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Pra não dizer que não falei das flores!

Por Gabriel Santos, de Maceio , AL

Em março de 2011, há pouco mais de cinco anos, começava a explodir um dos movimentos mais importantes e incompreendidos deste início de século, a Primavera Árabe. Hoje caminhando para o sexto ano após o inicio dos protestos, ninguém poderia imaginar o cenário atual.

Lembro que na época, nos altos dos meus 14 anos, via na televisão o povo se levantando contra o regime em diversos países. Foi aí que tive a certeza de duas coisas: é preciso uma revolução para derrubar toda esta velha ordem, e que isto deve ocorrer em escala internacional.

A Primavera Árabe em seu início foi parte da explosão mundial de manifestações e revoltas populares após a crise econômica de 2008. Os povos de diversos países foram às ruas contra as medidas neoliberais, contra o desemprego, contra a desigualdade social. Nos países árabes estas manifestações também se chocavam com regimes autoritários e ditatoriais. Logo, a queda destes regimes estava em pauta.

O regime de Al-Assad, assim como o saudita representam este velho regime, sobe o qual os levantes populares lutavam. Estes dois regimes, que são adversários no campo de batalha, tem um interesse em comum, encerrar a revolta popular que se iniciou na Tunísia e como fogo se espalhou por toda a região.

Hoje, a Primavera Árabe e em especial a Revolução Síria está novamente em pauta nas discussões políticas dos grupos de esquerda de todo o mundo. Antes de tudo é preciso deixar claro uma coisa. Nenhum grupo ocidental conhece a realidade Árabe. A opinião dos diversos grupos de esquerda para a saída da crise Síria é diversa. Mas basicamente se dividem em dois polos.

Aqueles que condenam a intervenção do imperialismo norte-americano na região, e defendem o ditador Bashar Al- Assad, defendendo também os bombardeios que o regime sírio efetua sobre populações de civis. Estes defendem Al-Assad porque afirmam que este é um bastião da luta contra o imperialismo e contra Israel na região. Afirmam também que as coisas eram melhores antes dos levantes populares em todo o mundo árabe. Que as rebeliões foram financiadas pela Arábia Saudita e potencias ocidentais. Sobre estas opiniões vamos comentar mais em baixo.

Existe também outro grupo, este do qual faço parte. Nós condenamos todos os bombardeios sobre a população civil. Condenamos a intervenção militar estrangeira no conflito Sírio, seja do imperialismo norte-americano e seus aliados ou das forças Russas. Achamos que o povo pode e tem o direito de derrubar ditadores que vivem explorando a população. Achamos que o conflito sírio não deve ser examinado com simplificações vulgares, e no momento o mais importante é a vida da população que está sendo massacrada pelos bombardeios do regime ou pelas forças do Estado Islâmico.

É preciso um diálogo com aqueles que se reivindicam como parte da esquerda revolucionária, mas acham que não é preciso condenar o massacre que a população de Aleppo sofreu, assim como acham que denunciar as atrocidades do regime sírio é ficar ao lado do imperialismo.

Um fator para se afirmar revolucionário nesta época imperialista é o internacionalismo. Sem o internacionalismo não se é possível ser revolucionário plenamente. Um dos fatores do internacionalismo é apoio à causa e a luta dos povos em diversos países do mundo. É entender que os povos podem e devem derrubar seus governos ditatoriais. Pelo menos erra isso que toda a esquerda afirmava.

Hoje em nome de uma suposta luta contra o imperialismo se deixa que um ditador assassine e mate a população inocente. Que utilize armas químicas e bombardeios sobre grupos rebeldes que tentam derrubar um regime que esta no poder a décadas e mantinha no inicio dos protestos em 2011 cerca de 33% da população abaixo da linha da miséria.

Setores da esquerda negam que existia uma revolução popular em movimento. Que foram criados conselhos populares para organizar bairros, cidades menores e um Exército Popular. Negam a repressão do regime, o assassinato, as torturas, as prisões. Colocam como inexistente a força do Exército Livre Sírio/ELS. Fazem vista grossa para os bombardeios feitos pela Rússia de Putin. Mentem dizendo que Al-Assad luta contra o Israel, quando na verdade ele nunca fez nada pelos palestinos. O que tem de revolucionário em mentiras e apoiar o massacre de um povo? O que isso tem de progressista? De internacionalista?

Apoiar o massacre de uma população inocente e comemorar a derrota de uma revolução popular é uma das coisas que setores da esquerda devem se envergonhar. O internacionalismo de muitos não passaram pela prova dos fatos. Aplaudir a vitória de Al-Assad em nome de um “mal menor”, é fazer isso sob os corpos de milhares de rebeldes e de inocentes. Essa esquerda também tem o sangue de rebeldes e de inocentes nas mãos.

Aplaudir Al-Assad é aplaudir a derrota da Primavera Árabe, a derrota de uma revolução popular, que por mais que não colocava a palavra socialismo na ordem do dia, representava o sonho de uma outra sociedade, não somente dos árabes, mas também de jovens do mundo todo. As mãos dos jihadistas, das ditaduras que se fortalecem, das potencias ocidentais que foram complacentes com o massacre de Al-Assad sobre o povo sírio, de Putin, e de setores da esquerda, se juntam e seguem em um forte ritmo aplaudindo a derrota da Revolução Síria.

Os povos do mundo árabe se mobilizaram e foram à luta sem pedir licença a ninguém. Sem pedir licença aos seus ditadores locais, ao imperialismo que os explorava, e sem avisar a esquerda ocidental. Todos estes: ditadores, imperialismo e grande parte da esquerda, se unificaram para calar as manifestações e derrotar o levante popular.

Não é segredo que a situação mundial não está favorável. Que as forças mais reacionárias se agrupam e se fortalecem. Que ganham terreno e eleições (ou dão golpes de Estado para assumir o poder) nos Estados Unidos, na América Latina, na Europa… Mas será que importa se essas forças reacionárias ganham e se mantém no poder na África e no Oriente Médio?

A esquerda como um todo não estava preparada para lidar com a crise econômica mundial de 2008, não estava preparada para aproveitá-la e protagonizá-la. Mas tem setores da esquerda que parecem que vão ser enterrados durante este processo. Aqueles que aplaudem Al-Assad são este setor. Esta esquerda está fora da construção de uma alternativa popular.

Os sírios devem decidir, por conta própria. Devem, caso ainda haja folego e munição, seguir em luta contra o regime. Independente do que pensa uma esquerda impotente, inútil e cega, que transformou lutadores sociais em terroristas, fazendo coro com o imperialismo, que dizem tanto combater.

Agora, é reconstruir a resistência. Al-Assad continua de pé. Mas os sírios sabem de revolução muito mais do que a maioria de nós. Pois passaram por uma. Construíram os tão desejados conselhos populares e um Exército Popular. Faltou um Partido Revolucionário com influência de massas. Mas a experiência foi feita. Tanto com o islã político, que agora os sírios sabem não ser alternativa. Assim como a certeza que esse regime precisa ser derrotado.

O Partido revolucionário com influencia de massas que elevaria as pautas da revolução não existe e está longe de ser criado, mas existe a possibilidade. Este Partido que não existe em lugar nenhum do mundo parece ser somente um sonho, uma ilusão. De todas as certezas que eu tenho neste mar de dúvidas, é que os setores da esquerda que apoiaram o massacre de Aleppo e apoiaram Al-Assad contra o povo em armas, não são alternativas para construir este partido ou uma revolução popular.

Condenar os bombardeios sejam do regime sírio, do imperialismo-americano e de seus aliados sauditas, ou das forças Russas de Putin. Condenar o massacre de inocentes seja pelas mãos do ISIS ou do regime sírio. E se colocar ao lado do povo e da democracia, é uma condição mais do que necessária para aqueles que acreditam que é possível superar a crise que a Síria esta derramada.

“Sejam sempre, sobretudo, capazes de sentir profundamente toda e qualquer injustiça cometida contra qualquer um, em qualquer parte do mundo. Esta é a qualidade mais bela de um revolucionário. – CHE