Primárias argentinas: uma primeira análise
Publicado em: 16 de agosto de 2017
Por: Renato Fernandes, de Campinas, SP
Nesta terça-feira (15), o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, fez uma visita à Argentina. Em um dos seus discursos, na Bolsa de Valores, parabenizou “as reformas políticas e econômicas” do governo neoliberal do presidente Mauricio Macri e disse que o “modelo da Argentina é o futuro” de toda a América Latina.
Essa visita, para Macri, aconteceu numa boa hora: nas primárias disputadas no último domingo, 13, a coalizão Cambiemos do presidente ganhou em 12 das 24 províncias do país. Os emblemas dessas primárias foram a vitória do ministro da educação Esteban Bullrich (34,19%) nas eleições para o senado sobre a ex-presidenta Cristina Kirchner (34,11%) na província de Buenos Aires e a ampla vitória da lista ligada a Cambiemos e encabeçada por Lilita Carrió na capital Buenos Aires com 49,55% frente a lista de Union Porteña (peronistas ligados a Cristina) com 20,73%.
Dois elementos são centrais para compreendermos as primárias e também o entusiasmo de Pence com a Argentina. O primeiro, e mais importante, é que o giro neoliberal no campo eleitoral parece se consolidar na Argentina e fortalece as frações políticas burguesas que defendem as políticas de austeridade e de retirada de direitos como a contrarreforma trabalhista que já está sendo discutida no país. Esse fortalecimento é regional: Temer no Brasil, a direita venezuelana, entre outras frações políticas que são expressão concreta deste giro nos governos latino-americanos. É justamente o fortalecimento desta fração política que tanto entusiasma Pence e setores da burguesia imperialista.
O segundo elemento é que o peronismo está dividido e sem uma liderança capaz de unificá-los. Essa divisão não é de agora, porém se aprofundou nos governos Kirchner (2003-2015). Na maior parte das províncias, a maioria da população votou nos setores peronistas: a Unidade Ciudadana (Kirchner), 1País (Sergio Massa) e do Partido Justicialista (Florencio Randazzo) ganhariam as eleições. Apesar da vitória nacional de Cambiemos, a projeção realizada a partir das primárias é que a lista oficialista consiga 104 deputados enquanto o peronismo unificado conseguirá 137 do total de 257.
É por isso que todos os setores da oposição, incluindo o peronismo, farão campanha com a ideia de que a maioria da população argentina votou contra “o governo e a austeridade”. É importante ressaltar que os setores peronistas, em determinado sentido, foram vítimas das suas próprias políticas. Tanto na Câmara de Deputados, quanto no Senado são os setores peronistas que estão garantindo a aprovação das principais medidas do governo de Macri. Esse apoio velado em nome da governabilidade do país parece ter sido castigado nas urnas e fortalecido ainda mais a coalização governamental. Porém, isso ainda são as primárias e até outubro, data das eleições oficiais, ainda tem muita coisa para acontecer.
As eleições na esquerda socialista
É neste marco do fortalecimento da fração política governamental e da divisão do peronismo que devemos localizar os resultados da esquerda socialista e radical: de um lado a Frente de Izquierda y de los Trabajadores (FIT), composta pelo Partido Obrero (PO), o Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) e a Izquierda Socialista (IS) e do outro lado, a Izquierda al Frente por el Socialismo (IAF), composta pelo Nuevo MAS e o Movimiento Socialista de los Trabajadores (MST).
A FIT obteve quase 1 milhão de votos em todo o país, crescendo 30% em relação a PASO de 2015. Ao todo a FIT ou seus partidos componentes se apresentaram em 22 províncias, conseguindo em 21 dessas passar o piso proscritivo de 1,5%. Em algumas delas, como Jujuy, obteve 12,55% na lista de deputados, duplicando os resultados obtidos em 2015. Na província de Santa Cruz, governada por Alicia Kirchner, cunhada de Cristina, a FIT obteve 8,25%, colocando-se como terceira força política da província. Em Córdoba, a FIT conseguiu 4,32%, enquanto em Neuquén obteve 6,7%.
Em Buenos Aires, os números da FIT foram mais baixos e muito próximos para garantir, se repetirem a votação em outubro, um deputado para a FIT: 3,62% na província e 3,79% na capital. Apesar deste crescimento na votação, que é importante, as projeções para a FIT não são das melhores: ao contrário do anunciado no início das eleições, a projeção atual é que a FIT consiga apenas um deputado, mantendo o mesmo número no parlamento – caso não consiga aumentar as votações entre as primárias e a eleição oficial.
A IAF não teve o mesmo sucesso da FIT, apesar de que devemos considerar que houve um crescimento da votação dos dois partidos que compõem a frente: comparando com 2015, no qual os dois estavam separados, subiu a votação de quase 200 mil para quase 300 mil votos nacionais. No total, foram 12 províncias em que conseguiram passar o piso proscritivos se considerarmos todas as regiões nas quais a IAF ou um de seus partidos componentes participaram (sendo que na província de Santa Fé, o MST compôs a Frente Social y Popular com organizações neorreformistas).
O principal revés da IAF aconteceu em Buenos Aires: na província, Manuela Castañera ficou com 1,14%, enquanto na capital Alejandro Bodart conseguiu quase 1% não conseguindo ultrapassar o piso proscritivo. Uma das razões dessas derrotas no terreno eleitoral está na hegemonia da FIT, que está muito mais consolidada e também a novidade que é a IAF. No entanto, algumas derrotas têm explicações particulares, como a votação em outras listas de esquerda, como a encabeçada por Luis Zamora de Autodeterminación y Libertad (AyL) que disputou na capital em Buenos Aires tendo obtido 3,69%, superando a PASO e capturando votos da esquerda socialista e radical.
Uma primeira conclusão a se tirar é que o espaço da esquerda radical e socialista em todo país é expressivo, dado que esse espaço é ocupado por organizações que se reivindicam trotskistas. É nesse sentido que, com mais força que antes, as eleições primárias demonstraram a necessidade de maior unidade entre essa esquerda socialista e radical. A unidade de forças entre FIT e IAF poderia significar muito mais do que os quase 1,3 milhões de votos que conseguiram separadas – esse índice é de aproximadamente 5,4% do eleitorado que participou da PASO (pouco mais de 24 milhões).
Poderiam ser uma alternativa política eleitoral para o país neste momento em que, apesar de reforçada, a direita neoliberal não detém a maioria do país e o peronismo está dividido. Essa unidade, que para nós deve ir para além das eleições e se expressar em outras lutas políticas e sindicais, seria um grande passo em frente num momento que o imperialismo busca avançar ainda mais sobre nossas economias como declarou abertamente Mike Pence. Além disso, essa unidade mais ampla seria um grande exemplo para esquerda socialista e radical internacional que tem suas esperanças jogadas neste espaço construído e conquistado pela esquerda argentina.
Top 5 da semana

brasil
Prisão de Bolsonaro expõe feridas abertas: choramos os nossos, não os deles
brasil
Injustamente demitido pelo Governo Bolsonaro, pude comemorar minha reintegração na semana do julgamento do Golpe
psol
Sonia Meire assume procuradoria da mulher da Câmara Municipal de Aracaju
mundo
11 de setembro de 1973: a tragédia chilena
mundo