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CULTURA

Entre a indústria e a quebrada: a batalha da Praça no Silvina

Esta é a segunda matéria da série que pretende retratar as batalhas de rap do ABC paulista

Por: Elber Almeida, do ABC paulista

O frio de São Bernardo pode ser cruel. Em plena primavera, uma neblina densa invade as vielas e um vento frio surpreende os passantes. Hoje seria um dia para ficar em casa com a família ou ir para o bar tomar uma bebida quente. Boa parte das praças estão quase vazias, com exceção de algumas delas, entre elas a praça do Jardim Silvina. O que esquenta a ocasião é a Batalha da Praça, em sua 23ª edição.

O Jardim Silvina é um bairro da periferia de São Bernardo do Campo, com morros altos próximos a uma das maiores plantas automobilísticas do país. Poucos locais para o lazer de sua juventude, a praça é o que há. O coletivo Porra Nenhuma Filmes é organizado por trabalhadores jovens da região que desenvolvem cultura em seu bairro. Além da Batalha, em suas ações estão um Cineclube ao ar livre e um dub. Possuem alguns equipamentos conquistados através do esforço próprio dos que compõem o grupo.

A Batalha se iniciou após a montagem de uma pequena barraca de lona e do sistema de som, com uma caixa e um tocador de vinil. Alguns beats eram clássicos do Rap nacional. A batalha é no formato que vimos em muitas: dois MC’s se enfrentam, melhor de três. Eliminatórias. Ao final, o vencedor ganha uma folha com uma arte em grafite como troféu da batalha.

Parte da organização, Nando Ribeiro e Pavan, relatam como é construir a batalha no dia a dia e quais suas aspirações. Suas motivações são claras: construir cultura dentro da periferia, através de diversas manifestações e de forma independente. “Nós por nós”. Conseguiram um alvará para a realização da batalha, mas ainda enfrentam algumas dificuldades. No início a policia tentou impedir a realização do evento. Não conseguiram. Também já tentaram criminalizar o Dub com o uso do argumento de que estavam “colaborando com o tráfico”.

Mas a cultura Hip-Hop não se rende. A Batalha já está em sua 23ª edição, acompanhando a explosão de jovens batalhas de rap que surgem nas periferias do ABC paulista. Verdadeiros pontos de cultura criados com o suor do povo da periferia, pobre e boa parte negro.

A grande contradição entre uma realidade cruel e um movimento de união parece se traduzir numa rinha em que os MC’s se enfrentam como rivais de momento, mas não como inimigos na vida. As batalhas são o momento em que os desacordos podem ser tratados em meio a rimas violentas, mas também são situações em que ocorre uma troca de ideias, um desenvolvimento ideológico dos MC’s e da roda que assiste. Ao final um abraço ou aperto de mãos sela o fim de batalha.

Pavan e Nando não são apenas fãs de rap, também são leitores e admiradores de Carolina de Jesus. Não à toa o dub que organizam tem o nome de uma das obras da autora, mulher negra e periférica esquecida pelos currículos acadêmicos do país: “Dub A Voz dos Que Não Tem a Palavra”. O anarquismo também faz parte das discussões dos MC’s que destacam a importância da autonomia de seu movimento. Constroem com o olho no que ocorre no país, conhecem os ataques que o governo Temer direciona ao povo trabalhador, e são defensores das ocupações de escolas.

A juventude negra e periférica do país que tem uma tremenda desigualdade social, uma das maiores populações carcerárias do mundo, uma das polícias que mais mata, um racismo enraizado que destrói famílias e joga a população negra como predominante nas estatísticas do desemprego, organiza-se também através de sua arte. A repressão que os governos querem impor a estes movimentos não é por acaso, eles sabem muito bem que neles aprende-se a não aguentar calado as opressões do cotidiano.

*Agradecimentos aos organizadores da batalha e a todos os MC’s. Nos sentimos em casa.

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ABC paulista / rap