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EDITORIAL

15 de fevereiro: Manifestação europeia contra o CETA

Por Bruno Pedrico e Tom Joad, Bruxelas, Bélgica.

 

Em 15 de fevereiro, milhares de manifestantes franceses e europeus se manifestaram em frente ao Parlamento Europeu em Estrasburgo para dizer “NÃO” ao Tratado de Livre Comércio CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement) negociado em total opacidade entre o Canadá e a União Europeia (UE).

Se o novo presidente americano se opôs ao TTIP (o tratado entre os EUA e a UE) durante sua campanha eleitoral, este não é o caso do seu homólogo canadense.  No 30 de outubro de 2016, Justin Trudeau (Primeiro-ministro canadense), Jean-Claude Juncker (Presidente da Comissão Europeia) e Donald Tusk (Presidente do Conselho europeu) aprovaram oficialmente o acordo comercial.

O Parlamento Europeu acaba de aprová-lo, por sua vez. O tratado deve ser ratificado por 38 parlamentos nacionais e regionais dos Estados-Membros da UE, o que pode levar anos … A luta ainda não acabou.

 

O que é o Tratado CETA?

 

Atualmente, as empresas europeias e canadenses estão sujeitas a normas (ambientais, fiscais, sociais, e de saúde) muito diferentes. Diante disso, quais são os objetivos do Tratado?

  1. Fortalecer a proteção dos investimentos, criando entre outras, um tribunal de arbitragem internacional (ICS em inglês), reservado para as empresas privadas, o que lhes permitiria exigir milhões de dólares em indenização, no caso de uma regulamentação pública que impeça/diminua a realização dos seus lucros.
  2. Estabelecer um fórum de cooperação regulamentar em que os lobbies empresariais pressionarão para a harmonização das normas existentes, por baixo (em particular sobre a carne tratada com hormônios, uso de produtos químicos e Organismos Geneticamente Modificados) e impedirão a ocorrência de qualquer medida pública adversa a seus interesses.
  3. Permitir a liberalização de muitos serviços de interesse geral (transportes, correios, serviços sociais e de saúde, gestão e proteção do meio ambiente …). Isso apresenta grandes riscos de aumentos de preços para o usuário.
  4. Aprofundar a abertura de licitações públicas para os investidores estrangeiros, proibindo qualquer critério territorial preferêncial para o desenvolvimento de negócios e de emprego local.
  5. Aumentar as quotas de importação de carne, de trigo e milho para várias centenas de milhares de toneladas, em benefício do agronegócio canadense e europeu, o que permitirá acelerar a falência de muitas pequenas fazendas familiares.

 

Em conclusão, mais uma vez, o Canadá e a UE estão criando novos direitos para os investidores privados, sem incluir quaisquer sanções pelo não cumprimento das escassas salvaguardas sociais e ambientais contidas no Tratado.

Nenhum limite é colocado para as multinacionais, que exercem uma chantagem permanente de deslocalização, para forçar a redução dos salários, uso massivo de contratos temporários e de restrições às liberdades sindicais. As empresas norte-americanas que operam no Canadá também irão se beneficiar das vantagens concedidas pelo CETA. O surgimento de acordos de livre comércio, como o nascimento da União Europeia (UE) em si, é a expressão do capitalismo contemporâneo: globalizado, financeiro e despótico. Eles se somam às leis de austeridade e de competitividade no arsenal moderno de multinacionais, para remover progressivamente os obstáculos colocados pelas legislações sociais e ambientais.

 

Resistência

 

Na Bélgica, este tratado provocou uma longa resistência, cujos elementos importantes foram:

  1. Uma ampla mobilização popular, que não foi encampada pelos líderes sindicais, que não informaram nem mobilizaram os trabalhadores, deixando sem explicar o impacto desses tratados sobre sua indústria e seus negócios; mas ela foi impulsionada por algumas associações de consumidores e de pequenos agricultores e por sindicatos de servidores públicos, com o apoio das instituições sociais de saúde e mesmo uma organização dos empregadores de Pequenas e Medianas Empresas. (UCM)
  2. Um movimento com bases locais/ territoriais, que se organizaram para pressionar coletivamente as autoridades locais e declaram seu município “fora do TTIP/ CETA”.
  3. Um movimento ao longo do tempo, tendo iniciado em 2013 e continuado ativo até agora.
  4. Um movimento de massas, construído em torno de ações radicais e perturbadoras da normalidade, como o cerco às reuniões de cúpula europeia, e múltiplas ações descentralizadas, tudo culminando em uma manifestação de 15.000 pessoas, em setembro de 2016, em Bruxelas.
  5. A exigência clara: “Stop CETA! “ incluindo todas as reivindicações sociais e ambientais e exigindo a revogação de todo o tratado.

Esse movimento tem abalado os dois partidos socialdemocratas (PS e CDH) no poder em Wallonia (a região francófona). Em outubro de 2016, quando eles anunciaram que iriam se recusar a assinar o tratado, despertaram uma enorme onda de esperança entre a população. Esta oposição durou 10 dias!  Dez dias durante os quais uma reunião de cúpula europeia teve de ser adiada! Mas, diante da intensa pressão do governo federal e da UE, eles finalmente ratificaram o tratado sem a obtenção de progressos substanciais. Este “momento CETA” teve uma forte audiência nos meios de comunicação para os argumentos dos adversários da CETA. A opinião pública hoje é principalmente oposta a esses tratados.

No Parlamento Europeu, no dia 15 de fevereiro, quase a metade dos deputados socialdemocratas votaram contra ou se abstiveram. O caso da França é emblemático: devido à aproximação das eleições, todos os políticos de direita, socialistas, ambientalistas e a esquerda radical votaram contra. Várias outras delegações da Europa Ocidental tinham votado contra ou estão divididas. Nunca um acordo de comércio tem despertado tanta oposição no Parlamento Europeu e nas ruas.

Mas não nos enganemos: onde a socialdemocracia está no poder e tem capacidade de bloquear o tratado, como na França e na Walónia, ela finalmente não tomou nenhuma decisão de se opor, de verdade, aos interesses das multinacionais. Ao assinar o pacto de ajuste fiscal europeu (TSCG) em 2013 e hoje a CETA (2017), a socialdemocracia demonstra definitivamente que não é um baluarte contra o neoliberalismo. Em todos os níveis de poder, ela construiu um Estado que além de pretender facilitar os intercâmbios comerciais, está trabalhando ativamente para expandir e proteger a esfera do mercado. Apesar de suas declarações ofensivas e de seus votos de oposição, a socialdemocracia está totalmente ganha para a gestão do capitalismo moderno: não se pode contar com ela para conseguir avanços para os trabalhadores.

 

Por Outra Globalização

 

Durante os 5 anos de negociações do CETA, foram recolhidas mais de 3,5 milhões de assinaturas contra o tratado, mas todas as iniciativas democráticas (Iniciativa de Cidadania Europeia, referendo …) foram desprezadas e rejeitadas pelos líderes europeus. Hoje, o descrédito das teorias neoliberais abre uma possibilidade de mudança, mas o vazio deixado pela falta de alternativa política que materialize a solidariedade entre os povos, alimenta o desenvolvimento de ideias de extrema-direita, como os de Donald Trump ou de Marine Le Pen na França.

Eles enfatizam sua oposição ao livre comércio para ganhar a simpatia. Mas por trás dessa fachada, seu projeto é o de aumentar incentivos fiscais para empresas e famílias mais ricas, ao mesmo tempo que destroem os direitos sociais e sindicais dos trabalhadores, especialmente dos imigrantes, para rebaixar seu nível de vida ao os países com baixos custos. Esse programa tem como objetivo incentivar as multinacionais que operam no país para explorar ainda mais a mão de obra local, em vez da mão de obra de outros países. Isso não vai ajudar os operários vítimas da deslocalização.

 

Contra esse declínio racista e nacionalista, devemos lutar por um projeto internacional, solidário e anticapitalista. Um projeto em que:

  • Como resultado de uma extensa campanha de informação e de mobilização contra estes tratados, nas ruas, nos locais de trabalho, nas organizações sindicais e nos movimentos associativos, as pessoas se pronunciem diretamente sobre o tratado de livre comércio por meio de um referendo
  • As normas sociais, de saúde, alimentação e ambiental estão harmonizados por cima, impondo, por exemplo, um salário mínimo idêntico e atualizado em todos os locais de produção relacionados ao comércio internacional;
  • Essas normas têm precedência sobre os direitos dos investidores e a livre circulação de capitais, ou seja, normas vinculadas e acompanhadas de sanções para evitar a concorrência entre trabalhadores e os sistemas nacionais de segurança social e de proteção do meio ambiente.
  • A livre circulação de pessoas, por sua vez, é garantida pela regularização de todos imigrantes “indocumentados”.

Tal projeto é impossível sem uma ruptura com o modelo capitalista atual, isto é, sem uma férrea oposição aos principais acionistas dos monopólios multinacionais que escolhem para quais países se deslocar de acordo com a taxa de lucro e de acordo com a sua capacidade de desarmar as lutas populares, sociais e ambientais.