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Vidas negras não são propriedade pública

Por: Gleide Davis, colunista do Esquerda Online

Alguns fatos que ocorreram no país, nos últimos dias, têm revelado exemplos ostensivos de impunidade e condescendência com determinados indivíduos na sociedade.

Em Salvador, dois colégios particulares foram palco de dois episódios que revelaram crueldade, racismo, elitismo e desleixo com a população da cidade. No primeiro, os alunos fizeram uma espécie de gincana com o título “Se nada der certo”, caracterizando-se de pessoas de classes mais baixas travestidas de cargo de limpeza e fala embargada com erros de português. No segundo episódio, ainda em Salvador, alunos de um outro colégio particular se caracterizaram de Ku Klux Kan para desfilar pela escola e tirar fotos com outros alunos.

Já em São Paulo, um adolescente teve a sua testa tatuada com os dizeres “sou um ladrão e vacilão”, após ser acusado de cometer um furto que até então não foi provado. Mas, ao contrário disso, circula um vídeo na internet com o garoto tendo a sua testa tatuada, o que comprova o crime de tortura contra ele.

O que se assemelha em relação a esses três fatos é o ódio e a negligência com a humanidade das pessoas negras e pobres. Para determinados indivíduos brancos e de classe média alta, a população pobre e negra não tem potencialidade sobre si mesma, por isso merece ser motivo de chacota, ou terem suas vidas manipuladas a mercê de valores fascistas que se sustentam na ideia de que o Estado beneficia criminosos com os Direitos Humanos e deixa os “cidadãos de bem” em perigo.

Nada disso é verdade. A maioria da população morta e encarcerada é negra. É também a maioria da população que ocupa cargos de limpeza, que embora honesta, é precarizada, injustiçada, mal remunerada e negligenciada em relação ao comprometimento de direitos trabalhistas.

Ambas instituições educacionais de Salvador, que são de mensalidades que superam o salário de muitos trabalhadores da periferia e que teoricamente têm um ensino de excelente qualidade, nunca se preocuparam em realizar atividades curriculares voltadas para o debate do machismo, racismo, LGBTfobia, os impactos da precarização da educação básica e as consequências da pobreza. Mas fizeram questão de se eximirem da culpa ao serem julgados pelas atitudes elitistas e racistas do seu corpo discente e docente.

As políticas públicas precisam deixar de ser um tapa buracos social e passar a trabalhar os olhos da sociedade para a humanidade das pessoas que residem na periferia, ou nas ruas. Criar formas de humanizar pessoas brancas e de classe média alta, que ao verem pessoas negras, agem como animais sedentos por sangue e mutilação.

Estamos cansados de sermos negligenciados enquanto seres humanos. Nossos corpos não são propriedade pública. Queremos que todos os “Rafael Braga” recebam o mesmo tratamento que todos os “Andreas Von Richthofen” recebem quando cometem algum ato infracional.

Foto: Reprodução