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EDITORIAL

EUA se abstêm na resolução da ONU contra os assentamentos judaicos na Cisjordânia

Por Waldo Mermelstein, São Paulo (SP)

 

Nesta sexta-feira, 23/12,  ocorreu um fato inédito na sessão do Conselho de Segurança da ONU: os Estados Unidos deixaram de exercer o seu direito de veto a uma resolução que condenava a construção de colônias judaicas na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Recordemos que pela estrutura antidemocrática das Nações Unidas, cinco membros do Conselho de Segurança possuem direito de veto (EUA, Rússia, China, Inglaterra e França).

A resolução dizia que “Os assentamentos constituem uma flagrante violação da lei internacional e um grande obstáculo para obter a solução de dois Estados, assim como uma paz justa, duradoura e completa”. Além disso, condenava “todas as medidas destinadas a alterar a composição demográfica, o caráter e o status do território palestino ocupado desde 1967, incluindo Jerusalém Oriental”.

A resolução não é obrigatória, não pedia a desocupação da imensa rede de assentamentos, estradas exclusivas e pontos de controle militar que cercam e dividem completamente as áreas mais densamente povoadas pela população palestina na região. Os detalhes dessa colonização que já alcança 500 mil moradores se podem ver no mapa elaborado pela organização israelense de informação sobre os direitos humanos nos territórios ocupados, B’Tselem. Para agravar a situação, Israel construiu um imenso muro na Cisjordânia e Jerusalém, isolando ainda mais as populações palestinas. Sem falar no cerco a Gaza, maior prisão a céu aberto do mundo. Na verdade, toda essa situação tornou totalmente inviável a ideia de um estado palestino na Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental (ideia injusta em si mesma, por excluir os direitos dos milhões de refugiados palestinos).

Mas mesmo esta resolução é inaceitável para Israel. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que, no dia anterior, havia conseguido convencer (!!) o Egito a não apresentar a resolução (o que foi feito pela Malásia, entre outros países) declarou que “Israel rejeita a vergonhosa resolução da ONU anti-Israel e não está de acordo”. Disse também que “Conselho de Segurança não faz nada para parar o massacre de meio milhão de pessoas na Síria, conspira contra a única verdadeira democracia do Médio Oriente, Israel, e qualifica o Muro das Lamentações como um ‘território ocupado”.

Além de inaceitável para Israel por desvendar o jogo duplo feito pelos seus sucessivos governos desde 1967 com relação aos territórios conquistados na guerra daquele ano, o jornal Haaretz do dia seguinte, 24/12, comenta duas das consequências mais de médio e longo prazo da resolução.
A primeira delas, segundo o jornal, ao declarar que os assentamentos não possuem validade legal e constituem-se numa flagrante violação da lei internacional, pode ser utilizada como lei internacional pela Corte Penal Internacional de Haia no caso suscitado pela Autoridade Palestina, no que se refere à construção dos assentamentos, o que pode levar a que o promotor da Corte ordene uma investigação sobre o tema.
Por outro lado, a cláusula da resolução que chama às nações do mundo a “distinguir, em suas negociações relevantes, entre o território do Estado de Israel e os territórios ocupados desde 1967, poderá criar uma orientação que os países cortem suas relações diretas e indiretas com os assentamentos. E pode levar a que países, organizações internacionais e empresas imponham sanções às colônias judaicas, o que pode abrir espaço para o avanço deste aspecto da campanha pelo Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel, o que toca na luta contra as colonias estabelecidas a partir de 1967.

Reações dentro de Israel com a vitória de Trump

Após a vitória de Trump, as várias alas da direita e da extrema-direita israelenses se animaram e esperam ter a aprovação oficial americana para políticas ainda mais excludentes dos palestinos dentro e fora de suas fronteiras de 1948.

A direita israelense quer enterrar oficialmente a ideia da criação de um estado palestino na Cisjordânia. Várias iniciativas foram adotadas. Há alguns dias, o Parlamento israelense votou uma lei que autoriza a legalização retroativa de muitas colônias nos territórios ocupados,  o que oficializa a prática realizada desde antes da fundação do Estado de Israel em 1948, que é a de ocupar terras palestinas e depois buscar sua legalização.

Além disso, as provocações contra os palestinos continuam. Por exemplo, a proposta do governo de controlar o volume das mesquitas no chamado às preces. A oposição inicial dos judeus ultra-ortodoxos foi diminuída com a promessa de incluir na lei uma disposição expressa que autorizasse as sirenes que anunciam o início do sábado, dia sagrado para os judeus….

Uma nova política para Israel/Palestina?

O alinhamento americano com os interesses israelenses tem sido uma constante nos últimos 60 anos e atinge um grau cada vez maior. Na verdade, os sucessivos governos americanos têm garantido um crescente apoio militar a Israel. Também têm se adaptado aos “fatos consumados” que a colonização e a expropriação das terra palestinas vão criando, dentro e fora das fronteiras de 1948 de Israel.

Se havia dúvidas de qual seria exatamente a política de Trump para a Palestina/Israel, a nomeação do novo embaixador em Israel deixa as coisas mais claras. O escolhido foi David Friedman, conhecido por defender as posições mais extremistas entre os próprios sionistas, como a de que a colonização da Cisjordânia não é um obstáculo para um acordo com os palestinos. Mas o ponto mais controverso, uma verdadeira provocação para os palestinos e os milhões de muçulmanos do mundo, é a declaração de Friedman de que estava “ansioso para começar sua missão na capital eterna de Israel, Jerusalém”. Tão grave é o assunto que todos os países têm suas embaixadas em Tel-Aviv, sabedores do delicado que é a anexação unilateral de Jerusalém.

Para deixar clara a sua intenção de mudança de curso na política americana, Trump declarou, após a sessão do Conselho de Segurança da ONU do dia 23, que “as coisas serão diferentes após o dia 20 de janeiro”.

Este é o preocupante cenário que se prepara, exatamente no ano em que se recordarão 70 anos da partilha da Palestina, 50 anos da ocupação da Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental e o do começo da Nakba (catástrofe em árabe) que significou a limpeza étnica de 80% da população nativa palestina de sua terra natal.