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Terrorismo, o nome e a coisa

Por: Raquel Varela*, colunista do Esquerda Online

Há uns anos Bush anunciou a guerra ao terror – vinha acompanhada de um discurso “ou estão connosco ou com eles”. Quando fazemos ciência levamos – às vezes muito tempo – a tentar explicitar conceitos, é um instrumento fundamental de análise. Mas por vezes estamos tão habituados ao conceito que o damos a realidades distintas, de tal forma que não conseguimos mais explicar a realidade.

Esta semana um hediondo atentado num mercado de Natal mata vítimas não armadas, população civil, famílias a passear. É terrorismo – dizem os media. É mesmo, digo eu. Provoca-me asco, nojo, desta gente que pode fazer isto.

Do outro lado do Bósforo, um agente de segurança organizado mata um alto quadro de um Estado em guerra, a Rússia, num país ditatorial, também ele em guerra, a Turquia. É terrorismo – dizem os media. Não, não é. É um acto de guerra entre lados em guerra. Aliás, apesar dos media lhe chamarem terrorismo a reacção da população europeia não foi nesse sentido – todos se chocaram com o ataque em Berlim mas ninguém mostrou especiais condolências com o ex-embaixador da Rússia na Coreia do Norte. Não tendo eu simpatia alguma por estes métodos – o assassinato individual de adversários -, isto não é terrorismo, é um acidente de trabalho, quanto muito.

Ninguém se torna embaixador da Rússia, uma ditadura liberal, e faz carreira em países como a Coreia do Norte e a Turquia e está à espera de viver em paz e segurança. Repito, não sou a favor do assassinato como forma de fazer política, mas em primeiro lugar isto não é política, é guerra, em segundo lugar misturar isto com um atentado a inocentes é ofensivo. Finalmente, alguém mata pessoas numa mesquita na Suiça – em lado nenhum vi isto ser tratado como terrorismo. Que o é. Mas a islamofobia faz com que deixe de ser!?! Na verdade esta confusão de conceitos é o que sobra daquele mundo que Bush deixou «ou estão com eles ou connosco».

Não estou. Nunca estive. Infelizmente a guerra na Síria hoje é um lugar onde sobraram só dois lados – monstruosos. O que havia de forças laicas progressivas foi dizimado. O que há a fazer agora é humanitário, proteger civis, a ONU mostrou-se inútil, como sempre, incapaz de salvar civis, dezenas de milhar de vítimas.

De um lado está o complexo militar industrial norte-americano e a avidez de matérias primas do Médio Oriente; do outro ditadores capitalistas liberais, e anti-comunistas ferozes (é isso que são Putin e Assad) que por qualquer razão inexplicável são vistos como «anti-imperialistas» pelos Partidos Comunistas ocidentais e por muitos europeus que, desde 1919, sonham com uma qualquer potência semi-asiática que ponha fim por eles à hegemonia bélica norte-americana. Aliás, quantos europeus não adoravam Estaline porque o regime de ditadura industrial baseada no massivo trabalho forçado assustava os capitalistas europeus e garantia aqui o Estado Social?

Estilo «enquanto havia o muro pelo menos tínhamos direitos!» – quantas vezes na vida ouvi esta frase brutal. Os outros que se lixem, pois claro. Ditaduras para os outros, quantas mais melhor, desde que nos assegurem a estabilidade da guerra fria que nos dava pleno emprego!

Esta guerra não é nossa, de lado algum – as suas vítimas são, nossas. Da humanidade.

*Preservamos no artigo a língua originária da autora, português de Portugal.

Foto: Reprodução Globo