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BRASIL

Em defesa do ensino superior público, construir com força dia 14 de setembro

Por Bruno Rodrigues, de Fortaleza (CE)

O segundo semestre de 2017 começou de forma dramática para as dezenas de instituições públicas de ensino superior existentes no país. De Norte a Sul pipocam as mais diversas notícias[1] de cortes de bolsas e nos programas de assistência estudantil, suspensão de aulas, paralisação de obras e reformas, fechamento de refeitórios, cortes no quadro de servidores terceirizados, falta de material de escritório, campi universitários sem água e sem energia, etc. Segundo dados do próprio Ministério da Educação e Cultura publicados pelo portal G1[2], pelo menos 44 das 64 universidades federais já sofrem com a redução progressiva do repasse desde os últimos anos do então governo Dilma, quando seu governo chegou a operar cortes da ordem de 16,4 BI entre 2015 e 2016, até aqui [3]. Em pelo menos 10 universidades a obstrução de repasses desse ano já superaram 20% da verba repassada às universidades ao longo do primeiro semestre do ano passado[4].

O campo da pesquisa acadêmica também não foge a regra, de modo que não constitui um exagero afirmar que estamos a beira de um apagão intelectual no país. O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) que, em 2015, geria mais de 163 mil bolsas viu essa quantidade definhar a um patamar inferior a metade do que era anteriormente ofertado, chegando nesse ano a somente 80 mil bolsas ofertadas. Mesmo as bolsas de mestrado e doutorado não escapam da tesoura do governo de turno: hoje estão sendo ofertadas apenas 8 mil bolsas, 11 mil a menos do que era ofertado em 2015[5]. O resultado é que a Associação Nacional de Pós Graduandos, com base nos números do próprio CNPq, já considera que “As aplicações das políticas de ajuste fiscal no Brasil estão eliminando milhões de reais de investimento em Ciência e Tecnologia e colocam sob o risco de desintegração o atual sistema de pós-graduação brasileiro”.

Tal descaso tem gerado bastante desconforto e indignação por parte de importantes entidades do âmbito científico como a SBPC – Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência[6]. A entidade é uma das responsáveis pela campanha “Conhecimento sem cortes”[7], que vem instalando relógios contadores batizados de “Tesourômetros” que informam de maneira atualizada o quanto as áreas da educação, ciência e tecnologia vem perdendo em investimentos desde 2015.

Esse processo de esgotamento nos orçamentos das universidades chegou a um ponto tão crítico, que boa parte das entidades sindicais da área da educação superior, bem como muitas das próprias reitorias, já falam da ameaça de um verdadeiro black-out generalizado que as universidades poderão experimentar já no fim do mês de setembro.

Governo golpista quer aproveitar o momento para abrir ainda mais as universidades para a privatização

Nesse contexto de ofensiva política e econômica da burguesia sobre os serviços públicos e de crise nas universidades e Institutos Federais, ganham força projetos como a do ex-senador e atual prefeito do RJ, o sinistro Marcelo Crivella[8], que propõe a cobrança de taxas para estudantes do ensino superior. Não é casual, aliás, que seu projeto que é de 2005, seja reapresentado ao Congresso justamente em 2015[9], exatamente no contexto político que convergiu para o golpe de agosto de 2016, a partir do qual vem desatando essa implacável onda de ataques aos direitos sociais. Propostas como essa gozam de simpatia de golpistas ilustres como o ministro do supremo, Luís Roberto Barroso[10], bem como a secretária do MEC, Maria Helena Guimarães de Castro[11], para além das indigestas figuras do MBL[12] que têm militando intensamente a favor dessa tema e, infelizmente, vem conseguindo arregimentar alguns estudantes incautos e desavisados.

Tais setores sustentam essa ideia argumentando que o atual sistema seria injusto, uma vez que os mais pobres acabam arcando com o pagamento das universidades, mas não se beneficiam desse serviço público, que acaba sendo usufruído somente pelos “mais ricos”, de modo que, uma vez que se cobre taxas daquela parcela de estudantes cujas famílias tenham renda elevada, essa “injustiça tributária” se equilibraria. Superficialmente, pode até parecer uma boa ideia a proposta de “cobrar de quem pode pagar.” Mas só parece. No fim das contas tudo isso não passa de um engodo. Uma mentira pura e cristalina.

Primeiro de tudo porque, tanto os setores da classe média como a classe trabalhadora já pagamos uma infinidade de impostos  mediante consumo de mercadorias e serviços (PIS/COFINS, ICMS, IPI…), que são recolhidos pelo governo e servem para compor a receita, dentre outras áreas, dos serviços públicos como o são as universidades. Em segundo lugar porque, segundo a Constituição Federal no parágrafo IV de seu 206° artigo, o ensino deverá ser ministrado com base nos princípios da gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. Só isso já bastaria como argumento para desautorizar qualquer tentativa de cobrança de taxas nas instituições de ensino superior.

Em terceiro lugar, porque é enganoso o argumento de que as universidades são algo como “antros de playboys”, tal como insinuam as insidiosas campanhas publicitárias do MBL, por exemplo [13]. Na verdade, a grande burguesia (os grandes proprietários de terras, de bancos, industria e comércio), que é um setor social que está muito acima da classe média, envia seus filhos para estudarem em grandes universidades no exterior. Não à toa o próprio ministro Mendonça Filho acabou de lhes prestar uma nobre gentileza ao inaugurar uma universidade em Miami, no ano passado[14], por exemplo.

Em quarto lugar, a grande burguesia é quem de fato “pode pagar”, uma vez quem estes são os maiores sonegadores de impostos, recebedores de desonerações tributárias e devedores da união [15].

Além do que, a cobrança de taxas, mesmo que na forma de anuidade abriria um precedente grave, uma vez que o princípio da gratuidade seria violado, o que abriria a porteira para que em seguida passem a cobrar taxas na forma de semestralidade e, em seguida, como mensalidade. Ao mesmo tempo, serviços como estacionamento, biblioteca, prova de segunda chamada, etc, também estariam passíveis de cobrança em instituições onde ainda não são. Para quem quer tornar tudo em lucro, talvez nem o céu seja o limite. E com os sucessivos ataques à assistência estudantil, as condições de permanência diminuirão cada vez mais, ocasionando evasão dos estudantes mais pobres, uma vez que serviços como RU, bolsas, auxílios, e residências tenderão a acabar, de forma que só conseguirão se manter na universidade somente “quem puder pagar”.

Assim, sob essa cortina de fumaça de “combater a injustiça tributária de que os pobres pagam para os ricos estudarem” querem botar parte da conta nas costas de classe média brasileira, ao mesmo tempo que, paulatinamente, os mais pobres irão sendo enxotados dela. É como se, no fim das contas, uma estaca estivesse sendo mortalmente cravada no coração da universidade pública.

Entrar de cabeça na construção do dia 14/09, dia nacional de luta pelos direitos sociais e pela universidade pública.

Infelizmente, uma parte dos movimentos sociais, sobretudo aqueles setores vinculados ao lulismo e ao petismo, optaram por frustrar a possibilidade da derrubada imediata de Temer, nas ruas e através da mobilização popular, para o fazerem somente através das próximas eleições, aguardadas para 2018. Pior ainda é que, em caravana eleitoral pelo Nordeste, Lula não teve escrúpulos em chamar ao seu palanque nomes como o de Renan Calheiros, oligarca e senador das Alagoas, bem como Jaques Bernardes, governador de Sergipe, ambos do PMDB. Nesse ínterim, Lula e os demais caciques do PT também já avalizaram apoio a Kátia Abreu, cujo sangrento currículo dispensa apresentações, ao governo de Tocantins ao mesmo tempo que não pouparam elogios públicos ao ministro Henrique Meirelles, homem forte do governo Temer e figura chave por trás das principais medidas econômicas em curso, como os atuais processos de privatização da Eletrobras e Casa da Moeda.

Foto: Brasil 247

Seguir por esse caminho é um desserviço completo porque ele significa que pode-se confiar de olhos vendados que os golpistas respeitarão as regras do jogo eleitoral republicano, além de os deixar de mãos livres para seguir com o rolo compressor em marcha acelerada sobre nossos direitos até 2018. Quem em sã consciência e lucidez política pode confiar em instituições chefiadas por nomes como o Gilmar Mendes, Eunício Oliveira, Rodrigo Maia? Quem em são consciência e lucidez política pode subestimar que um governo capaz de medidas perversas como a reforma da previdência, pode garantir que haverá eleições em 2018 e que Temer entregará de bom grado a faixa presidencial a seu sucessor vitorioso nas eleições de 2018 [16]?

Não há possibilidade de se derrotar Temer, Mendonça Filho, Henrique Meirelles e toda essa quadrilha de golpistas encastelada em Brasília, senão retomando o caminho da mobilização já traçado no semestre anterior. Assim, esse segundo semestre precisará ser de redobrada resistência política, em particular nas universidades. Cada curso, centro e departamento acadêmico precisam se converter em trincheiras contra a ofensiva privatizadora em andamento.

Foto: Portal vermelho

Em reunião nacional no último dia 22/08, o ANDES deliberou por paralisação de todas as Instituições Federais de Ensino no próximo dia 14/09 [17], seguindo o calendário de mobilização encabeçado pelos trabalhadores metalúrgicos. No mesmo sentido farão as entidades de servidores públicos das universidades federais[18], mas também outras categorias como metroviários e petroleiros[19]. Poderá estar nesse próximo dia nacional de mobilizações agendado para o dia 14/09, a possibilidade de retomar o fio de continuidade das mobilizações populares, rompido no semestre anterior. Entretanto, temos pouco tempo. Até lá, entremos de cabeça em sua construção, para que este seja um grande dia de defesa do ensino superior público.

NOTAS:
[1] Sem dinheiro, universidades federais demitem terceirizados, reduzem consumo, cortam bolsas e paralisam obras
[2] Quase 70% das universidades federais tiveram cortes no Orçamento entre janeiro e junho
[3] Ministério da Educação sofre bloqueio de R$ 4,3 bilhões no orçamento
[4] Veja o impacto do corte de verbas em universidades e institutos federais de 14 estados
[5] CNPq paga 45% menos bolsas de mestrado e doutorado em 2017 comparado com 2015
[6] SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA
[7] Conhecimento sem cortes
[8] Senador propõe cobrança em universidade federal
[9] Projeto de Lei do Senado n° 782, de 2015
[10] “Precisamos conceber uma universidade pública nos seus propósitos, mas autossuficiente no seu financiamento”  (Luís Roberto Barroso, ministro golpista do STF, em artigo no jornal O Globo do dia 15/01/17)
[11] Secretária do MEC defende veementemente a cobrança de mensalidades em universidades públicas
[12] MBL lança campanha por cobrança de mensalidade em universidades públicas
[13] Cresce índice de alunos negros e de baixa renda nas faculdades federais
[14] Universidade para brasileiros é inaugurada nos Estados Unidos
[15] Como não pagar IPVA
[16] Não haverá 2018
[17] Setor das Federais define paralisação em 14 de setembro
[18] Nota de Conjuntura e Chamado à Categoria para Jornada de Lutas
[19] Ataques não passarão: dia nacional de lutas em 14/9, marcado pelos metalúrgicos, ganha adesão de outras categorias