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Colunas

Mulheres apontam o caminho

Silvia Ferraro

Feminista e educadora, covereadora em São Paulo, com a Bancada Feminista do PSOL. Professora de História da Rede Municipal de São Paulo e integrante do Diretório Nacional do PSOL. Ex-candidata ao Senado por São Paulo. Formada pela Unicamp.

 

Por Silvia Ferraro

Um 08 de março como há muito tempo não víamos. Acho realmente que as mulheres deram uma lição aos movimentos sociais no processo de construção deste 8M. Primeiro porque partiu de um chamado internacional. Mais de um milhão de mulheres nos EUA um dia depois da posse de Trump, levou a que feministas históricas e combativas, tendo à frente Ângela Davis, escrevessem um manifesto inspirador para mulheres ativistas de vários países que aderiram prontamente à convocação.

O caráter internacional deste chamado estava calcado em processos recentes de luta feminista pelo mundo, como as massivas manifestações contra o feminicídio do “Ni Una a Menos” na Argentina, a greve vitoriosa de mulheres na Polônia contra a criminalização do aborto e a Marcha de Mulheres contra Trump.

Porém, o manifesto foi muito além, e cumpriu o papel de questionar o próprio feminismo liberal de Hilary Clinton quando afirmou que “não basta se opor a Trump e suas políticas agressivamente misóginas, homofóbicas, transfóbicas e racistas. Também precisamos alvejar o ataque neoliberal em curso sobre os direitos sociais e trabalhistas”. O chamado cumpriu o papel de unir a luta anti-racista com a luta anti-imperialista e a luta anti-heterossexista com a luta anti-neoliberal, e colocou o feminismo anti-capitalista em cena, fazendo a conexão da luta de gênero, raça e classe.

Greve de Mulheres?

Um dos instrumentos deste 8M foi, para além das manifestações de rua, que as mulheres paralisassem suas atividades profissionais. Esta foi uma política ousada e talvez mais simbólica do que efetiva. Não houve nenhum país ou nem mesmo estados inteiros em que se concretizou uma greve de mulheres. Em algumas categorias profissionais, compostas majoritariamente por mulheres, conseguiu-se organização suficiente para parar de forma coletiva, como foi o caso das professoras da Virgínia e de Maryland nos EUA, ou as professoras aqui do Estado e da prefeitura de São Paulo. Ou então, em alguns casos raros, estabelecimentos nos EUA em que a dona “liberou” as mulheres que quisessem aderir ao movimento, se é que podemos chamar isso de greve.

Mas é muito difícil que as mulheres individualmente decidam não ir trabalhar como forma de protesto. A opressão às mulheres é muito forte no trabalho, com assédio moral e muitas vezes sem direitos trabalhistas. As mulheres estão na maioria dos postos de trabalho precários e desafiar isso individualmente significa a demissão.  Por isso não tem como existir uma greve de mulheres sem existir uma organização sindical que a convoque e a greve acabou tendo um caráter mais simbólico do que concreto, com exceções onde existiu uma organização coletiva.

No Brasil, um 8M contra a Reforma da Previdência

Atender ao chamado internacional de lutar contra os ataques neoliberais significava aqui no Brasil, colocar o movimento de mulheres nas ruas contra a Reforma da Previdência proposta por Temer. Esta reforma irá acabar com um direito histórico das mulheres que era se aposentar com 5 anos a menos do que os homens. Comprovadamente as mulheres trabalhadoras brasileiras trabalham 8 horas a mais por semana do que os homens, devido ao peso do trabalho doméstico. Se a Reforma passar, será o maior ataque aos direitos das mulheres já visto. Por isso, foi corretíssimo que na maioria dos locais o eixo da mobilização fosse contra a Reforma da Previdência do golpista Temer.

Em São Paulo, a manifestação que reuniu a maioria das organizações de mulheres na Praça da Sé, teve como eixo “Aposentadoria fica, Temer sai. Paramos pela vida das mulheres”. A Marcha das mulheres em São Paulo também se unificou com as passeatas de professores tanto da rede estadual quanto municipal que paralisaram no dia, reunindo mais de 20 mil mulheres.

Não existe possibilidade de derrotarmos a Reforma da Previdência e também os projetos de flexibilização da legislação trabalhista sem a máxima unidade de todos os movimentos. Não existe espaço para posturas divisionistas. Por isso os atos unitários e a unificação com as categorias foi uma demonstração madura do movimento de mulheres de que a luta das mulheres hoje no Brasil passa pela luta unificada com o conjunto dos explorados e oprimidos em uma só luta para derrotar os ataques neoliberais como convocava o manifesto de Ângela Davis.

Ao mesmo tempo, o movimento sindical tradicional há que reconhecer que a marca das mulheres nos atos deste dia 08 foi essencial para serem vitoriosos. Manifestações mais horizontais, um verdadeiro encontro de inúmeros coletivos e agrupamentos feministas, com suas baterias e megafones circulando, com as mulheres negras, indígenas e LGBT’s à frente, sem o peso sufocante dos grandes aparatos burocráticos, deve indicar que é necessário que o movimento sindical também repense suas práticas se quiser ter uma participação maior das mulheres nas próximas manifestações contra a reforma da previdência, como a que está marcada para este dia 15.

O machismo mata, e o feminismo que liberta é aquele que não abaixa a cabeça para o capital!

Mas dentro da unidade necessária, as frentes e blocos de esquerda também tiveram papel fundamental. Assim como o feminismo liberal de Hilary Clinton não é saída para as mulheres norte-americanas, aqui no Brasil, ter tido uma mulher na presidência que ficou refém da conciliação de classes com os banqueiros, com os grandes empresários e o agronegócio, assim como as alianças com as bancadas fundamentalistas no congresso nacional, demonstrou que esta não pode ser a saída para as mulheres trabalhadoras, negras, indígenas e LGBTs brasileiras. Por isso, experiências como o lançamento da Frente Feminista de Esquerda em São Paulo, provam de que existe espaço real para traçarmos uma estratégia de independência de classes e anticapitalista para o movimento feminista no Brasil.