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BRASIL

Aumento da tarifa de ônibus em Salvador: Onde o lucro dita as regras, o que era direito vira negócio

Por Jean Montezuma, de Salvador, BA

Era um dia de janeiro, mais precisamente o dia 20 de janeiro de 2007. Naquele dia, há quase 10 anos, a prefeitura de Salvador em parceria com o sindicato dos empresários (SETPS) aumentava a tarifa de ônibus de R$1,70 para R$2,00. Aquele foi o primeiro ano em que conscientemente prefeitura e empresários recorreram ao período de festas e férias escolares para impôr um aumento da tarifa. Traumatizados que estavam pela força da “Revolta do Buzú” em 2003 e a luta contra a implementação da bilhetagem eletrônica em 2006, passaram a adotar a estratégia de impôr reajustes em períodos de recesso escolar. Com medo das ruas e em especial do movimento estudantil, apostaram na desmobilização típica do mês de janeiro.

Ao longo da última decada os sucessivos aumentos fizeram a tarifa saltar de R$1,70 (valor cobrado em 2006) até os atuais R$3,30. Agora, prefeitura e SETPS formulam uma nova proposta de reajuste e projetam o novo valor da tarifa para R$3,60. Com isso o acumulado de reajustes nos últimos 10 anos chega a soma de 80,4%! Essa prática de aumentos abusivos e injustificados, ainda mais se levarmos em conta o péssimo serviço prestado, só piorou depois da chegada de ACM Neto ao comando da prefeitura. Em 2014 ACM Neto e o SETPS organizaram um processo de licitação pra lá de tendencioso onde ao final as mesmas empresas de sempre receberam de prêmio mais 25 anos de concessão com direito, agora institucionalizado, de reajsute anual da tarifa.

A nova proposta de ajuste está sendo formulada com base num estudo encomendado pela Agência reguladora e fiscalizadora dos serviços públicos de Salvador , a ARSAL, órgão ligado ao executivo municipal. Dessa vez, não houve sequer debate na Câmara municipal e no Conselho municipal de transportes. Nada se sabe sobre os critérios desse dito estudo, mas com certeza não entram na conta os 800 ônibus que foram prometidos para renovação da frota e até hoje ninguém sabe, ninguém viu. Também não devem estar nos critérios desse “estudo encomendado” as melhorias no serviço que foram prometidas pelo prefeito ACM Neto quando justificou a manutenção do controle do SETPS sobre o transporte coletivo na capital baiana.

O caminho adotado pela prefeitura em prol do reajuste já diz muito sobre o que realmente importa para ACM Neto e sua turma. O ponto de partida e chegada é a manutenção e ampliação da taxa de lucros dos empresários. É preciso dizer não a essa farsa montada pra justificar o injustificável. Um estudo sério deveria partir da realidade concreta do serviço oferecido a população, identificar os problemas que todos nós que andamos de ônibus conhecemos bem – superlotação, atrasos, sujeira nos ônibus – e apontar medidas e prazos para solucioná-los. Um estudo sério deveria contar com uma consultoria independente que revelasse os reais custos do transporte coletivo de Salvador e dessa forma pôr um ponto final na ladainha do SETPS que sempre diz que as empresas ficam no prejuízo.

Você acha mesmo que os empresários se dedicariam a algo que não proporcionasse lucro? Acha mesmo que eles montariam um verdadeiro cartel para gerir algo que só da prejuízo? Uma consultoria independente com participação popular revelaria que entre o que dizem SETPS e prefeitura e a verdade, existe uma diferença maior do que a distância entre o céu e a terra. Se o prefeito ACM Neto e os empresários confiam tanto na justeza do aumento que estão propondo porque não mostram as planilhas de custos? Por que não promovem o debate aberto com a população que de fato usa o transporte coletivo? Por que ao final desse debate não encaminham um plebiscito popular para que o povo decida se deve haver ou não aumento e qual seu percentual? Se este caminho do debate amplo e democrático fosse percorrido, ao invés do caminho dos “estudos secretos” e decisões tomadas em reuniões de portas fechadas, os trabalhadores de Salvador saíram ganhando.

É preciso dizer em alto e bom som um grande NÃO para esse aumento da tarifa. O novo valor de R$3,60 será mais um golpe contra as condições de vida dos trabalhadores. O percentual da renda familiar dedicada ao custeio das passagens vai dar um salto. Hoje já são muitos os trabalhadores que enfrentam longas jornadas a pé para o seu local de trabalho pois já não conseguem mais arcar com o valor das passagens e, com o novo reajuste esse número crescerá. Sabemos que a questão da mobilidade urbana vai além dos ônibus, contudo o transporte coletivo é um direito e com a gestão privada tornou-se uma mercadoria que cada vez mais fica distante do alcance dos trabalhadores. Só dando um basta a ditadura do SETPS que poderemos parar essa escalada. Não precisamos e nem queremos novo reajuste da tarifa, o que Salvador precisa é de uma empresa municipal de transportes que opere o sistema e retire o nosso direito ao transporte público das mãos da corja do SETPS.