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BRASIL

Rio de Janeiro: decadência econômica, crise política e colapso dos serviços públicos (Parte II)

Por: Adriano Zão[1], do Rio de Janeiro, RJ

A seguir, publicamos a segunda parte de um artigo sobre a grave situação do estado do Rio de Janeiro, marcado por decadência econômica, crise política e colapso dos serviços públicos. Confira também a primeira parte, publicada aqui, no Esquerda Online, em 23 de junho.

Composição da Folha de Pagamento e Crise Fiscal no Rio de Janeiro
Vinculada a repetição insistente dos processos de corrupção como motores da crise econômica e social fluminense foi gestada a chamada “crise fiscal”. Nos meios de comunicação de mercado, as medidas de austeridade adotadas no âmbito do estado surgem de maneira didática como a busca do “equilíbrio” necessário entre a “arrecadação” e as “despesas” do governo. Na “pedagogia” dos meios de comunicação é recorrente a associação com a economia doméstica, onde toda “dona de casa” sabe que não é possível gastar mais do que recebe e, quando o que se recebe não é suficiente para a própria sobrevivência, recorre-se aos “cortes”.

Essa é outra maneira de turvar a realidade, apresentar “soluções” que nada solucionam e indicar aos trabalhadores dos serviços públicos – e a classe trabalhadora de maneira geral – que não há outra solução além de abrir mão de direitos e aceitar mais “sacrifícios”.

O atraso sistemático dos salários dos servidores públicos, de aposentados e de trabalhadores terceirizados; a ausência de manutenção e de insumos básicos que inviabilizam o funcionamento de hospitais e clínicas, de universidades e escolas e que deixam parcela significativa da população sem qualquer perspectiva de atendimento de necessidades básicas, são os aspectos mais dramáticos do colapso dos serviços públicos no estado.

Mas, quais seriam os motivos da “crise fiscal”?
Segundo a Secretaria de Estado de Fazenda e Planejamento (SEFAZ), em estudo publicado em março de 2017, o estado fluminense contava no poder executivo com 214.557 servidores na ativa – sendo 179.177 ligados à administração direta e 35.380 à administração indireta – correspondendo a 46,39% do total de vínculos de pessoas remuneradas pelo estado, representando 48,47% do total da folha de pagamento. Os servidores da ativa tiveram como média remuneratória R$ 4.720,44, totalizando pouco mais de R$ 1,012 bilhão mensais nesse segmento.

O número de servidores aposentados é da ordem de 156.459, correspondendo à 33,83% de pessoas remuneradas pelo estado, absorvendo 36,73% da folha de pagamento, alcançando, em valores absolutos, R$ 767.598.196,31, com uma remuneração média de R$ 4.906,07 mensais. No cômputo geral, ingressaram ainda 89.441 pessoas com direito à pensão previdenciária, representando 19,34% do total e, em valores absolutos, R$ 303.736.469,39, ou 14,54% da folha, com média remuneratória de R$ 3.395,94. Restam ainda, 2.077 pessoas que recebem pensão especial, ou 0,45% do total, demandando recursos na ordem de R$ 5.421.595,99 (0,26% da folha), com média salarial de 2.610,30.

Pelos números apresentados pelo governo, alcançamos o total de 462.534 pessoas vinculadas ao executivo e remuneradas pelo estado, entre trabalhadores públicos ativos, aposentados e pensionistas. A folha mensal de pagamentos é de R$ 2.089.558.945,23, com média remuneratória de R$ 4.517,63. Os dados estão sistematizados na planilha e gráfico disponibilizados abaixo:

Número de Vínculos e Valor da Folha por Situação[2]

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A partir destes dados gerais, consideramos importante uma aproximação da composição orgânica da folha de pagamentos do estado, isto é, pretendemos identificar em quais secretarias estão concentrados o maior número de servidores e qual a parcela de valores destinadas às diversas atribuições, próprias de cada órgão. Do nosso ponto de vista, isto permite uma avaliação mais qualitativa sobre a dinâmica, as prioridades e a alocação (valorização) de recursos adotadas pelo Executivo e pelo Estado nos últimos anos. Por razões sociais e de políticas públicas procederemos à comparação entre os órgãos vinculados à segurança e repressão, particularmente a Policia Militar do Rio de Janeiro (PMRJ), em contraste com as áreas de educação, saúde e trabalho.

Os valores destinados à remuneração dos trabalhadores públicos lotados na PMRJ consomem a maior parcela de recurso para fins de remuneração. A PMRJ conta com 46.375 servidores na ativa e 25,326 aposentados, totalizando 71.701 servidores lotados nesse órgão. Desde 2003, houve um crescimento de quase 10 mil policiais atuando no estado do Rio de Janeiro.[3] A folha mensal dos 46.375 servidores da ativa soma R$ 268.125.925,32. Ao agregarmos os 25,326 servidores aposentados, a folha destinada ao órgão salta para quase meio bilhão de reais (R$ 492.132.752,92). Para se ter ideia do que isso significa, a Secretaria Estadual de Educação (SEEDUC) é o órgão que tem o maior número de servidores na ativa, constando 80.723 trabalhadores, mais de 74%, portanto.

Não obstante, o valor total destinado à remuneração dos educadores é da ordem de R$206.072.558,21. Assim, enquanto a média remuneratória dos servidores ativos na PMRJ é de R$ 5.781,69, a média de salários na SEEDUC fica em R$ 2.552,83, ou seja, comparativamente, a remuneração per capta representa apenas 44% da anterior, menos que a metade. Essa diferença relativa agiganta-se ainda mais quando consideramos o total da folha, incluindo os trabalhadores aposentados.

Assim, aos 80.723 lotados na SEEDUC acrescentamos mais 83.691 aposentados, totalizando 164.414 remunerações sob a rubrica desta secretaria, com o valor total de R$ 428.264.640,88. Ao considerarmos os servidores aposentados, a média salarial deste segmento fica em R$ 2.604,79. Ao procedermos a mesma operação com os dados da PMRJ e incorporarmos as aposentadorias, obtemos uma média remuneratória de R$ 6.863,68. Os salários dos educadores representam, portanto, menos que 38% dos valores percebidos na PMRJ.[4] Por razões evidentes, a PMRJ é também um dos segmentos onde está mais concentrado o pagamento de pensões especiais, com 571 beneficiários, totalizando R$1.088.364,57, o que representa 20,44% do total das pensões especiais distribuídas entre todos os órgãos do executivo estadual.[5]

O quadro beira ao abismo quando comparamos esses números com os da saúde pública, outro importantíssimo serviço a ser prestado pelo estado, cuja demanda popular salta do drama ao desespero. A Secretaria de Estado de Saúde (SES) tem apenas 11.700 trabalhadores ativos e 9.067 aposentados, com uma folha total de RS 36.774.406,71 mensais. A média salarial, nesta secretaria, é de apenas R$ 1.770,80. Esses dados indicam o elevadíssimo grau de precarização, terceirizações e privatização dos serviços públicos de saúde ao longo dos últimos anos.

O estado possui enorme carência habitacional e parte significativa da população vive em “aglomerados subnormais”, principalmente na capital e região metropolitana. Contudo, a Secretaria de Estado de Habitação (SEOBRAS), dispõe de apenas 306 servidores. No mesmo sentido, com o quadro alarmante de desemprego, que atinge o país e o estado, a Secretaria de Estado de Trabalho e Renda (SETRAB) conta com apenas 219 trabalhadores ativos, a média de remuneração no setor é de R$ 2.867,71. Em contrapartida, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP), conta com 6.196 servidores na ativa, número 28 vezes maior, com média de vencimentos da ordem de R$ 6.248,37.

A Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento (SEAPPA), que deveria ser estratégica para promoção do desenvolvimento econômico e segurança alimentar em diversas regiões do estado, dispõe de apenas 472 servidores na ativa. Elemento a ser considerado ao verificarmos a baixíssima participação agrícola na composição do PIB do estado, de apenas 0,5% como apontamos.[6]

Esses dados apenas comprovam, com eloquência, a composição repressora e o elevado grau de truculência do Estado fluminense.[7] Em outros termos, a maior parte dos valores alocados em recursos humanos no estado e as mais elevadas remunerações são dirigidas à vigilância e repressão. Em contrapartida, as áreas e setores fundamentais para promoção de qualidade de vida e desenvolvimento econômico, como educação, saúde, trabalho, habitação e desenvolvimento agrícola recebem recursos humanos escassos e remuneração anêmica.

Outro argumento, mobilizado pelos meios de comunicação de mercado, pelos distintos representantes do governo e empresários se refere ao suposto aumento dos gastos com o pagamento do funcionalismo público.  Em 1º de março de 2016, a folha de pagamento vinculada a administração direta e indireta contava com 227.394 servidores na ativa e 153.271 aposentados, representando respectivamente, R$ 1,051 bilhões e R$ 723,83 milhões, totalizando R$ 1.775 bilhão. Em 1º de março de 2017, os servidores da ativa eram 214.557 e os aposentados 156.459, e os valores despendidos com remuneração foram, respectivamente, R$ 1.012 bilhões e R$ 767.6 milhões, resultando em R$ 1.780 bilhões. Ou seja, as variações ao longo de um ano não foram significativas.

Abstraindo as discrepâncias salariais no interior das distintas categorias e órgão do estado e as diferenças que observamos em relação à média dos vencimentos da PMRJ e SEAP em relação à remuneração média dos servidores lotados nas secretarias de educação e saúde, dentre outras, em 1º de março de 2016 a média remuneratória do funcionalismo estadual era de R$ 4.371,86 e em fevereiro de 2017, R$ 4.471.17. Ou seja, o acréscimo médio não alcançou sequer R$100,00. Como a inflação oficial no ano de 2016 foi de 6,29%, a diferença não repõe sequer a metade das perdas salariais provocadas pela inflação do período.[8] As razões, portanto, do agravamento de uma suposta “crise fiscal” devem ser problematizadas.

Peso tributário sobre a renda do trabalho e o consumo das famílias e isenções fiscais bilionárias para grandes empresas

Enquanto o funcionalismo e trabalhadores terceirizados não recebem salários e a população fluminense enfrenta o colapso dos serviços públicos, apenas entre os anos de 2008 e 2013, o governo do estado deixou de arrecadar R$ 138,6 bilhões, somente com a isenção de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) concedida à grandes empresas.[9] É relevante destacar que foi justamente nesse período que o governo contraiu diversos empréstimos com instituições financeiras, turbinando a dívida pública estadual.

A realidade, portanto, é que nos defrontamos com uma política fiscal, patrocinada pelos governos do PMDB (Cabral/Pezão) – com a participação e anuência do PT e do PCdoB – que nos últimos anos reproduziu e ampliou as desigualdades sociais. Enquanto os trabalhadores são privados de serviços públicos essenciais como saúde e educação, têm o imposto descontado diretamente da sua fonte de renda e são, ao mesmo tempo, onerados com os tributos repassados ao consumo, as grandes empresas foram beneficiadas com isenções fiscais bilionárias.

Nesse sentido, mais uma vez, o Rio de Janeiro reproduziu, de maneira hipertrofiada, a lógica que rege o sentido atribuído ao Estado pela burguesia brasileira: o de patrocinar e assegurar o desenvolvimento de empresas privadas por meio de recursos públicos, seja por meio de contratos de obras e serviços com o estado, financiamentos privilegiados com bancos públicos e isenções fiscais.

As fontes de arrecadação do estado e o peso da produção do petróleo e gás natural
Apresentaremos alguns dados e elementos que permitem uma aproximação da evolução das receitas do Rio de Janeiro na última década. Previamente, cabe esclarecer que nos baseamos em dados oferecidos pelo governo em documento intitulado “Série Histórica Receita até março 2017”. Nos dois últimos anos o total da arrecadação é apresentado subtraindo percentuais que foram transferidos para os municípios.

Para efeito de análise e exposição, tomaremos as fontes e os valores dos principais ingressos do estado, independente das deduções, uma vez que o objetivo principal é identificar a origem e a proporção do montante arrecadado, sua evolução e possíveis flutuações ao longo dos anos. Por outro lado, as transferências realizadas para os municípios também ingressam, por outros meios, na totalidade da economia fluminense.

Desta forma, ainda que os dados possam exibir algum nível de distorção, em linhas gerais eles permitem uma aproximação estrutural, de médio e longo prazo e, por este meio, pretendemos, também, descortinar as linhas gerais que estão na origem do que se tenta popularizar como crise fiscal.

Excluindo as transferências obrigatórias da União e fatores sazonais ou especificidades (legislação e isenções tributárias), os elementos de maior peso na composição fiscal do estado estão estruturados nos impostos sobre circulação de mercadorias e serviços, nos dividendos com origem na extração e produção de petróleo e gás e, figurando sempre com alguma importância, o Imposto de Renda Retido nas Fontes sob o Rendimento do Trabalho. Dessa tríade, proporcionalmente, a que mais sofreu decréscimo nos últimos dois anos foi justamente as receitas com origem nas diversas tributações e compensação por exploração de petróleo e gás.

Segundo a Série Histórica de Receitas do estado, no ano de 2016 o total da arrecadação desta unidade federativa foi da ordem de R$ 50,685 bilhões, já deduzidas as transferências financeiras para os municípios.[10] Do total de ingressos nesse ano, R$ 35,19 bilhões tiveram origem em tributos relacionados a circulação de mercadorias e serviços. Ou seja, a maior parcela de arrecadação do estado teve origem no Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.[11] Os dividendos sobre a extração e produção do petróleo e gás somaram R$ 3,499 bilhões, a segunda maior fonte de arrecadação, em termos absolutos.[12] O terceiro maior ingresso se refere ao “Imposto de Renda Retido nas Fontes Sobre os Rendimentos do Trabalho”, atingindo R$ 3,072 bilhões.

Cabe destacar que em 2016 a quarta maior fonte nominal de recursos do estado foi inscrita sob a condição de “Auxílio Financeiro: Medida Provisória 734/2016”, no valor de R$ 2,9 bilhões. Trata-se de MP do então “governo interino” de Temer que, em edição extraordinária do Diário Oficial da União, justificou que os recursos seriam destinados, unicamente, para “auxiliar” despesas com a segurança pública do Estado, em decorrência da realização dos Jogos Olímpicos de 2016. A orientação clara na exclusividade da aplicação dos recursos em “segurança para as Olímpiadas” foi ditada à revelia dos demais serviços e interesses públicos, como saúde e educação, que já naquele período submergiam em pleno colapso.

Em 2015, a arrecadação, deduzidos os repasses e transferências para os munícipios, foi de R$ 62,129 bilhões. Pouco mais de R$ 35 bilhões foram resultado de cobrança de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).[13] Os recursos que ingressaram como resultado da produção de petróleo e gás foram da ordem de R$ 5,298 bilhões, enquanto o Imposto de Renda Retido nas Fontes sobre os Rendimentos do Trabalho acrescentou aos cofres do Estado R$ 2,852 bilhões, figurando como a terceira maior fonte, em termos absolutos, na composição da receita fluminense.

Contudo, nos anos imediatamente anteriores à 2015, os valores obtidos com a exploração do petróleo foram ainda mais expressivos. Nos últimos 10 anos, as maiores arrecadações do estado foram observadas nos anos de 2013 (R$ 76,635 bi) e 2014 (R$ 82,560 bi).[14] Em 2013, as receitas com origem em diversas taxas referentes à participação do estado na exploração do petróleo e gás natural somaram mais de R$ 8,226 bilhões. No ano seguinte (2014), a arrecadação total com essas divisas foi ainda maior, alcançando R$ 8,773 bilhões.[15]

Em 2008, ano em que a mais recente crise econômica do capital ganhou maior dimensão, a arrecadação total do estado foi da ordem de R$ 40,429 bilhões, sendo os tributos relacionados à exploração do petróleo e gás de R$6,719 bilhões. Em 2009, ano em que os efeitos da crise internacional se manifestaram mais acentuadamente no Brasil, o total da arrecadação fluminense foi da ordem de R$ 42,169 bilhões.

Desse total, mais de 10% da receita, R$ 4.886 bilhões, foi composta por tributos relativos a exploração do petróleo e gás natural, ficando, contudo, quase R$ 2 bilhões abaixo do ano anterior. Em 2016, os valores sofrem queda ainda mais acentuada, atingindo apenas R$ 3,499 bilhões. É significativo que esses ativos tenham se aproximando muito dos ingressos referentes ao imposto sobre a renda do trabalho que, no mesmo ano, somaram R$ 3,072 bilhões. Em 2016 foi verificado a pior arrecadação referente à exploração do petróleo desde 2003.

Mas a queda da arrecadação do estado com a exploração desse produto não ocorreu apenas em termos nominais e absolutos. Ela é ainda de muito maior proporção. É preciso considerar que os dividendos referentes aos royalties e outras compensações relacionadas à exploração da camada do pré-sal só passaram a compor as receitas do estado em 2012. Desde então, a produção é crescente no estado do Rio de Janeiro e, inversamente, as receitas decrescentes.

Para se ter ideia, em dezembro de 2016, apenas o campo de Lula, localizado na bacia de Santos, no litoral fluminense, foi responsável por 26% da produção nacional de petróleo e 38,4% da produção do estado. Sendo igualmente responsável, no quadrimestre de julho a outubro de 2016, por 38,1% de toda a produção nacional de gás natural. No terceiro quadrimestre de 2016, a participação fluminense na produção total de petróleo e gás natural brasileira (em barril de óleo equivalente) foi de 62,76%, enquanto que no quadrimestre anterior este valor foi de 60,93%.[16]

Ou seja, embora tenha incrementado substantivamente a produção e todo o impacto negativo inerentes à exploração do produto, as receitas “compensatórias” para os danos ambientais e socioeconômicos diminuíram significativamente. Essa queda, evidentemente, está diretamente relacionada às diretrizes de ordem macroeconômicas, como a definição mundial do preço do barril do petróleo, cotado em dólar, e as flutuações na taxa de câmbio.

Os próximos três gráficos permitem uma comparação entre o aumento da produção, a queda do preço do barril do petróleo e a dinâmica de arrecadação de taxas relacionadas ao produto no estado e que acompanha, em grande medida, a queda dos preços no mercado mundial.

Produção do Pré-Sal

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Variação do Preço do Petróleo (bruto Brent).[17] 14

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A crise política da representação burguesa não detém os interesses da classe dominante e os ataques aos trabalhadores
Os grandes veículos de comunicação de mercado procuram vender a ideia de que medidas “amargas” são necessárias e que a raiz da crise do estado reside na “irresponsabilidade, ineficiência e despreparo” na gestão “pública” aliada à vasta corrupção. O ex-governador Sérgio Cabral, o atual chefe do executivo, Luiz Fernando Pezão, o presidente licenciado da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, e a maioria dos deputados da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) encarnam, com maestria, vários desses traços. Eles personificam no governo a representação de uma burguesia decadente, com elevado nível de degradação e parasitismo social.

O governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), apesar de profundamente desgastado, colecionando elevados índices de impopularidade e com o seu mentor e patrocinador, Sérgio Cabral, encarcerado, persiste em “governar” o estado e mantê-lo fiel aos interesses das grandes empresas e do sistema financeiro. Mesmo com toda a crise política e com as greves e manifestações do funcionalismo público, sitiou a Alerj com tropas de choque da PM e com o auxílio da Força Nacional de Segurança para permitir que a maioria dos deputados aprovasse o aprofundamento dos ataques à classe trabalhadora e aos serviços públicos.

Assim, baseado na força e truculência características no emprego da PM para reprimir os movimentos sociais, aprovou a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgoto (CEDAE) e, no último dia 24 de maio, o aumento da contribuição previdenciária do funcionalismo estadual que, com salários atrasados e ainda sem receber o 13º de 2016, passarão a contribuir com 14% de seus vencimentos para a previdência. A “saída” construída pelo atual governo é o desmonte do patrimônio e dos serviços públicos e a hipoteca das arrecadações futuras baseadas na especulação sobre possíveis rendas a serem adquiridas com a produção do petróleo e gás natural.

Essas medidas, contudo, apenas projetarão ainda mais desigualdades e injustiças, potencializarão ainda mais degradação econômica e acirrarão as contradições sociais. O que estamos presenciando no Rio de Janeiro é o fracasso do modelo econômico que, fundamentado no financiamento público de obras e eventos, alavancaram lucros privados, deram lastro à especulação financeira e imobiliária e numa eufórica aventura com as expectativas de ganhos sobre as enormes reservas de petróleo e gás natural existentes no estado mergulharam o Rio de Janeiro e os trabalhadores numa crise econômica e social sem precedentes. A tragédia social evidencia também o fracasso da política de conciliação de classes sustentada pelo PT e pelo PCdoB que, infelizmente, apoiaram e sustentaram os governos do PMDB.

Uma saída para a Crise do Rio de Janeiro
A superação do impasse econômico, político e social passa pela construção da mais ampla unidade de ação entre todos os setores do movimento para enfrentar os ataques e derrotar as medidas de Pezão/Temer. Mas é preciso ir além, é necessário que forjemos, a partir das lutas e das ruas, uma Frente de Esquerda Socialista, que unifique PSOL, o PSTU, O PCB, movimentos sociais como o MTST e organizações socialistas que ainda não tem registro legal, para construirmos um governo dos trabalhadores, com um programa alternativo para o estado do Rio de Janeiro que atenda aos interesses dos trabalhadores e da maioria do povo pobre.

Esboço de um programa alternativo dos Trabalhadores:

>Fora Pezão!
>Suspensão imediata do pagamento e auditoria das dívidas do estado;
>Fim das isenções fiscais para grandes empresas. Imposto progressivo sobre os ganhos de capital e as grandes fortunas;
>Defesa dos serviços públicos e regularização imediata do pagamento dos salários;
>Defesa da CEDAE estatal;
>Redimensionamento e reordenamento dos recursos humanos do Estado, priorizando às áreas que atendam às necessidades da maioria da população como saúde, habitação, saneamento, educação e desenvolvimento agrário;
>Fim da especulação imobiliária, imposto progressivo sobre imóveis vazios;
>Para manter e ampliar empregos: Confisco e estatização, sob controle e administração dos trabalhadores, das empreiteiras envolvidas em corrupção; Plano de obras públicas voltados para as áreas mais pobres, com instalação de saneamento básico, rede de águas e infraestrutura de serviços, educação e saúde;
>Fim das remoções: Titulação, reforma e estruturação de moradias e instalação de infraestrutura nas áreas ocupadas (“aglomerados subnormais”);
>Contra a criminalização da pobreza, fim da política de “guerra às drogas”; Desmilitarização da PM;
>As condições de milhares de famílias podem ter melhoria significativa com o incentivo e desenvolvimento de atividades agropecuárias em diversas regiões do estado: Reforma agrária com distribuição de terras e títulos, recursos e suporte técnico à produção familiar. Isso permitiria diminuir a migração para os grandes centros urbanos, além de aumentar a produção e a oferta de alimentos saudáveis;
>A dificuldade na mobilidade urbana é um dos principais problemas enfrentados pelos trabalhadores e a maioria da população, principalmente na região metropolitana. Parte significativa dos deslocamentos das cidades dessa região convergem para a capital. O desenvolvimento de novas linhas hidroviárias na Baía de Guanabara poderia diminuir significativamente o trânsito nas principais vias de acesso da cidade e dos municípios do entorno. Além disso, é preciso investir em transporte público de massas, como metrô e trens;
>Além do transporte hidroviário, a Baía de Guanabara pode ser fonte de lazer, de recursos econômicos e alimentar para ampla parcela da população. A recuperação da balneabilidade e da recomposição da fauna e flora marinha passa, necessariamente, por assegurar rede de saneamento básico e coleta de lixo nas cidades da região metropolitana.

O Estado do Rio de Janeiro concentra grandes Universidades Federais, além de instituições estaduais de Ensino Superior, como a UERJ. É preciso potencializar os Investimentos em ciência e tecnologia e construir uma política de transição energética que priorize a produção de energias “limpas e renováveis” como a Eólica e Solar e diminua a dependência econômica da extração e produção do petróleo. Além do desenvolvimento de tecnologias e produtos que atendam as necessidades dos trabalhadores com maior eficiência energética e menos poluentes.

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[1] O artigo que apresentamos foi resultado de debates realizados no âmbito da Coordenação Estadual do MAIS-RJ, embora o texto seja de inteira responsabilidade do autor.

[2] Dados e gráfico extraídos de: Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Fazenda e Planejamento – Caderno de Recursos Humanos, Nº 39 – Março / 2017, p. 2.

[3] No segundo semestre de 2003, o PMRJ contava com 38.226 policiais na ativa. Musamed, Leonarda & Soares, Bárbara Musamed. Polícia e Gênero: Participação e perfil das policiais femininas nas PMS brasileiras. Revista Gênero. Niterói, V.5, n.1 – 2004 página 187.

[4] Dados e cálculos a partir de: Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Fazenda e Planejamento – Caderno de Recursos Humanos, Nº 39 – Março / 2017, p. 6.

[5] Idem, ibdem. P. 10.

[6] Idem, ibdem. Pp. 10 e 46.

[7] Segundo o 9º Anuário de Segurança Pública, publicado em outubro de 2015 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, p. 28, a PM do Rio de Janeiro são as forças policiais com o maior índice de letalidade do país.

[8] Idem, ibdem. Pp. 21, 23. Inflação oficial aferida pelo índice de Preços ao Consumidor – Amplo (IPCA), divulgada pelo IBGE em 11 de janeiro de 2017.

[9] Isenções Fiscais do governo do Rio para empresas somam R$ 138 bi, diz relatório do TCE. Matéria de Fábio Vasconcelos, 08/03/2016. O Globo. In: http://blogs.oglobo.globo.com/na-base-dos-dados/post/isencoes-fiscais-do-governo-do-rio-para-empresas-somam-r-138-bi-diz-relatorio-do-tce.html – Consulta em 20 de maio de 2017.

[10] Série Histórica Receita Até Março. 2017. Disponível em http://www.transparencia.rj.gov.br/transparencia/faces/sitios-transparencia-navigation/menu_sitios_execucaoOrcamentaria/Execucao-Series?_adf.ctrl-state=crlv0sdma_340&&_afrLoop=1310875226030863 – Consulta em 05 de maio de 2017. Cabe indicar que em outra planilha, intitulada Anexos Receitas – 3º Quadrimestre 2016, no Anexo VI, Decomposição da Receita Por Natureza 2015/2016 o total da execução acumulada de janeiro a dezembro no ano de 2016 seria da ordem de R$ 68.266 bilhões. Optamos, contudo, por registrar os valores apontados na Planilha intitulada Série Histórica Receita Até Março – 2017, uma vez que a discriminação das receitas por fonte de arrecadação e as especificações da origem dos tributos é mais detalhada, o que permite realizar comparações, aferir hipóteses e deduções. Assim, ela permite uma melhor aproximação da origem dos recursos no estado e do montante total arrecadado.

[11] Série Histórica Receita Até Março. 2017. Idem, ibdem. Do montante de R$ 35,19 bilhões, nada menos que R$ 30,238 bilhões foram auferidos sob a designação de “Cota-Parte do Estado – ICMS”. A segunda maior cifra, no valor de R$ 4,090 bilhões, foi convertida aos cofres do governo sob a alínea de “Adicional do ICMS – Lei 4056/02”. Cabe observar que a origem e a incidência de ICMS varia ao longo dos anos, de acordo com alterações na legislação específica, concessão de isenções, ramos, atividade econômica e sazonalidade. Apesar de todas essas variáveis, o ICMS constitui, ao longo do período analisado, a maior fonte de arrecadação do estado e permite uma aproximação mais estrutural das receitas. Em geral, obtivemos os resultados pela adição das seguintes designações: Adicional do ICMS – Lei 4056/02 – FECP; Imp s/Oper Relat à Circul Merc s/Prest Serv Transp Interest Intermun e Comunic.; Cota-Parte do Estado – ICMS; Cota-Parte dos Municípios – ICM; Cota-Parte Estadual para o FUNDEB – ICMS; Imp. sobre Oper. Relativas à Circulação Mercadorias – Cota-Parte do Estado – ICM; Imp. sobre Oper.Relativas à Circulação Mercadorias – Cota-Parte Municípios – ICM. Cabe destacar que na origem da fonte Receita Tributária, onde está alocado o ICMS existem nada menos que a designação para 34 impostos e taxas.

[12] Série Histórica Receita Até Março. 2017. Idem, ibdem. Chegamos ao valor total arrecadado pelo estado por meio da adição das seguintes sub – alíneas: Cota-Parte da Comp. Financ. dos Royalties pela Produção do Petróleo – Até 5%; Royalties pela Produção do Petróleo – Excedente a 5%; Cota-Parte Participação Especial Exp. Petrol. e Gas Natural – Lei nº 9.478/97; Cota-Parte do Fundo Especial do Petróleo – FEP; Cota-parte Royalties Produção do Petróleo – Até 5%- PRÉ-SAL; Royalties pela Produção do Petróleo – Excedente a 5%- PRÉ-SAL e, por fim, Cota-Parte Participação Espec. Exp. Petrol. e Gás Nat.- Lei n° 9.478/97- PRÉ-SAL. Na planilha de 2016 constam como dedução da receita o valor de R$ 2.141 bilhões relacionados às seguintes rubricas: Dedução Receita Outras Compens. Financeiras Royalt Petrol até 5%; Dedução da Receita da Cota-Parte Comp Financ dos Royalties do Petróleo; Dedução da Receita de Royalties pela Produção de Petróleo – Excedente a 5%; Dedução da Receita de Cota-Parte da Particip Esp Petrol e Gás – Lei 9.478/97; Dedução da Receita de Cota-Parte do Fundo Especial do Petróleo – FEP e Dedução da Receita da Cota-Parte dos Royalties de Prod Petróleo até 5% PRÉ-SAL. Em 2015, embora os tributos advindos da exploração de petróleo e gás serem significativamente maiores (R$ 5,298 bi), as deduções da receita foram inferiores às do ano subsequente, ficando em R$ 2,069 bi. No documento Série Histórica Receita Até Março. 2017, não constam deduções para os anos anteriores à 2015.

[13] Série Histórica Receita Até Março. 2017. Idem, ibdem. O valor de R$ 35.001.493,659,00 é resultado da soma das seguintes tributações: Adicional do ICMS – Lei 4056/02 – FECP; Cota-Parte do Estado – ICMS; Cota-Parte dos Municípios – ICMS; Cota-Parte Estadual para o FUNDEB – ICMS; Cota-Parte do Estado – ICMS-SIMPLES, Cota-Parte dos Municípios – ICMS-SIMPLES e Cota-Parte do Estado para o FUNDEB – ICMS-SIMPLES.

[14] Idem, Ibdem.

[15] Apenas sob a rubrica “Cota-Parte Participação Especial Exp. Petrol. e Gás Natural – Lei nº 9.478/,97” ingressaram nos cofres do governo R$ 4.830 bilhões. No ano de 2011, não constam na planilha receitas referentes à produção e exploração do Pré-sal. Na tabela, as receitas referentes à extração e produção de petróleo e gás são as seguintes: Cota-Parte da Comp. Financ. dos Royalties pela Produção do Petróleo – Até 5%; Cota-Parte Compens. Financ. dos Royalties pela Prod. Petróleo Transf. Municípios; Royalties pela Produção do Petróleo – Excedente a 5%; Cota-Parte Participação Especial  Exp. Petrol. e Gas Natural – Lei nº 9.478/97 e Cota-Parte do Fundo Especial do Petróleo – FEP. In: http://www.transparencia.rj.gov.br/transparencia/faces/sitios-transparencia navigation/menu_sitios_execucaoOrcamentaria/Execucao-Receitas?_adf.ctrl-state=crlv0sdma_116&&_afrLoop=1309264294109470 – Consulta em 02 de maio de 2017.

[16] Boletim Informativo CIPEG, 3º Quadrimestre de 2016. Centro de Informações da Produção de Petróleo e Gás Natural do Estado do Rio de Janeiro/Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro – Secretaria de Estado da Casa Civil e de Desenvolvimento Econômoco, Governo do Estado do Rio de Janeiro. 2016, pp 6-29. Os municípios que receberam mais dividendos referentes aos Royalties relacionados ao campo de Lula foram Maricá, Niterói e Rio de Janeiro. Barril de Óleo Equivalente (BOE): Esta medida é muitas vezes usada pelas companhias produtoras de petróleo para efetuar equivalências entre Gás e Petróleo. Um BOE é equivalente a 6 mcf (milhares de pés cúbicos) de gás natural. Isto devido a que 1 mcf contém cerca de 1/6 da energia de um barril de petróleo.

[17] Dados extraídos de: http://www.indexmundi.com/pt/pre%E7os-de-mercado/?mercadoria=petr%C3%B3leo-bruto-brent&meses=120 – Consulta em 05 de maior de 2017.

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