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EDITORIAL

Eleições francesas: quando a corrupção altera o panorama

Por Renato Fernandes, Campinas (SP)

 

Há seis semanas, uma denúncia de corrupção alterou totalmente o panorama eleitoral francês. O candidato que estava com mais chances de ganhar as eleições, François Fillon, do tradicional partido de direita, Les Republicains, está envolvido num grande caso de corrupção: o de ter empregado a sua mulher, Penelope Fillon, num emprego fictício durante seus mandatos parlamentares, recebendo quase 1 milhão de Euros por este emprego.

De acordo com uma tabela salarial divulgada pelo próprio candidato, Penelope Fillon trabalhou desde 1986 como assistente parlamentar. O problema, levantado pelos jornalistas e pela enquete judicial, é que em 2007, Penelope afirmou que não trabalhava com Fillon, apenas o acompanhava nas atividades políticas. Informação confirmada por uma biógrafa de François Fillon, Christine Kelly, que realizou diversas entrevistas com pessoas próximas de Fillon, e com ele próprio, disse que “nunca escutou falar que Madame Fillon trabalhava” como assessora. Soma-se a isso, o trabalho declarado de Penelope Fillon na revista Deux Mondes, propriedade de um bilionário, amigo próximo de François Fillon, na qual Penelope também teve um trabalho fictício, já que não existem artigos dela na revista e nem o antigo diretor da revista sabia da existência dela como funcionária.

Esse é um caso que ainda está em investigação e François Fillon foi convocado para explicações. A partir daí poderá se abrir um processo judicial contra ele. Mas, como as provas contra ele são fortes, o mais provável é que o processo prospere, principalmente no caso da utilização das verbas parlamentares, que significa desvio de dinheiro público.

O resultado do processo judicial é ainda imprevisível, porém o resultado político foi imediato: nas últimas semanas, a variação de Fillon foi grande. De favorito para ganhar as eleições, Fillon caiu para terceiro. As pesquisas variam muito, mas uma última realizada no início deste mês, deu 19% para Fillon, contra 25,5% para a candidata da extrema direita, Marine Le Pen, e  27% para o candidato social-liberal Emmanuel Macron – foi a primeira pesquisa na qual Le Pen não apareceu na frente. Ao mesmo tempo, essa pesquisa demonstra que se o candidato da direita fosse Alain Juppé, derrotado nas primárias por François Fillon, ele seria o vencedor do primeiro turno com 26,5%, contra 25% de Macron e 24,5% de Le Pen.

A queda na pesquisa e o aprofundamento da investigação fez com que François Fillon começasse a perder parte do apoio político que vinha recebendo. Para se ter uma ideia, mais de 40 membros do seu comitê de campanha pediram demissão, incluindo os três diretores de campanha de Fillon. O principal diretor de campanha era Patrick Stefanini que tem no seu currículo a campanha vitoriosa de Jacques Chirac de 1995. A carta de demissão de Stefanini, tornada pública nesta sexta-feira, deixou claro os motivos: ele está contra que Fillon continue a campanha caso se abra o processo judicial e também já não acredita mais em sua vitória. Um dos partidos que apoiava a campanha de Fillon, a União dos Democratas e Independentes (UDI), com 32 deputados nacionais, retirou seu apoio e declarou que Alain Juppé é o candidato legítimo para substituir Fillon.

Mesmo com toda essa pressão, François Fillon está decidido a manter a campanha. Em entrevista para a rede de TV France 2, na noite de domingo, 5/3, afirmou que “ninguém pode impedi-lo de ser candidato”. Num comício, na parte da manhã, já havia reafirmado que não retirará sua candidatura e acusou todos aqueles que estão “abandonando o navio”. Foi uma demonstração de força: Fillon anunciou mais de 200 mil no comício em Paris, mas o jornal Le Parisien estimou o público em aproximadamente 30 mil.

 

As denúncias contra Le Pen

 

Assim como a direita, a extrema direita também sofre com denúncias de corrupção envolvendo o mesmo problema de empregos fictícios. Marine Le Pen é deputada no Parlamento Europeu e sofre acusações de ter utilizado verbas parlamentares para empregar funcionários que não trabalhavam no Parlamento Europeu, mas para seu partido, o Front National. O Parlamento Europeu havia estipulado que Le Pen deveria devolver 340 mil Euros em fevereiro, em razão desses empregos fictícios, valor que não foi devolvido pela deputada. Ela também declarou que não irá responder a nenhuma investigação antes das eleições presidenciais.

Dificilmente esse caso de empregos fictícios terá o mesmo peso do que para Fillon. Mas uma coisa que os dois casos demonstra é como tanto a direita, quanto a extrema direita se utilizam dos privilégios parlamentares para a utilização seus próprios benefícios: no caso de Fillon, para um benefício familiar; no caso de Le Pen, para o fortalecimento de seu próprio aparato partidário. Isso demonstra também o quanto a candidata “anti-sistema” Le Pen, não é mais do que uma peça do próprio sistema capitalista francês.