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COLUNISTAS

A luta contra a reforma da previdência: entre a essência e a aparência

Por Juliana Benício e Larissa Vieira
Coletivo Difusão

“Enquanto há vida, há história”. Essa frase não é nossa, tampouco nos recordamos onde foi que a lemos, mas por acreditarmos totalmente na assertiva é que a trazemos como moral da reflexão a que nos propomos nas linhas que se seguem.

As verdades são criadas de acordo com as necessidades/interesses daquelas e daqueles que possuem os instrumentos de dominação da consciência social em determinado tempo histórico. Em 1935, quando a Organização Internacional do Trabalho aprovou a Convenção 45, as mulheres foram retiradas do trabalho na mineração subterrânea. A aparência pode nos induzir a algumas conclusões: talvez a mais óbvia se ligue ao fato de que as relações sociais pautadas pelo machismo querem fazer crer que as mulheres não são capazes de trabalhos de extrema penosidade. Outra reflexão possível liga-se à valorização da iniciativa, acreditando-se que parte da força de trabalho proletária estaria sendo liberta de empregos extremamente insalubres ao ser poupada do trabalho em mineração subterrânea.

Concordamos com ambas as conclusões, todavia, elas não saem do campo da aparência. Para se chegar à essência da decisão, é necessário que algumas indagações sejam elaboradas e respondidas, sendo que a principal delas é: a quem servia, naquele momento, a exclusão das mulheres desse campo de trabalho?

É fato que a Convenção 45 prestou-se (e ainda se presta) a legitimar um discurso de inferioridade física das mulheres, mas ela não foi criada para isso. Até mesmo porque tal crença precede o ano de 1935. A verdade é que utilizar-se, naquela época, desse discurso que afastava as mulheres de uma atividade que desenvolviam desde a revolução industrial tinha a função de fazer com que elas, uma vez desempregadas, retornassem aos lares e cuidassem de seus maridos e filhos, colocando-os em boa forma física para comporem os exércitos para uma, possível, nova Guerra Mundial.

Percebeu-se durante a Primeira Guerra que os recrutas não tinham o mínimo de vigor físico necessário para enfrentar os campos de batalha, o que exigia a instituição de políticas de melhoria das condições de saúde desses futuros soldados. O discurso, portanto, da incapacidade das mulheres de exercerem as funções relacionadas à mineração subterrânea, era assentado nos interesses do capitalismo, que não queria dispender ou abrir mão de recursos financeiros para melhorar as condições de vida das trabalhadoras e trabalhadores e via na expulsão da mão de obra feminina dos campos de trabalho um meio eficaz de prolongar a vida e a saúde dos homens que comporiam os exércitos em uma futura guerra.

Mas o que isso tem a ver com o ataque que o governo de Michel Temer quer desferir contra a previdência social brasileira?

A crença no déficit da previdência social brasileira também não passa de um discurso construído por aquelas e aqueles que irão se beneficiar da privatização da previdência e da sangria do fundo público de seguridade social. Se houvesse mesmo déficit, o governo federal (que deveria estar a serviço do povo e não o contrário) não se negaria a entregar à sociedade a documentação comprobatória de que os recursos disponíveis para atender à demanda são inferiores aos que existem na realidade.

À previdência social brasileira, no ano de 2015, foram destinados 22,69% do orçamento geral da União, ou seja, R$ 514.609 bilhões. É a segunda maior fatia do orçamento nacional. A primeira, tomando 42,43% dos recursos, refere-se ao pagamento de juros e “amortização” da dívida pública nacional. A apropriação privada das riquezas, traduzida pelo lucro, exige a criação e, sequencialmente, a troca de mercadorias, processos que envolvem a transformação em mercadoria de algo antes tido como serviço público (previdência social, por exemplo).

Quando levou à Câmara dos deputados a sua proposta de emenda constitucional que instituía o desmonte da previdência social (PEC 287/2016), o governo federal dizia que diante de um suposto déficit nas contas públicas seria impossível alterar o processo de retirada de direitos ali assentado. Muitas lideranças de esquerda entraram na batalha de cabeça baixa, já se dando por vencidas, sem entender que o processo de luta não é linear e a espontaneidade do povo para os enfrentamentos possui uma dinâmica própria a depender das motivações que lhe ponha em movimento.

A derrota não é certa. Ao contrário, temos uma boa guerra para lutar e o recuo do governo na última sexta-feira, afirmando que manterá a aposentadoria especial das trabalhadoras e trabalhadores rurais, bem como de professoras e professores, que melhorará os dispositivos em relação aos benefícios de prestação continuada, pensões e regras de transição, demonstra que estamos vencendo algumas batalhas. As manifestações de março deste ano, a greve por tempo indeterminado de categorias por todo o Brasil, a pressão que as entidades têm feito junto a deputadas e deputados, a convocação para a greve geral no dia 28 de abril são ações fundamentais para que tenhamos entrado o mês de abril sem que exista uma maioria qualificada na Câmara dos Deputados capaz de aprovar a proposta inicial do governo.  É por isso que ousamos dizer que ENQUANTO HOUVER VIDA, HÁ HISTÓRIA