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EDITORIAL

C-Star: quando o neofascismo se lança ao mar

 

 

Renato Fernandes, Campinas (SP)

 

Pescadores em Nasri, Tunísia, mobilizados contra o C-Star; Crédito: Fathi Nasri

 

C-Star é um navio de porte médio, 40 metros, navegando no Mar Mediterrâneo. A bordo estão militantes da extrema direita do grupo neofascista Génération Identitaire (Geração Identitária). O objetivo deles é fazer com que os botes e barcos com imigrantes vindos da África retornem para lá, impedindo dessa forma a entrada dos mesmos em território europeu. Isso faz parte de uma missão intitulada “Defender a Europa” organizada por militantes italianos, alemães e franceses que arrecadou € 76 mil numa “vaquinha virtual” (crowdfunding). O discurso deles é humanitário, já que estariam “combatendo o tráfico humano”.

Esses militantes da extrema direita tentam passar a ideia que eles combatem os navios e barcos das Organizações Não-governamentais (ONG), como a dos Médicos Sem Fronteiras, que prestam auxílio e ajudam os imigrantes na travessia desumana que fazem pelo Mar Mediterrâneo que muitas vezes acaba em tragédia. Um desses militantes neofascistas, em vídeo divulgado na internet, acusa as ONG’s de permitirem a entrada ilegal dos imigrantes em território europeu, sendo cúmplices do tráfico humano e dizem que a missão deles é conduzir os imigrantes “para a costa africana”.

 

Quem é a Geração Identitária?

 

O movimento Geração Identitária é em determinado sentido a continuação de movimentos neofascistas europeus dos anos 1990 e 2000. Criado em 2012, o movimento ganhou projeção nacional com a ocupação de uma mesquita, em outubro do mesmo ano, na região francesa de Poitiers. O local foi escolhido, pois em 732, o general Charles Martel venceu os muçulmanos na região

A partir de então, o movimento foi aumentando como produto da crise econômica e social que atravessa a França desde 2008/9 e também como fator de crescimento das ideias dos nacionalistas de extrema direita, cuja principal expressão é o partido Front National (FN) e sua candidata Marine Le Pen que foi derrotada no segundo turno das últimas eleições presidenciais.

Entre as principais atividades que a Geração Identitária faz estão a “Geração Solidariedade” que distribui alimentos para moradores de rua franceses (não-imigrantes) em cidades como Paris, Lyon, Flandres, entre outras. A atividade da “Geração anti-escória” (anti-racaille) é uma atividade para promover treinamento de auto-defesa contra a “falência” do Estado francês em garantir segurança, além de vigílias contra a “escória” em metrôs de grandes cidades. Realizam também protestos, como o de março de 2016 em Calais, onde bloquearam durante 3 horas a estrada que ligava a cidade de Calais, ao norte do país, com o grande acampamento de imigrantes que existia no local.

Todas essas ações demonstram que a Geração Identitária não é um simples movimento de disputa da democracia burguesa. Suas ligações com a FN são óbvias, porém eles são um movimento independente do partido da extrema direita. O projeto deles é claramente neofascista: utilizar-se de métodos violentos e antidemocráticos para garantir uma “França para os franceses”.

 

Um barco ilegal e a necessária resposta democrática

 

Os pescadores de Zarsis, no sudeste da Tunísia, organizaram-se para impedir que o C-Star atracasse no porto da cidade, no dia 7 de agosto. Seguindo essa política, a principal central do país, a União Geral dos Trabalhadores Tunisianos (UGTT) lançou um apelo no mesmo dia para que nenhum trabalhador deixasse o C-Star atracar em portos do país. Desde então, a embarcação está parada nas costas tunisianas, já que a mesma não consegue atracar em nenhum porto da região.

Conforme relata o jornal francês Le Monde, do ponto de vista do direito marítimo internacional, toda a operação do C-Star é ilegal, incluindo as manobras que realizou próximo ao navio Aquarius (ligado a ONG SOS Mediterrâneo), em 5 de agosto, que poderia ter causado um acidente marítimo.

Mesmo que temporariamente derrotados, é necessário observar a força que esse neofascismo vem ganhando na Europa a ponto de saltar de “pequenas ações” em seus países para grandes ações nos mares por meio de uma arrecadação coletiva. Além disso, é necessário exigir a abertura das fronteiras europeias pois, ao contrário do que pensam esses neofascistas, nenhum ser humano é ilegal!