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EDITORIAL

Massacre de Manaus: o retrato da privatização penitenciária

Na primeira semana de 2017, o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ), em Manaus, foi palco de uma verdadeira guerra. O massacre deixou 56 mortos, segundo informações da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, e já é a maior carnificina penitenciária desde o episódio ocorrido no Carandiru, São Paulo, em 1992.

Ainda que os dados sejam pouco divulgados e de difícil acesso, o número de homicídios em penitenciárias no Brasil é alarmante. Estima-se que, no ano de 2013, por exemplo, ao menos 197 presos tenham sido assassinados no país, sendo que 20 desses registros foram feitos no Amazonas, o terceiro maior número dentre as unidades da federação.

A advogada Margaria Pressburguer, integrante do Subcomitê para Prevenção da Tortura da ONU, em entrevista para o Adital, declarou: “hoje em dia, você está vendo a população enraivecida, querendo fazer justiça com as próprias mãos. Então, quando você fala da população carcerária, é aquela velha resposta: ‘Mas não tem nenhum santinho lá dentro, deixa matar, deixa morrer, não vai fazer falta’”.

As autoridades amazonenses alegam que a motivação do confronto no COMPAJ foi a rivalidade entre duas facções, o Primeiro Comando da Capital (PCC) de São Paulo e a Família do Norte (FDN), ligada ao Comando Vermelho, do Rio de Janeiro.

No ano de 2014, o Estado do Amazonas tinha uma população carcerária de 7.455 presos, com uma taxa de aproximadamente 192 encarcerados para cada 100.000 habitantes. Desse total, 57% eram presos provisórios e o COMPAJ funcionava com taxa de lotação de 254%.

A superlotação, além de ser fruto do processo de encarceramento em massa que se desenha em todo o país, é também elemento de tensão entre os próprios presos, o que, somado a negligência do Estado, pode resultar em tragédias como a que assistimos nessa semana.

Fundado em 1999, o COMPAJ é administrado pela Umanizzare, empresa de gestão prisional privada, em um sistema de cogestão. Isso significa que os agentes responsáveis pelos presos são prestadores de serviço contratados pela empresa com um salário médio de R$ 1.724,00 mensais.

Existem, em ao menos 22 locais do país, prisões entregues para a administração privada, além de uma penitenciária em Ribeirão das Neves (MG) que é constituída por uma parceria público-privada desde a sua criação.

O sucateamento do sistema penitenciário, em conjunto com a ideologia do “bandido bom é bandido morto”, embasa a falsa ideia de que a privatização é a melhor saída para a crise de segurança pública.

A lógica privatista de maior eficiência com o menor custo pode aumentar ainda mais os índices do encarceramento em massa e garantir a manutenção das prisões por um tempo maior. Em suma, as empresas privadas encontraram uma forma de transformar os presos em fonte de lucro através da transferência do poder punitivo do Estado.

O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking das maiores populações carcerárias no mundo, com um aumento de 380% em 20 anos. Os Estados Unidos, primeiro lugar no ranking, conta hoje com metade dos presídios privados do mundo, que movimentou, só no ano de 2005, quase 37 bilhões de dólares.

Enquanto o ser humano for considerado um produto passível de investimento e exploração, a população carcerária será o polo mais frágil e marginalizado dessa conta. O Massacre de Manaus nos deixa a lição de que não podemos transformar em mercadoria os direitos básicos à vida e à liberdade ou o retrato de uma barbárie institucionalizada será cada vez mais frequente.