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Como não se deve debater sobre Fidel Castro ou qualquer outro assunto

Travesti Socialista

Travesti socialista que adora debates polêmicos, programação e encher o saco de quem discorda (sem gulags nem paredões pelo amor de Inanna). Faz debates sobre feminismo, diversidade de gênero, cultura e outros assuntos. Confira o canal no Youtube.

Por: Travesti Socialista, Colunista do Esquerda Online

Na última sexta-feira (25), após a morte de Fidel Castro, afirmei em minha página pessoal do Facebook que, devido a tudo o que Fidel Castro e seu governo fizeram com as LGBTs, eu me reservaria ao direito de não lamentar, mas também não comemorar a sua morte. Por ocasião disso, surgiram em resposta muitos comentários de várias pessoas, vários deles desrespeitosos. Não vou discutir aqui os argumentos sinceros que foram apresentados, pretendo entrar mais a fundo nisso em outro texto. Mas quero, em primeiro lugar, acender um alerta para a questão da transfobia e demais formas de opressão no meio da esquerda, durante os debates mais polêmicos, e também defender que sejam feitos debates saudáveis, baseados em argumentos, não em desrespeito, nem em desqualificação.

Desrespeito e opressão
O primeiro comentário desrespeitoso dizia “Ah, pronto. Tava demorando…”. Dando a entender, portanto, que eu estava falando besteira, antes mesmo de apresentar qualquer dado ou argumento. Essa é uma forma muito comum de tentar constranger uma mulher ou uma pessoa LGBT, ainda mais se for trans, no meio de um debate polêmico. É uma ridicularização que tem como objetivo fazer com que ela fique envergonhada de ter uma opinião divergente.

Em seguida, eu fui comparada à direita, acusada de reproduzir “lixo imperialista” e de não ter noção nem bom-senso. Outro comentário afirmava “Alguém marca Freud pra ver se ele explica”, dando a entender, portanto, que eu teria alguma condição neurológica que me impediria de ter uma opinião coerente baseada um debate qualificado. Isso, aliás, também se classifica como capacitismo, pois é um desrespeito com as pessoas que têm alguma condição neurológica.

Esse tom sarcástico e ridicularizador de debater é muito mais comum com mulheres do que com homens; muito mais comum com LGBTs do que com pessoas heterossexuais e cisgêneras; muito mais comum com pessoas negras do que brancas. Por exemplo, vi vários homens fazendo postagens parecidas com a minha, mas em nenhuma delas vi sequer um terço do desrespeito que apareceu na minha. E o que é pior: é muito comum eu ser tratada dessa forma. E se um homem diz a mesma coisa que eu tinha dito, muitas vezes é tratado com respeito, e as mesmas pessoas que me ridicularizaram às vezes chegam a responder “Oh, é verdade, tem razão”.

Após eu comentar o óbvio, que havia desrespeito e LGBTfobia nos comentários, fui ainda acusada de ser da “esquerda identitária” (leia-se: pós-moderna). É mesmo muito comum que, quando uma pessoa trans aponta que está sendo oprimida, marxistas se “defendam” acusando ela de ser pós-moderna. É uma forma de fugir do debate objetivo sobre a opressão (eu fui desqualificada, desrespeitada, xingada) e reduzi-la a uma opinião subjetiva.

Depois, afirmaram que não era possível eu ser oprimida porque as pessoas acusadas também eram mulheres e LGBTs. Essa é a mesma desculpa usada por muitas feministas radicais trans-excludentes quando são acusadas, com razão, de transfobia. Mulheres, LGBTs e pessoas negras podem sim oprimir ou reproduzir a opressão. Dizer o contrário, aí sim é usar a “questão identitária” de forma equivocada para mascarar a opressão.

O debate sobre a opressão
Depois dessa lamentável reação à minha postagem, fiz outra postagem debatendo, justamente, que aquela postura desrespeitosa é uma forma de opressão – por eu ser mulher, bissexual e trans. É lógico que esta opressão era implícita.

A reação a essa postagem foi carregada de ainda mais desrespeito. Um comentário afirmou que não adiantava argumentar, já que eu pertencia à “religião trotskista-morenista”. Outro disse que eu estava “fumando maconha com merda”. Acusaram-me de desonestidade e, por fim, me mandaram ler o editorial da Veja.

Tal reação apenas comprova ainda mais a caracterização de que existia, sim, transfobia. Evidentemente, as pessoas ficaram incomodadas por eu ter tocado na ferida. Mas o pior de tudo é a incapacidade das pessoas sequer enxergarem essas ofensas, por mais escancaradas que estivessem.

Mas o que mais me assusta realmente é a quantidade de curtidas que os comentários ofensivos tiveram. 8, 11, 14, 22 curtidas. O que mostra que muitas pessoas que leram os comentários não estavam lá para acompanhar o debate, mas sim para me ver sendo escrachada.

Tudo isso mostra uma forma de debate nada saudável na qual a militância de esquerda vem sendo educada, principalmente através do escracho e da desqualificação de quem discorda. Isso se exacerba a níveis ainda maiores quando a discordância é uma crítica dura às “grandes lideranças”, seja Fidel Castro, Mao, Stalin, Lula ou Chávez, o que serve para blindá-los das acusações feitas. Não é à toa que um comentário tão simples tenha gerado uma reação tão desproporcional.

Não sou castrista e tenho todo o direito do mundo de não sê-lo.