revelou somente que o líder petista mantém popularidade alta na região. Infelizmente, ela revelou também seus acordos com políticos dos partidos da velha direita, inclusive do próprio PMDB, como Renan Calheiros (PMDB-AL), um dos grandes articuladores do golpe parlamentar do Impeachment. Caso Lula viabilize sua candidatura, repetirá a defesa de um programa rebaixado e uma aliança com partidos e políticos da velha direita, repetindo e aprofundando os mesmos graves erros do passado.

Portanto, seja para agora, seja para as eleições de 2018, a esquerda socialista precisa forjar uma nova alternativa política, que tenha o compromisso de apresentar um programa anticapitalista – que comece por anular as reformas reacionárias realizadas pelo governo ilegítimo de Temer – e construir uma aliança dos trabalhadores e o povo, sem a presença de partidos e políticos ligados as grandes empresas e bancos.

Os passos concretos

Esta tarefa não pode ser encarada de forma genérica, é preciso ser muito concretos na sua construção coletiva.

Neste sentido, são muito importantes as discussões programáticas que estão sendo realizadas em todo o país, a partir da inciativa da Frente Povo Sem Medo, que lançou a proposta da Plataforma “Vamos, sem medo de mudar o Brasil” .

A esquerda socialista deve defender que este processo de discussão programática, que recém se inicia, deva desembocar numa alternativa política não só contra o governo ilegítimo de Temer, mas também contra a política da direção do PT de alianças com o grande capital.

Temos a convicção que o programa que surgirá deste processo de discussão – por mais polêmicas que temos entre nós em relação a sua formulação – não será possível de ser representado novamente pelo PT, seja nas lutas sociais seja no processo eleitoral. Por isso, necessariamente ele deve ser encabeçado por uma nova alternativa política, de independência de classe, uma verdadeira Frente de Esquerda Socialista.

No mesmo sentido, o PSOL que se construiu como o principal partido de oposição de esquerda aos governos petistas, deve encarar o desafio de lançar, se possível, ainda antes de seu Congresso, marcado para dezembro próximo, uma pré-candidatura presidencial. O momento atual exige a apresentação de uma alternativa imediata, para que os trabalhadores, a juventude e os oprimidos não fiquem reféns das falsas alternativas dos ricos e poderosos ou da alternativa da direção do PT, que já se revelou limitada e fracassada.

A formalização imediata do nome do deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), como pré-candidato do partido a Presidência da República, nos parece o melhor caminho, neste momento.

Não para fechar o debate, ao contrário, mas para ampliá-lo, seja com os outros partidos da esquerda socialista, como o PSTU e o PCB, com organizações socialistas ainda sem legalidade e, principalmente, com movimentos sociais combativos, especialmente àqueles organizados na Frente Povo Sem Medo e na Plataforma “Vamos”.

Foto: Rodolfo Buhrer/Reuters