Por: Pedro Augusto, do ABC Paulista
Chama a atenção a afirmação de Pedro Parente, presidente da Petrobras nomeado por Temer, de que as empresas convidadas para participar das licitações para a conclusão da obra da Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN), no Comperj, não seriam estrangeiras, por possuírem atividades e funcionários no Brasil: “A empresa que está instalada no Brasil, está produzindo no Brasil, está empregando e empregando brasileiros num grande número, gerando renda no nosso país, essas empresas não são consideradas estrangeiras”, disse. Para complementar, afirmou que o destino dos lucros tratava-se de “uma questão de política interna de cada empresa”.
A visão peculiar de Pedro Parente sobre a nacionalidade das empresas é o retrato da atual política que ele e o governo ilegítimo de Temer têm para a Petrobras. A ideia que deu origem às mobilizações populares que nos anos 1950 levaram à criação da Petrobras, expressas no slogan “O petróleo é nosso”, não fazem qualquer sentido para Parente e a diretoria da Petrobras.
O início do atual mega plano de privatização da empresa, denominado de “plano de desinvestimento e parcerias”, deu-se ainda no governo Dilma, sob a gestão do presidente Aldemir Bendine. Seria desonesto, portanto, afirmar que os rumos da Petrobras coadunavam com o seu slogan fundacional antes do golpe que levou Temer à presidência do país e Parente à presidência da Petrobras. O curso de entrega das riquezas extraídas do nosso subsolo às multinacionais nunca foi revertido, desde a quebra do monopólio estatal do petróleo nos anos FHC. Mesmo durante os governos do PT, vide o Leilão de Libra, que entregou 60% do maior campo do pré-sal às multinacionais Shell (estadunidense), Total (francesa), CNPC e CNOOC (chinesas).
No entanto, as pesquisas mais recentes que perguntavam aos brasileiros se estes eram a favor ou contra a privatização da Petrobras sempre expressaram que mais de 60% dos entrevistados são contrários, mesmo após todos os escândalos de corrupção. O Instituto Datafolha realizou essa pesquisa em Março de 2015 e o resultado foi que 61% dos entrevistados eram contra a privatização e somente 24% eram favoráveis ao controle da empresa pela iniciativa privada. O Instituto Paraná Pesquisas realizou pesquisa semelhante em Julho de 2016 e o resultado foi que 63,3% dos entrevistados são contrários à privatização, contra 31,1% que são a favor. Se considerarmos a posição de todas as principais entidades representativas dos trabalhadores da Petrobras, como a FUP (Federação Única dos Petroleiros), a FNP (Frente Nacional dos Petroleiros) e a AEPET, fica evidente que a categoria também rechaça a ideia da Petrobras como uma empresa comum, que responda somente ao mercado e aos seus acionistas.
Isso explica a aparente contradição dos governos do PT, que atendiam aos interesses do mercado e das multinacionais, mas sempre com medidas supostamente regulatórias do capitalismo, para não chocar-se com as bases de sustentação de seus governos. A adoção do modelo de Partilha para o pré-sal, por exemplo, que previa a obrigatoriedade da participação da Petrobras em todos os campos da província petrolífera e a operação de todos os blocos foi um exemplo dessa contradição. Ou então a política de conteúdo local, que previa uma participação mínima de contratos com empresas brasileiras nos empreendimentos da indústria de óleo e gás. Na prática, tratava-se de uma tentativa de conciliação que mostrou-se impossível. No final do governo Dilma, ela própria rendeu-se a José Serra e fechou acordo para o texto da PL 4567-16, que retirou da Petrobras todas as obrigações para com o pré-sal, possibilitando a entrega integral de blocos às multinacionais. Não se trata aqui de minimizar as mudanças ocorridas na indústria petrolífera e naval durante os governos do PT, mas de entender os seus limites e porque foram tão facilmente revertidas.
O governo Temer, seus apoiadores e também Pedro Parente, no entanto, estão dispostos não somente a entregar as riquezas geradas pela indústria do petróleo do país às multinacionais, mas também entraram fortemente na disputa para virar a opinião pública em favor dessas políticas, como uma resposta à ineficiência do modelo anterior. Trata-se, portanto, além de uma disputa política, de uma disputa ideológica de legitimação dessas mesmas políticas. Caso vençam essa batalha que está em curso, mesmo as frágeis concessões dos governos do PT no sentido do fortalecimento da indústria de óleo e gás e naval do país serão revertidas não só conjunturalmente como já tem sido, mas poderá se estabelecer um novo paradigma político e ideológico, no qual não interessa o destino da riqueza produzida, ou o fortalecimento da Petrobras como o agente principal e regulador da indústria do petróleo no Brasil.
Essa intenção fica cada vez mais evidente quando vemos as últimas declarações de Ivan Monteiro, diretor executivo de finanças da Petrobras, quando anunciou que a Petrobras tem US$ 42 Bi de ativos que podem ser vendidos. Se antes o argumento para as vendas era o endividamento da empresa, hoje Monteiro admite que esse argumento era falso. Segundo a matéria do G1, ele enfatizou que a companhia tem hoje solidez financeira e condições de arcar com seus compromissos mesmo sem a execução do plano de venda de ativos. Ele afirmou que a Petrobras tem US$ 22 bilhões em caixa, volume “que gera total tranquilidade para os próximos dois anos e meio”. O valor não considera o dinheiro que a estatal vai receber da venda de ativos em 2016, que serão depositados ao longo de 2017, nem recursos de negociações em andamento. “Isso é maior que todos os vencimentos de 2017 e 2018”, disse Monteiro, conforme a matéria do G1.
Durante a realização da feira Rio Oil & Gas, em Outubro de 2016, o diretor de refino e gás da Petrobras, Jorge Celestino, falava sobre o modelo de parceria que a Petrobras pretende implementar na área do refino, que hoje é responsável por abastecer o país de derivados. Nesse novo modelo, de refinarias e terminais privatizados, o sócio da Petrobras teria controle sobre as próprias margens de lucro, ou seja, teria a liberdade de optar pelo quanto produzir, onde produzir, de quem comprar o petróleo e para quem vender o produto final.
Em última instância, essa medida poderia causar um complicador tanto para a Petrobras escoar a sua produção de petróleo, quanto para o suprimento da demanda de combustíveis do país. Perguntado sobre o impacto da medida, Celestino afirmou: “Para o país, talvez não seja a melhor solução. Mas é a melhor solução para a Petrobras”, dizendo que a empresa busca sócios neste segmento porque “não pode um país ter uma empresa com 100% do mercado”. Com essa afirmação, fica mais fácil entender porque as vendas de ativos continuarão mesmo não sendo imprescindíveis para a sobrevivência da Petrobras. A abertura dos mercados que hoje a Petrobras domina às multinacionais e grupos de investimento privados é o objetivo de fundo do atual programa.
Casado a esse objetivo de parcerias em áreas de refino, foi implementado uma nova política de preços de combustíveis. A nova política de preços foi gestada pelo Grupo Executivo de Mercado e Preços (GEMP) criado em outubro e composto pelo presidente da empresa, Pedro Parente, o diretor do Refino e Gás Natural, Jorge Celestino Ramos e o diretor financeiro e de relações com os investidores, Ivan de Souza Monteiro. O grupo avalia mensalmente os preços praticados internacionalmente, os riscos associados à operação e o nível de participação no mercado. Vejam que não é avaliado o impacto sobre a inflação ou sobre a renda das famílias, desvinculando completamente os preços do gás de cozinha, da gasolina ou do diesel de uma política de interesse social da maioria da população. Um modelo feito sob medida para incorporar a participação privada num ramo que foi desenvolvido exclusivamente pela Petrobras, com foco no abastecimento de combustíveis do país.
Ou seja, a nova política de preços de combustíveis praticada pela Petrobras; o convite às multinacionais para a continuação das obras do COMPERJ; os processos de venda de ativos em curso e os já concluídos, que vão desde a BR Distribuidora, passando pela Liquigás, as malhas de gás do Sudeste, os campos no Pré-sal e em Águas Rasas, e que agora prometem chegar às refinarias; o acordo com a petroleira francesa Total, que envolve, inclusive doação da participação da Petrobras em campos de petróleo, mostram que o atual plano de negócios reflete não somente uma medida de emergência conjuntural, mas uma mudança global de paradigma, como foi nos anos 90, com FHC.
Essa mesma política também se reflete na relação da Petrobras com os seus trabalhadores. Está em curso uma tentativa de atacar os direitos conquistados pelos petroleiros ao longo de sua história de luta pela valorização da categoria e da defesa dos empregos. Além de recusar-se a repor a inflação na data-base nos dois últimos anos, a direção da Petrobras também quer implementar uma jornada de trabalho com redução de salário e já iniciou a aplicação de um novo sistema de punições aos trabalhadores envolvidos em acidentes de trabalho. E isso num contexto em que os concursos públicos estão congelados e os planos de demissão voluntária já chegaram a 8 mil trabalhadores e podem atingir uma redução de efetivo de 20 mil trabalhadores, o que significa mais de 26% dos trabalhadores próprios, sem contar as 170 mil demissões de petroleiros terceirizados só entre 2014 e Março de 2016. Os programas de demissões voluntárias anunciadas pelo Banco do Brasil, Caixa, Correios, Eletrobras, Infraero, dentre outras empresas de controle estatal demonstram que o plano da Petrobras é parte de uma política de Estado.
Petrobras nunca produziu tanto quanto agora
Importante destacar que os resultados operacionais da Petrobras também vão de vento em popa, batendo recordes atrás de recordes.
A produção média de petróleo no Brasil atingiu, em 2016, recorde histórico anual, alcançando a marca de 2.144.256 barris por dia (bpd), 0,75% acima do resultado do ano anterior e no centro da meta de 2,145 milhões bpd prevista para o período.
A média anual da produção operada na camada pré-sal, em 2016, também foi a maior da história, atingindo a marca de 1,02 milhão barris de óleo por dia e superando a produção de 2015 em 33%.
Com a produção própria de gás natural, que atingiu, em 2016, inéditos 77 milhões m³ diários, a produção total no país chega a 2,63 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boed) – 1% a mais que o alcançado em 2015, e também um novo recorde para a Petrobras.
Esses resultados robustos, definitivamente, não são produto da gestão de Temer e Pedro Parente, que acabam de ultrapassar os 7 meses e que pretendem desmontar a Petrobras e a indústria nacional de óleo e gás e naval. Também ficaria difícil explicar que se devem somente às medidas implementadas durante os governos do PT, uma vez que esses governos tiveram políticas muito contraditórias entre si e sempre foram pressionados pelo movimento dos trabalhadores petroleiros, que já possuíam um programa para a Petrobras. Foram responsáveis pela expansão da indústria de petróleo, das contratações de efetivo e dos investimentos da Petrobras, mas também iniciaram o desmonte dessas mesmas políticas, que além do mais privilegiaram enormemente as grandes empreiteiras com obras superfaturadas e os partidos da base do governo, que foram o caldo de cultura da Lava Jato e, também, do golpe parlamentar.
O que permanece são os trabalhadores que pesquisaram, exploraram e produziram, e há décadas lutam por uma Petrobras 100% Estatal e alavanca do desenvolvimento econômico e da soberania energética do país. A eles deve ser atribuído esses sucessos, apesar dos esforços dos diferentes governos e da direção da empresa de atribuir a si os méritos.
Diretoria da Petrobras convidará somente estrangeiros para retomar as obras do Comperj
A diretoria da Petrobras anunciou na Quarta-feira (11) a abertura de licitação para a finalização das obras da Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN), no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Todas as trinta empresas convidadas são estrangeiras, segundo relatou fonte da empresa ao jornal O Estado de São Paulo.
Pedro Parente fez questão de explicar que essa movimentação não significava a retomada do Comperj, cujo projeto original envolvia dois trens de refino e plantas petroquímicas, além da unidade que a Petrobras acaba de anunciar o retorno das obras, conforme relatado pela reportagem da Folha. A obra da UPGN seria concluída para viabilizar o escoamento da produção do pré-sal, que aumentará nos próximos anos, reafirmando que o refino e o abastecimento do país não são prioridades no atual plano de negócios, o PNG 2017-2021.
Empreiteiras brasileiras só voltam a participar com acordo de leniência
As empreiteiras do país com porte para atender à modalidade de contratação que quer a Petrobras estão sendo investigadas pelo TCU, como desdobramento da Operação Lava Jato. Por isso, elas só poderiam voltar a firmar contratos com a Petrobras em caso de acordo dessas empresas com a CGU (Controladoria Geral da União), através do acordo de leniência. Essa modalidade de acordo, com origem no direito estadunidense, segue o mesmo princípio da delação premiada, na qual o infrator recebe benefícios por colaborar com as investigações. Um dos benefícios, no caso, seria a permissão para fazer contratos com a Petrobras, novamente.
No entanto, a Petrobras insiste em utilizar o mesmo modelo de contratação que utilizou em praticamente todos os contratos superfaturados feito com as empreiteiras, identificados pela Lava Jato. O modelo consiste em contratar uma empreiteira de grande porte, que subcontrataria todos os equipamentos e a montagem, como foi o caso da Queirós Galvão no Comperj.
Esse modelo é criticado pela Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), que em carta enviada ao conselho de administração da Petrobras, propõe que a Petrobras lançasse vários editais, para cada ítem ou grupos menores de equipamentos, de forma que empresas de menor porte pudessem concorrer. Nesse caso, não só as empresas estrangeiras poderiam participar, pois há muitas empresas de engenharia no Brasil de pequeno e médio porte que não estão sendo investigadas pela Petrobras. Parente já havia afirmado, em Setembro de 2016, que a atual política de conteúdo local exigida para a indústria do petróleo “faz mal ao Brasil”.
A atual decisão confirma de forma categórica a visão que a atual diretoria da Petrobras e o governo Temer possuem com relação ao desenvolvimento da indústria nacional. Para amenizar o discurso, ancoram-se na impossibilidade de participação das grandes empreiteiras envolvidas na Lava Jato, induzindo à falsa conclusão de que seria impossível um outro modelo de contratação, que inclusive poderia impor mais dificuldades à formação de cartéis e à prática de superfaturamento.
Como é possível vencer essa disputa em favor dos trabalhadores e da juventude?
Ninguém melhor do que os próprios trabalhadores petroleiros para liderar essa disputa ideológica e política contra o governo Temer, Pedro Parente e aliados. Essa disputa, no entanto, deverá ter como palco principal a luta de classes, através da mobilização permanente dos trabalhadores e uma forte campanha em defesa da Petrobras e da manutenção da riqueza gerada pela indústria petrolífera no país para os trabalhadores e jovens brasileiros.
Essa campanha, no entanto, só poderá ser vitoriosa se for relacionada com os demais ataques implementados e que estão na pauta do governo ilegítimo de Temer, como a Reforma da Previdência, a Reforma Trabalhista, assim como a já votada PEC 55, que congela os investimentos públicos nas áreas sociais por 20 anos. Para isso, será necessário que além das federações de petroleiros, tanto a FUP como a FNP, também todas as centrais sindicais encampem uma verdadeira plataforma de defesa dos direitos e contra os ataques do governo Temer e dos governos estaduais e municipais que aplicam as mesmas políticas. Um dia nacional de paralisação de verdade deveria ser o primeiro passo para colocar Temer e seus aliados contra a parede.
Um balanço crítico da experiência dos governos do PT também é fundamental. É impossível dissociar o ponto a que chegamos do caminho construído por esses governos e as suas alianças com inimigos notórios dos interesses dos trabalhadores e da soberania do país, como o próprio Temer. As tentativas de regular a indústria capitalista como uma forma de colher benefícios para a maioria do povo também se mostraram inviáveis. É preciso, portanto, forjar um novo programa de independência de classe para a Petrobras e a soberania energética do Brasil.
A guerra não está perdida, apesar das batalhas desfavoráveis que tivemos. Reconhecer os erros que nos trouxeram até aqui, como a desmobilização dos trabalhadores e a falta de unidade num esforço contra os inimigos comuns da nossa classe para blindar um governo supostamente progressista, é fundamental para que possamos sair vitoriosos. Apostar na luta direta e na mobilização dos trabalhadores ao invés de esperarmos uma imprevisível eleição em 2018, também é condição para a vitória. Não temos tempo a perder.
Comentários