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Desvendando a Lava Jato – Parte 1: É a tendência ao monopólio imperialista

A Lava Jato e a Carne Fraca: quando uma suposta luta contra a corrupção se entrelaça com os interesses das transnacionais imperialistas

Por Euclides de Agrela, de Fortaleza, CE
José Cruz/Agência Brasil

Com o presente artigo, retomamos a série “Desvendando a Lava Jato”. Tocaremos aqui num tema polêmico, um tanto espinhoso: os interesses econômicos das transnacionais imperialistas na suposta luta contra a corrupção, entendida como a relação promiscua entre grandes empresas privadas e o Estado, encabeçada pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia Federal (PF).

Tendência ao monopólio, crise de 2008 e socorro ao sistema financeiro

A tendência do capitalismo, desde o início de sua época imperialista, é o monopólio. A concorrência, tão cultuada como uma marca do quão livre e democrático é o mercado, que supostamente permitiria pequenas e médias empresas crescerem e se transformarem em grandes negócios, é cada vez mais uma formalidade, uma ficção, uma ideologia.

A burguesia se caracteriza como uma classe autofágica: os capitais maiores engolem por meio de fusões e aquisições os menores, quando não levam abertamente à falência da concorrência por meio de guerras comerciais e ou até mesmo intervenções militares. Para isso se valem de todos os tipos de manobras, inclusive de algumas aparentemente progressivas: desde o suposto combate à corrupção governamental, controles de qualidade e segurança, barreiras sanitárias, etc.

Se o anterior já era um fato desde o início do XX, no século XXI esta tendência ao monopólio é multiplicada por dez, ainda mais depois da crise de 2008, a maior crise da economia capitalista desde 1929.

O salto na financeirização da economia mundial, em 2008, levou à crise do mercado imobiliário americano com seus créditos podres, os chamados “subprimes”, e a falência de poderosas instituições financeiras, como o banco de investimento estadunidense Lehman Brothers, que derrubou em efeito dominó outras grandes instituições financeiras.

A rigor, esse foi o maior escândalo de corrupção financeira da história do capitalismo, onde os Estados Unidos e demais estados imperialistas jogaram todo o peso de seus orçamentos e esforços fiscais para salvar bancos que falsificaram balanços financeiros e dívidas futuras. O escândalo da Lava Jato, a compra da refinaria de Pasadena nos Estados Unidos pela Petrobrás e a operação Carne Fraca são troco em moedas comparadas com a crise do subprimes. E qual foi a política do imperialismo para responder à crise dos subprimes?

Para evitar um colapso, o governo norte-americano reestatizou as agências de crédito imobiliário Fannie Mae e Freddie Mac, privatizadas em 1968, que passaram a ser controladas pelo Estado por tempo indeterminado, injetando US$ 200 bilhões nas duas agências. Essa foi a maior operação de socorro financeiro feita pelo governo norte-americano até hoje. Mas isso foi apenas o começo. O escândalo dos subprimes superou as fronteiras dos Estados Unidos e atingiu a economia mundial: em abril de 2009, o G-20, reunido em Londres, anunciou a injeção de US$ 1 trilhão na economia mundial de maneira a combater a crise financeira global.

O resultado da crise foi, por um lado, uma maior financeirização da economia e, por outro, uma maior monopolização desta mesma economia global pelo capital financeiro e as transnacionais estadunidenses. No que diz respeito ao monopólio de ramos da economia mundial, não escapam ao imperialismo norte-americano nem mesmo as chamadas comanditeis minerais e agrícolas.

O salto da tendência ao monopólio na presente etapa do capitalismo já se manifestava dramaticamente deste o final do século XX com a militarização da produção mundial de petróleo: que o digam a primeira e a segunda guerras do Golfo, as ocupações do Iraque e Afeganistão. Diante do esgotamento da principal fonte de energia que move a máquina capitalista, a tendência ao monopólio da produção mundial de petróleo se traduziu em guerras de recolonização.

Por outro lado, vinculada à indústria do petróleo e da guerra, o imperialismo norte-americano vem desenvolvendo nos últimos anos uma poderosa indústria responsável pela reconstrução da infraestrutura de países ocupados por suas tropas, como o Iraque. Não nos esqueçamos que os Estados Unidos é também o maior exportador mundial de produtos agrícolas, em particular de grãos e carne bovina.

Hegemonia estadunidense, crise dos Brics e o papel da Rússia e da China

A hegemonia estadunidense, contraditoriamente, se impôs mais ainda como resultado da crise de 2008, mas não sem limites e contradições. Não há garantia de uma hegemonia estável, devido, em primeiro lugar, ao prosseguimento da crise crônica da economia mundial alimentada pela tendência permanente à queda da taxa de lucro, e, em segundo lugar, porque os Estados Unidos não conseguiram até agora disciplinar a China e a Rússia em sua nova condição de “global players”, quer dizer, novos jogadores globais no tabuleiro da economia-mundo capitalista.

A Rússia deixou a Europa de joelhos devido ao controle geopolítico e militar que detém sobre a produção e distribuição de petróleo e gás para os países europeus, que não dispõem em seu território do ouro negro em abundância, salvo a Noruega, numa escala infinitamente menor que a Rússia.

Da sua parte, a China, convertida em fábrica do mundo e base de um sem número de plantas de transnacionais imperialistas em vários ramos da economia, já há alguns anos vem desenvolvendo suas próprias companhias e ocupando fatias importante do mercado mundial, não mais apenas como produtoras de imitações baratas dos produtos das transnacionais imperialistas, mas com produtos similares que vem melhorando significativamente em qualidade.

As pretensões geopolíticas e econômicas da Rússia e da China, com todas as suas limitações, contradições e laços com o imperialismo e as transnacionais estadunidenses representam um ponto fora da curva, portanto um problema para a hegemonia estadunidense.

Não interessa aos Estados Unidos que países que até um quarto de século eram estados operários burocratizados, ao se converterem em grandes economias capitalistas, se transformem em jogadores globais que dificultem sua hegemonia econômica, geopolítica e militar. Muito menos que países semicoloniais como o Brasil ousem se lançar na aventura de converter-se em um “global player” em áreas como petróleo, construção civil e alimentos.

No marco da crise crônica da economia mundial, em busca de superar a presente desordem mundial e convertê-la numa ordem que reflita com segurança sua hegemonia global, os Estados Unidos não podem dar espaço para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul brincarem de “global players”. A brincadeira dos Brics acabou: No tabuleiro da economia e da geopolítica mundial, dos chamados Brics, permanecem fundamentalmente China e Rússia.

Quando Donald Trump anuncia uma política econômica de tipo “nacionalista” do imperialismo norte-americano, isto não significa fechar as fronteiras dos Estados Unidos ao comércio mundial, mas que o imperialismo estadunidense atuará com unhas e dentes para garantir a sua hegemonia global.

Estado nacional, capital financeiro e transnacionais imperialistas

Diante do escândalo da Lava Jato e da nova Operação Carne Fraca, não estamos entre aqueles que defendem incondicionalmente, de maneira leviana ou ingênua, a “economia nacional”, entendida como as empresas privadas brasileiras nas áreas de petróleo e gás, construção civil e alimentos.

Essas empresas, como empresas brasileiras de outros ramos – não nos esqueçamos sobretudo das empresas transnacionais imperialistas instaladas no Brasil! –, sempre tiveram relações promíscuas com o Estado e seus poderes instituídos, bem como estabeleceram laços de longa data com transnacionais imperialistas. Desde empréstimos generosos do BNDES, passando por isenção de impostos, vantagens políticas e jurídicas de todo tipo, falsificação do controle de qualidade e da fiscalização de obras e produtos são uma regra e não uma exceção na relação entre o capital e o Estado no Brasil e no mundo. O Estado capitalista é a apólice de seguro do capital: está aí para servi-lo, promovê-lo, subsidiá-lo e protegê-lo.

Por outro lado, ver na atuação do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF) brasileiros uma motivação ética desinteressada em combater as relações promíscuas entre empresas brasileiras e os poderes Executivo e Legislativo é de uma ingenuidade sem tamanho.

Primeiro, porque nenhuma classe conspira diretamente contra si mesma e orientaria suas instituições jurídicas e policiais a investigar os ramos e as empresas mais dinâmicas de sua economia. Quando isso vem a ocorrer excepcionalmente, como agora, é porque há uma guerra de interesses dividindo importantes frações burguesas em sua relação com o imperialismo.

Segundo, porque, a rigor, o movimento do Estado burguês é o contrário: subsidiar, incentivar e proteger os monopólios privados nacionais e, no caso dos países semicoloniais, também os monopólios transnacionais associados. O problema é quando os primeiros entram em contradição e colocam-se no caminho dos segundos.

Esta equação para encaixar com o que afirmamos na primeira parte deste artigo – que a burguesia é uma classe autofágica e os capitais maiores tendem a engolir os menores – necessita hierarquizar, como elemento chave da análise, a categoria do imperialismo em sua relação com os Estados nacionais e suas instituições.

O Estado nacional e suais instituições intervêm cada vez mais na economia como provedores de subsídios e incentivos fiscais para a grande indústria, agroindústria e comércio, bem como para remunerar sobretudo o capital financeiro através da dívida pública. No entanto, isto não se dá mais somente ou fundamentalmente através da política econômica dos governos de turno.

Vivemos, desde o final do século XX, sucessivas reformas constitucionais em países semicoloniais, como o Brasil, que realizaram importantes mudanças legais e institucionais para aprofundar a intervenção estatal a serviço do capital financeiro transnacional através de mecanismos automáticos, “técnicos”, reconhecidos como cláusulas pétreas do Estado nacional. Essas reformas redefiniram leis e instituições que disciplinam as relações inevitáveis entre as atividades econômicas não somente dentro de um Estado-nação, mas, fundamentalmente, deste com o mercado mundial em benefício dos monopólios privados com sede nos países imperialistas.

A independência do Banco Central, o Superávit Primário, a Lei de responsabilidade fiscal (LRF), a Desvinculação das Receitas da União (DRU), a atual Lei de Falências, as contrarreformas da Previdência, Trabalhista e Fiscal, a fusão da Secretaria da Receita Federal (SRF) com a Secretaria da Receita Previdenciária (SRP) no Brasil são expedientes de um esforço gigantesco da burguesia associada ao capital financeiro transnacional para elevar ao patamar de leis constitucionais e sólidas instituições – que jamais poderão ser desobedecidas e deverão ser zeladas pelos governos de turno – a mais absoluta remuneração deste mesmo capital financeiro transnacional.

O PT, ao aceitar governar no marco destas mudanças estruturais das leis e instituições estatais relacionadas à política econômica, fiscal, monetária e cambial resolveu fazer parte do jogo no campo, com a bola e as regras do imperialismo. Ainda assim, Lula e o PT acreditavam que poderiam negociar uma localização privilegiada do Brasil no mercado mundial sem enfrentar e romper abertamente com o imperialismo. Amarga ilusão.

O projeto do PT: Brasil “global player”

Seria um erro grosseiro, vulgar e marcado por uma rasa superficialidade pensar que o projeto de poder do Partido dos Trabalhadores seria o mesmo das frações da burguesia brasileira mais vinculadas ao capital financeiro transnacional e ao imperialismo estadunidense. Obviamente que o PT possuía um programa capitalista, inclusive pró-imperialista, mas distinto do programa do PSDB e do DEM que governaram o país com Fernando Henrique Cardoso por 08 anos (1995-2002).

A rigor, o projeto de poder do PT era, nas palavras de sua direção, uma política de inserção soberana do Brasil no mercando mundial(1). Este projeto sequer implicava na construção de um país capitalista independente, onde as transnacionais imperialistas fossem estatizadas, a serviço do desenvolvimento da economia capitalista nacional, mas na transformação do Brasil num “global player”, um sócio menor do imperialismo com certa margem de manobra para atuar em alguns ramos da economia mundial. Os grandes pilares desse projeto de inserção soberana do Brasil na atual globalização imperialista eram justamente as empreiteiras e o agronegócio.

Do ponto de vista interno, esse projeto propunha retomar o crescimento econômico e distribuir renda a partir da recuperação da capacidade de planificação e atuação econômico-social do Estado brasileiro. Isso implicaria que a distribuição de renda deveria ser acompanhada pela expansão da produção de bens de consumo de massas e que, portanto, o modelo econômico a ser perseguido resultaria na constituição de um vigoroso mercado de 150 milhões de brasileiros, multiplicando por cinco sua dimensão atual(2).

O projeto de poder do PT tampouco visava construir um Estado de Bem-Estar, mas oferecer a importantes frações da burguesia brasileira o apoio robusto do Estado no que diz respeito à expansão e consolidação dos seus negócios no mercado interno, ampliando o consumo de massas, e internacional, ao promover empresas brasileiras em nível mundial com pesado suporte estatal. Tudo isso combinado com políticas sociais compensatórias, como o bolsa família, e uma significativa valorização do salário mínimo.

Obviamente que esse projeto implicaria numa série de vantagens econômicas, subsídios, créditos estatais, isenção de impostos, participação em obras e públicas e na exploração de petróleo e gás, bem como na preferência em processos de compras governamentais de determinadas empresas dispostas a financiá-lo eleitoralmente.

A moeda de troca para bancar as empresas do setor da construção civil e do agronegócio como transnacionais brasileiras, pontas de lança de um Brasil “global player”, seria efetivamente o financiamento do projeto de poder do PT e sua manutenção à frente da presidência da República por um tempo indeterminado. O Caixa 02 do PT e o aumento vertiginoso do financiamento privado de suas campanhas eleitorais devem-se em grande parte à venda desse peixe para ditas frações da burguesia brasileira.

Foram dois mandatos de Lula e dois de Dilma, o segundo deles interrompido pelo impeachment em 2016. Somados, são quase 14 anos ininterruptos do PT à frente da presidência da República. Em 2005, o escândalo do Mensalão, na medida em que se deu em meio ao ápice do crescimento econômico capitalista brasileiro puxado pelo auge do mercado das commodities minerais e agrícolas, não foi suficiente para comprometer esse projeto de poder. Lula foi reeleito e terminou seu segundo mandato com altíssimos índices de aceitação popular.

No entanto, a crise de 2008, em meio ao segundo mandato de Lula, ligou o sinal vermelho. Em janeiro de 2014 teve início a Operação Lava Jato, cujo alvo foram os negócios da Petrobrás com as grandes empreiteiras privadas brasileiras e sua relação com o financiamento privado de campanha do PT e demais partidos da base governista. A tendência ao monopólio e a concentração dos capitais em mãos imperialistas cobrou sua fatura. Mas é somente no segundo mandato de Dilma, iniciado em janeiro de 2015, que o capital financeiro jogará suas cartas mais altas.

Não adiantou de nada o PT fazer todas as concessões possíveis e imagináveis ao capital financeiro no terreno da dívida pública, do superávit primário, da política fiscal e de juros. Não bastou que os bancos privados batessem recordes atrás de recordes ano após ano durante os governos petistas. Não foi suficiente o estelionato eleitoral de Dilma, a volta de Henrique Meireles à cabeça da política econômica, os cortes nos gastos das áreas sociais no início do segundo mandato da presidenta. Seria necessário mais. Para as frações da burguesia brasileira mais subordinadas ao imperialismo e ao capital financeiro transnacional seria preciso aproveitar o momento de crise da economia nacional, da queda do mercado de commodities, para interromper o projeto de poder do PT.

As frações da burguesia brasileira mais subordinadas ao imperialismo e ao capital financeiro transnacional, capitaneadas particularmente Febraban e a Fiesp, pelo PSDB e o DEM resolveram abandonar a política de conciliação de classes e estabelecer um novo paradigma político e econômico.

Não foi o PT quem rompeu a política de conciliação de classes com a burguesia e o imperialismo, mas foram as frações mais pró-imperialistas da burguesia brasileira com as bênçãos deste que resolveram interromper abruptamente o projeto de poder do PT, na medida em que lucrariam muito mais como uma inserção completamente subordinada do país no mercado mundial. Para tanto, seria preciso colocar no seu devido lugar, junto com o PT, as frações da burguesia brasileira mais vinculadas ao seu projeto de poder: primeiro as grandes empreiteiras e, agora, as gigantes do agronegócio da carne.

Notas
[1] PARTIDO DOS TRABALHADORES – Resoluções de Encontros e Congressos, 1979-1998. 8º Encontro Nacional, 1993, p. 559. Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 1998. 1ª Edição.
[2] Idem, p. 553.