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EDITORIAL

Carta de Marwan Barghouti, dirigente da greve de fome dos prisioneiros políticos palestinos em Israel

Começou neste domingo, 16/04, uma greve de fome de mais de 1 mil presos políticos palestinos nas cárceres de Israel. Suas reivindicações são:

  • visitas familiares
  • atenção médica adequada
  • fim da prática de detenção de palestinos sem acusação ou julgamento na chamada detenção administrativa
  • fim do uso de solitárias

A rede Addameer de Apoio aos prisioneiros pede o apoio em todo mundo para apoiar os prisioneiros palestinos cujos corpos e vidas estão na linha de frente na luta pela liberdade e dignidade. Uma reportagem da rede Al Jazeera mostra graficamente o que significa ser um prisioneiro palestino em Israel.

Abaixo a carta de Marwan Barghouti, dirigente da Fatah, corrente majoritária dentro da OLP, há 15 anos preso,  que foi publicada ontem na edição dominical do New York Times. Uma amostra do impacto da causa palestina inclusive em órgãos tradicionais como o jornal americano.

Dezenas de milhares de palestinos se manifestaram em solidariedade com eles em todos os territórios ocupados. Os deputados palestinos dentro de Israel também expressaram sua solidariedade e pediram para visitar Marwan Barghouti que está condenado a cinco (!!) prisões perpétuas pelos ocupantes israelenses.  Por ter infringido o regulamento das prisões ao se negar a se alimentar, Barghouti, líder da greve, foi colocado em solitária.

Há mais de 6500 presos políticos palestinos nos cárceres de Israel. Quase toda família palestina já teve um membro preso por resistir de alguma forma à ocupação e opressão.

É urgente a solidariedade mundial! (Editoria Internacional)

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“Prisão de Hadarim, Israel — Tendo passado os últimos 15 anos em uma prisão israelense, fui tanto uma testemunha como uma vítima do sistema ilegal israelense de prisões arbitrárias em massa e dos maus-tratos aos prisioneiros palestinos. Após esgotar outras opções, decidi que não havia escolha, mas resistir a esses abusos por meio de uma greve de fome.

Cerca de 1000 presos palestinos decidiram tomar parte nesta greve de fome, que começa hoje, o dia em que se celebra o Dia dos Prisioneiros. Fazer uma greve de fome é a forma mais pacífica de resistência disponível. Ela só inflige dor nos que participam e em seus entes queridos, nas esperanças de seus estômagos vazios e seu sacrifício ajudará que a mensagem ressoe além dos confins de suas escuras celas.

Décadas de experiência provaram que o desumano sistema israelense de ocupação colonial e militar busca quebrar o espírito dos prisioneiros e da nação a que eles pertencem, ao lhes infligir sofrimento em seus corpos, separando-os de suas famílias e comunidades, utilizando medidas humilhantes para obrigar que sejam subjugados. Apesar desse tratamento, não iremos nos render a ele.

Israel, o poder ocupante, tem violado as leis internacionais de múltiplas formas por aproximadamente 70 anos, e ainda recebeu impunidade por suas ações. Cometeu graves infrações às Convenções de Genebra contra o povo palestino; os prisioneiros, incluindo mulheres e crianças não são uma exceção.

Eu tinha só 15 anos quando fui preso pela primeira vez. Tinha só 18 anos quando um interrogador israelense me forçou a estirar minhas pernas quando eu estava nu na sala de interrogatórios, antes de golpear meus genitais. Eu desmaiei de dor e a queda resultante deixou uma cicatriz permanente em minha testa. O interrogador fez troça de mim depois, dizendo que eu nunca iria procriar, pois pessoas como eu geram somente terroristas e assassinos.

Alguns anos depois, eu estava novamente em uma prisão israelense, liderando uma greve de forme, quando meu primeiro filho nasceu. Em vez dos doces que nós normalmente distribuímos para celebrar essas notícias, distribuí sal para os demais prisioneiros. Quando tinha só 18 anos, ele foi preso e passou quatro anos nas prisões israelenses.

O mais velho de meus filhos é hoje um homem de 31 anos. No entanto, eu ainda estou aqui, prosseguindo essa luta pela liberdade junto com milhares de prisioneiros, milhões de palestinos e o apoio de tantos ao redor do mundo. O que acontece com a arrogância do ocupante e do opressor e seus apoiadores que os torna surdos a esta verdade simples? Nossas correntes serão quebradas antes que nós o sejamos, pois é da natureza humana escutar o grito de liberdade custe o que custe.

Israel construiu quase todas as suas prisões dentro de Israel e não nos territórios ocupados. Ao fazê-lo, transferiu de forma ilegal e forçada civis palestinos em cativeiro, e utilizou essa situação para restringir as visitas familiares e para infligir sofrimento aos prisioneiros por meio de longos transportes sob condições cruéis. Tornou os direitos básicos que deveriam ser garantidos sob a legislação internacional – — incluindo alguns penosamente assegurados por meio de greves de fome anteriores — em privilégios que seu serviço prisional decide nos outorgar ou privar.

Os prisioneiros e detentos palestinos sofreram tortura, tratamento desumano e degradante e negligência médica. Alguns foram mortos em cativeiro. De acordo com a última contagem do Clube de Prisioneiros Palestinos, cerca de 200 prisioneiros palestinos morreram desde 1967 devido a tais ações. Os prisioneiros palestinos e suas famílias continuam sendo um alvo da política israelense de impor punições coletivas.

Por meio de nossa greve de fome, buscamos por fim a esses abusos.

Nas últimas cinco décadas, de acordo com o grupo de direitos humanos Addameer, mais de 800 mil palestinos foram presos ou detidos por Israel — o que equivale a cerca de quarenta por cento da população masculina dos territórios palestinos. Hoje, cerca de 6.500 ainda estão presos, entre eles alguns que têm o triste destaque de estarem entre os que registram o recorde mundial de períodos mais longos de detenção entre os presos políticos. Não há quase nenhuma família palestina que não tenha suportado o sofrimento causado pela prisão de um ou vários de seus membros.

Como explicar esse incrível estado de coisas?

Israel estabeleceu um sistema jurídico dual, uma forma de apartheid jurídico, que proporciona virtual impunidade para os israelenses que cometam crimes contra os palestinos, ao passo que criminaliza a presença e resistência palestinas. Os tribunais israelenses são uma farsa de justiça, claramente instrumentos de ocupação colonial e militar. De acordo com o Departamento de Estado, o índice de condenação nos tribunais militares é de cerca de noventa por cento.

Entre as centenas de milhares de palestinos que Israel manteve presos estão crianças, mulheres, parlamentares, jornalistas, defensores dos direitos humanos, professores, figuras políticas, militantes, espectadores, membros das famílias dos prisioneiros. E tudo com um objetivo: enterrar as legítimas aspirações de toda uma nação.

Ao contrário, no entanto, as prisões de Israel se tornaram o berço de um duradouro movimento pela autodeterminação palestina. Esta nova greve de fome irá demonstrar mais uma vez que o movimento dos prisioneiros é a bússola que guia nossa luta, a luta pela Liberdade e a Dignidade, o nome que escolhemos para este novo passo em nossa longa caminhada para a liberdade.

Israel tentou nos caracterizar como terroristas para legitimar suas violações, incluindo as prisões arbitrárias em massa, as torturas, as medidas punitivas e as severas restrições. Como parte do esforço de Israel para prejudicar a luta dos palestinos por liberdade, um tribunal israelense me sentenciou a cinco prisões perpétuas e mais 40 anos de prisão em um julgamento que foi um show político denunciado por observadores internacionais.

Israel não é o primeiro poder colonial ou ocupante a recorrer a tais expedientes. Todo movimento de libertação nacional pode recordar práticas similares. Esta é a razão pela qual tantas pessoas que lutaram contra a opressão, o colonialismo e o apartheid estão de nosso lado. A Campanha Internacional para Libertar Marwan Barghouti e Todos Prisioneiros Palestinos que o ícone Ahmed Kathrada e minha esposa, Fadwa, lançaram da cela em que esteve preso Nelson Mandela em Robben Island, teve o apoio de oito ganhadores do Prêmio Nobel, 120 governos e centenas de líderes, parlamentares, artistas e acadêmicos ao redor do mundo.

Sua solidariedade expõe o fracasso moral e político de Israel. Os direitos não são concedidos por um opressor. A liberdade e a dignidade são direitos universais que são inerentes à humanidade, para serem gozados por todas as nações e todos os seres humanos. Os palestinos não são uma exceção. Só terminando com a ocupação essa injustiça irá terminar e marcar o nascimento da paz.”