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OPRESSÕES

A credibilidade no Brasil tem gênero, raça e classe

Por: Gleide Davis

Sabemos que a polarização social sempre nos permitiu ver de maneira nítida a separação racial causada pela desigualdade no Brasil. A pobreza, que é o principal braço desta desigualdade, tem abrangência não só econômica, mas também cultural, de acessibilidade e de liberdade de expressão. E, consequentemente, expressa de maneira estrutural quem irá comandar as diretrizes da sociedade como um todo.

A centralização racial da cultura se manifesta, por exemplo, na educação. Educação esta que é totalmente eurocêntrica e determinada pela ideologia dominante que é branca. Isso faz com que o acesso à cultura seja norteado, por exemplo, pelas teorias de branqueamento da sociedade, que foram criadas por sociólogos que acreditavam na miscigenação como um fator positivo para tornar a sociedade totalmente branca e consequentemente “limpa”. Com a predominação da cultura eurocêntrica na educação, aprendemos a lidar com a arte e a filosofia criadas na Europa branca como parâmetros acadêmicos para a nossa formação social.

As línguas Iorubá e Guarani-kaiowá, por exemplo, não são vernáculas, ao contrário da língua francesa e inglesa que são quase um sine qua non das atribuições de língua portuguesa na universidade. Com isso, a cultura dos países periféricos é tida como algo meramente cultural e nunca tem parâmetro científico, perdendo a legitimidade de construção dos indivíduos para a formação mercadológica. Podemos visualizar isso palpavelmente quando em uma situação cotidiana, uma pessoa que fala Latim não tem vantagem sobre uma que fale espanhol numa vaga de emprego.

Por isso é que vemos pessoas negras muito mal sucedidas financeiramente em suas áreas de estudo, mesmo quando possuem uma formação acadêmica densa e um conhecimento de décadas na sua área de atuação. Não possuem a mesma credibilidade de uma pessoa branca, mesmo que esta última não tenha metade da formação acadêmica ou conhecimento de área que a pessoa negra.

É muito natural acreditar que pessoas negras não possuem credibilidade para falar sobre determinado assunto, porque intrínseco à sua cor prevalece a ideia de que ela teve uma educação empobrecida e que, por este motivo, não merece ser ouvida com confiabilidade. Da mesma forma que diversos estudos carregados de racismo, machismo, LGBTfobia e senso comum são amplamente e inquestionavelmente aceitos como ciência. O racismo institucional aliado com o cientificismo positivista permeiam as relações sociais, ditando quem deve ter credibilidade sobre a cultura, educação, filosofia, política e até mesmo sobre denúncias na internet que são tidas como inquestionáveis pela cor do indivíduo que a faz.

São 500 anos de silenciamento negro no Brasil. É hora dos movimentos sociais de esquerda começarem a entender a questão racial como um norteador para a superação da exploração capitalista, e, para tanto, é fundamental falar menos e ouvir mais. Nossas vivências nos custam muito mais do que “local de fala”, mas representam o conhecimento científico do povo africano ou “afro-americano” sobre a nossa valorização cultural, religiosa, filosófica, linguística, entre outros. E que devem ser encaradas com o mesmo peso acadêmico da cultura eurocêntrica para descentralizar o elitismo e racismo da academia e, assim, começarmos a traçar caminhos profundos para a superação do racismo.

Foto: EBC