Pular para o conteúdo
EDITORIAL

As Marchas do Povo pelo Clima, em 29 de abril: centenas de milhares pela justiça climática

Por: Manuel Afonso, de Lisboa, Portugal

No passado dia 29 de Abril, a Marcha do Povo pelo Clima levou às ruas centenas de milhares de pessoas em 25 países, em defesa de justiça climática, contra o aquecimento global e outras consequências ecológicas da economia capitalista. O epicentro dos protestos foi nos EUA, onde houve protestos em mais de 370 cidades. Em Washington DC, milhares1 de pessoas marcharam entre o Capitólio e a Casa Branca.

Embora de dimensão menor, os protestos estenderam-se a outros países, incorporando, em cada um deles, reivindicações específicas no terreno ambiental. Se em Londres os manifestantes assinalavam os riscos de um “hard Brexit” em termos de desregulamentação ambiental, em Lisboa, os manifestantes exigiam do governo que cancelasse os vários projetos de prospeção petrolífera que autorizou, assim como que pressionasse o governo do Estado Espanhol para encerrar a central nuclear de Almaraz.

As Marchas pelo Clima começaram em 2014, com objetivo de denunciar o aquecimento global e de pressionar as maiores potências económicas a comprometerem-se com a redução das emissões de carbono, contribuindo para a assinatura dos acordos de Paris. Esses foram os primeiros acordos de incidência climática subscritos pelas principais potencias emissoras, que se comprometeram em baixar as emissões de carbono.

A convocatória de 2017 partiu do “Movimento do Povo pelo Clima” e obteve a subscrição das mais diversas organizações, que marcharam e apoiaram este movimento, desde ONG’s ou Igrejas, a partidos de esquerda e socialistas, sindicatos ou comunidades dos povos originários norte-americanos. Se em 2014, a Marcha pressionou no sentido de algum tipo de acordo, como o que foi alcançado no Acordo de Paris, a verdade é que desde cedo estes foram criticados por parte do movimento. Se por um lado, as metas de redução de carbono eram insuficientes, por outro nada garantia que sequer esses esforços viessem a ser verdadeiramente alcançados. Uma crítica que se demonstrou profética: a eleição de Trump coloca em causa o próprio Acordo de Paris.

Travar a ofensiva que agrava a crise climática

Como é sabido, o presidente norte-americano sustenta que a influência humana no aquecimento global não está comprovada e chegou a dizer que tal não passaria de uma invenção da China para travar a economia do país. Trump prometeu retomar a extração e combustão de carvão. A decisão de Trump de suspender o “Plano de Energia Limpa” (EPA)2 instituído por Obama e que restringia a emissão de gases por usinas a carvão, demonstra sua disposição de seguir em frente. Prometeu também retirar os EUA do Acordo de Paris. Se as metas estabelecidas no acordo são nitidamente insuficientes, e grande parte do movimento pela justiça ambiental levanta propostas muito mais avançadas, as Marchas deste ano viram-se obrigadas a apontar baterias – literalmente – à Casa Branca, para travar um retrocesso. Não por acaso o dia da convocatória, o dia 29 de Abril, assinalou cem dias da tomada de posse de Trump. É também, em cem dias, a terceira grande manifestação de massas contra Trump, depois dos protestos contra a tomada de posse e das manifestações no dia 8 de Março.

Vários dos ativistas e organizações chamam à atenção que vários dos planos de Trump já foram, pelo menos temporariamente, travados, como a expulsão de imigrantes ou o chamado “Trumpcare”. Divisões no establishment e na classe dominante norte-americana contribuíram para isso, mas foi essencial a pressão dos movimentos de massas que responderam à altura, em particular ocupando aeroportos e saindo às ruas contra a expulsão de emigrantes. Também neste caso, o movimento visa incidir sobre a indecisão sobre o Acordo de Paris que atravessa o próprio Gabinete de Trump. Uma ala da Casa Branca, o sector nacionalista “hard core” e “negacionista”, quer romper com esse Acordo, assim como a maioria dos acordos internacionais.  Já outra ala, os chamados “globalistas” que visam mais um rearranjo na forma como se vem a dar o processo de globalização neoliberal do que a sua ruptura, pressionam – tal como grande parte dos parceiros ocidentais dos EUA – para a manutenção dos acordos.

Este não é certamente um assunto de menor importância. O aquecimento global, junto com outras ameaças ecológicas ou climáticas, como a energia nuclear e a própria guerra, são questões determinantes da nossa era. As alterações climáticas, os fenômenos climáticas extremos, como cheias, tempestades ou secas, são já uma realidade, assim como catástrofes nucleares como Fukushima. Os refugiados por causas ecológicas são já dezenas de milhares. Obviamente, são os trabalhadores, os pobres, as mulheres, as crianças, os negros e os indígenas as mais afetadas. Quando Nova-Orleans foi atingida pelo furacão Katrina, foi evidente que até nos desastres naturais, são questões raciais e de classe que determinam quem fica para trás.

Uma saída socialista

No futuro próximo, a subida do nível do mar pode tornar inabitáveis até mesmo cidades como Nova York, Rio de Janeiro ou Lisboa. A burguesia divide-se e há sectores que apostam largamente nas energias renováveis, não por amor ao planeta, mas para disputar novos mercados e competir com os seus rivais. A China, por exemplo, ultrapassou recentemente os EUA como maior investidor em energias renováveis, enquanto estes, pelo contrário, se tornaram pela primeira vez os maiores produtores de petróleo mundiais, sobretudo após a aposta da Administração Obama no Fracking3.

É, por isso, essencial, que o movimento se alargue e radicalize. Ao mesmo tempo, num momento em que a disputa entre diferentes estados e sectores capitalistas, aumenta, é essencial que a esquerda levante uma proposta independente, que defenda os interesses dos trabalhadores e dos povos, os interesses do planeta em que habitamos. É cada vez mais evidente que o atual sistema económico não pode produzir qualquer solução para os problemas climáticos.

O capitalismo “verde” é uma mentira. A justiça climática exige que os trabalhadores, os povos, os mais pobres e a maioria da população, possam gerir democraticamente o que se produz e o modo como se produz. Isso é incompatível com a economia de mercado e liberdade de capitais, com a chamada concorrência capitalista e os seus monopólios todo-poderosos. A justiça climática, para ser consequente, tem de colocar em causa o controle de toda a economia global por uma ínfima minoria de capitalistas. Por isso, a partir de dentro deste movimento crescente contra as alterações climáticas, é necessário apontar uma alternativa socialista. É necessário levantar propostas para a adoção de um modelo de energias renováveis, de soberania e sustentabilidade alimentar, assente na mobilidade coletiva e não individual e da defesa dos ecossistemas como bem comum do planeta e da humanidade. Porém isso implica que o domínio capitalista da sociedade seja posto em causa. Só um programa socialista pode resolver esta contradição aguda entre a procura do lucro e a sustentabilidade do planeta. Talvez nunca antes a esquerda se tenha colocado perante um desafio que torne tão evidente a necessidade de superar o capitalismo.

1             Os dados sobre os números são díspares. Segundo a o movimento Peoples Climat Change foram 300 mil manifestantes em todos os EUA e 200 mil em Washington DC.

2             O EPA foi anunciado em agosto de 2015. O pacote incluía o corte de 32% na emissão de carbono por centrais termoelétricas até 2030 em comparação com os níveis de 2005. Além disso, incentivava o uso de fontes de energia renovável como a solar e a eólica em substituição a combustíveis fósseis. As centrais deveriam aumentar de 22% para 28% a parcela de fonte de energia limpa empregada. Cada Estado terá metas específicas. Tratou-se da primeira vez que os Estados Unidos limitam a quantidade de carbono emitida por centrais termoelétricas.

3             Fraturamento hidráulico é um método que possibilita a extração de combustíveis líquidos e gasosos do subsolo. Também é denominado fratura hidráulica, estimulação hidráulica ou pelo termo da língua inglesa fracking. (…) existe um amplo consenso científico de que o fraturamento hidráulico oferece grandes riscos para o ambiente e para a saúde humana, e os protestos contra seu emprego têm crescido em todo o mundo.