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MOVIMENTO

Eleição do SINDSEF/SP: reflexões sobre o movimento sindical e a esquerda socialista

Por: Camila Lisboa*, de São Paulo, SP

O Sindsef é o Sindicato dos Servidores Federais do Estado de São Paulo. Um sindicato que se colocou à frente de muitas batalhas importantes, como a Reforma da Previdência, iniciada pelo governo do PT, que atingiu em cheio os servidores públicos. Além disso, se colocou na dianteira do processo de construção de uma nova alternativa de organização sindical e foi um dos sindicatos fundadores da CSP-Conlutas.

A expectativa desse processo de construção da CSP-Conlutas contou com o anseio de construir um sindicalismo independente do então governo Lula e segue sendo a construção de um sindicalismo combativo, democrático, rompendo com as velhas práticas burocráticas que tiram das bases das categorias de trabalho no nosso país o poder de decisão sobre os rumos de sua organização sindical.

Os enfrentamentos que o Sindsef fez e faz são diretamente com o Governo Federal. Foi assim com o governo de Dilma e continua assim sob o governo Temer. O PL 257 é a mais recente expressão de como esta categoria é alvo forte dos planos de ajuste fiscal. A realidade atual coloca à prova, mais do que nunca, a capacidade do movimento sindical, popular e estudantil de unir forças para derrotar os ataques e nesse marco, fortalecer iniciativas importantes, como a CSP-Conlutas.

Perseguição, demissão e práticas antissindicais contra os servidores
Por essa postura combativa, este sindicato já foi reprimido diversas vezes pelo governo, com práticas antissindicais que tendem a se ampliar diante da absurda decisão do STF sobre o desconto dos dias de greve que o servidor público venha a fazer. A última grande expressão dessas medidas antissindicais e ilegais foi a demissão do companheiro Carlos Daniel, por denúncias que fez contra o governo no período em que ocupava o cargo e a responsabilidade de ser Secretário Geral do Sindsef/SP.

Esta demissão é inconstitucional e trata-se de uma ameaça ao caro direito de organização sindical desta categoria e de todos os trabalhadores do país. É por isso que esta categoria se sente atacada com esta demissão. A demissão foi sobre uma pessoa, mas o alvo é um direito coletivo.

Solidariedade de classe para enfrentar a briga
Este fato ocorreu no início de 2016. Há um processo jurídico em curso e uma campanha política também. Parte da força desta campanha política foi a decisão coletiva da categoria, em diversas assembleias de base, e também em assembleia geral, de que o sindicato pagaria o salário de Carlos Daniel. Este precedente já aconteceu em diversas categorias, em diversos momentos, todos pelo motivo de ataques dos patrões, governos.

O precedente mais recente e mais conhecido que temos é com relação aos metroviários de São Paulo. Na greve de 2014, 42 metroviários foram demitidos, também um ato de retaliação do governo contra o movimento grevista. De lá para cá, houve muitas brigas judiciais e políticas e hoje, apesar de os metroviários terem vencido na justiça por duas vezes, eles continuam fora de seus postos de trabalho. E a categoria metroviária paga o salário de seus demitidos.

Exemplos como esse, é possível citar vários, de ativistas e dirigentes que são perseguidos, demitidos e buscam em seus Sindicatos um apoio temporário para enfrentar as disputas que decorrem desses atos injustos e ilegais que as empresas e os governos realizam. É necessário destacar e valorizar as situações em que a própria categoria decide sobre essa conduta. Foi assim o caso dos metroviários e é assim o caso de Carlos Daniel. Não acreditamos que isso deve ser uma contribuição eterna. Acreditamos que isso é uma solidariedade para erguer os companheiros e companheiras que passam por esse momento difícil, para que possam encarar a briga contra suas demissões e pelos direitos de suas respetivas categorias.

Está em curso o processo eleitoral do Sindicato
Neste momento, o Sindsef encontra-se em processo eleitoral. Ocorrem algumas polêmicas entre organizações da esquerda socialista sobre este processo e queremos fazer reflexões sobre esse processo, a luz dos desafios que esta categoria tem, a luz da necessidade de defender um demitido político e a luz da necessidade de que a esquerda socialista não seja poluída pela dinâmica burocrática e aparatista, que infelizmente, toma conta de mais de 90% do movimento sindical brasileiro.

Para relatar os fatos do processo, vamos reproduzir a carta escrita pelos militantes do #Mais que atuam na base do Sindsef, dentre eles, o companheiro cuja demissão foi citada:

“Após muito debate e negociação, fomos surpreendidos pelos militantes do PSTU do Sindsef/SP que nos apresentaram uma proposta de chapa unificada com oito integrantes do grupo GIE (que está na direção da CONDSEF/CUT), de um total de 24 candidatos e o pior o veto à candidatura de Carlos Daniel (demitido político pelo governo Dilma e um dos coordenadores do Setorial LGBT de nossa Central). Foi afirmado pelo dirigente do PSTU que: “… não tem o que conversar, se a condição é o Carlos Daniel entrar, então não haverá chapa única” e depois “quanto ao CD, você sabe que não é veto político, mas não estamos querendo entrar num processo com toda essa fragilidade jurídica”.

A fragilidade jurídica que esta carta se refere tem a ver com a possibilidade de Carlos Daniel poder não ser reconhecido oficialmente como dirigente do Sindicato, ou até mesmo com a possibilidade de inviabilizar o registro de toda a chapa diante da existência de um candidato demitido. Este elemento será desenvolvido mais abaixo.

Sobre os elementos políticos de construção da unidade, a carta continua:

“Nesse meio tempo, apresentamos aos camaradas do PSTU a proposta de fazer “… uma convenção no campo da CSP Conlutas sem veto a nenhum demitido político ou a nenhuma força política que queira se enfrentar com os ataques do governo” e que nos submeteríamos, caso a convenção definisse que CD não deveria estar na chapa. Proposta não aceita. Na quinta feira (20/10), véspera da inscrição de chapa, em reunião dissemos que achamos equivocado colocar na chapa a CONDSEF/CUT, porém aceitaríamos a proposta do PSTU, desde que não houvesse vetos aos nomes indicados pelo #Mais, pois nossa definição é que Carlos Daniel, sendo demitido político, com processo de reintegração deveria estar na chapa, pois isso fortaleceria a defesa do companheiro, além de CD ser um dos principais dirigentes da categoria. Os companheiros do PSTU pediram até as 12h de sexta (21/10) para responder se aceitariam CD na chapa. Muito contrariados, fizemos um último esforço na sexta de manhã e apresentamos a seguinte formulação: que CD seria inscrito como suplente na chapa e caso se confirmasse a dificuldade jurídica do registro, o companheiro renunciaria para não inviabilizar os repasses ao Sindicato. Os camaradas do PSTU disseram que seria uma boa proposta e pediram mais 30 minutos, no entanto, as 13h do dia 21/10 – dia em que encerrava a inscrição das chapas – nos entregaram uma carta dizendo que “nossas diferenças políticas são muito profundas e a perspectiva de conduzir o sindicato em conjunto, considerando o forte nível de subjetividade a contaminar o processo nesse momento, infelizmente, não permite evoluir de maneira a construirmos um consenso que culmine com a formação de uma chapa unitária.”

A carta continua com as questões:

“Quais seriam estas diferenças políticas muito profundas que os camaradas têm conosco e não tem com a CONDSEF/CUT? (já que inscreveram chapa unificada com a CONDSEF/CUT); E desde quando formamos chapas sindicais a partir de subjetividades? Defendemos que o melhor seria garantir a unidade entre os militantes da CSP Conlutas e neste marco discutirmos as alianças possíveis colocadas na conjuntura e não aceitaremos veto político a quem quer que seja e de qual corrente for, como o veto imposto pelo PSTU ao companheiro CD.”

Disponibilizaremos a carta na íntegra, junto com a publicação deste artigo e também a carta enviada pelo PSTU aos militantes do #Mais, para que qualquer leitor possa chegar as conclusões do processo da forma mais livre possível.

O que achamos grave?
Seguimos agora para a interpretação que nos coube neste processo e ousamos apontar alguns elementos que devem ser refletidos pelo #Mais, pelo PSTU e por todas as organizações da esquerda socialista.

Não nos resta nenhuma dúvida que dentre vários absurdos ocorridos, um deles diz respeito à forma de conduzir a luta e a defesa de um demitido político. Acrescentamos às informações aqui contidas de que há alguns questionamentos na base sobre o pagamento do salário do companheiro Carlos Daniel pelo Sindicato. Mas é importante frisar que este questionamento é minoritário, que embora tenha se expressado em algumas assembleias de base, todas as assembleias deliberaram favoravelmente pelo pagamento do salário. Dos setores políticos organizados, os únicos que foram contrários a este pagamento foram os companheiros do GIE (grupo citado ligado à CONDSEF/CUT).

A preocupação jurídica expressa pelos companheiros do PSTU é legítima. Mas nos espanta a condução altamente distinta que tiveram neste processo em relação a este tema com a condução que tiveram no Sindicato dos Metroviários. O PSTU acaba de eleger um coordenador geral para o Sindicato dos metroviários que também é demitido político. O Metrô pode não reconhece-lo legalmente, mas a batalha que foi dada durante toda a eleição foi de que isso é parte da briga da categoria, porque os trabalhadores tem autonomia para escolher seus representantes e dirigentes. Na eleição do Metrô, tivemos que enfrentar a campanha suja da CTB que falou para não votar em demitidos, alegando este elemento jurídico.

E nos espanta que mesmo com a disposição demonstrada de que CD sairia da chapa, se fosse inviável juridicamente, os companheiros mantiveram a resistência de mante-lo na chapa. Essa crítica vai aos dois setores: o PSTU e o GIE. Mas fatalmente, nos salta aos olhos a postura do PSTU que viveu um processo semelhante no Metrô e tem tido uma conduta altamente distinta.

Queremos politizar ao máximo essa reflexão e erradicar os elementos de picuinha cotidiana. Gostaríamos assim, sinceramente, de estar debatendo sobre como lidar com as questões jurídicas. Mas nosso espanto maior se deu ao nos depararmos com um militante do PSTU falando em uma Assembleia de base que o CD não podia ser candidato porque estava demitido. Fala feita publicamente, com “testemunhas” e gravação. Além de não ser verdade, é uma postura contrária a defesa do direito de CD ser candidato. Isso não seria apenas uma defesa do CD, seria uma defesa da autonomia da organização sindical dos servidores federais do estado de São Paulo.

No Congresso do Sindsef/SP, a posição do PSTU foi limitar o pagamento do salário de Carlos Daniel até março/2017. É verdade que este tipo de ajuda não pode ser eterna, somos contra isso. Porém, essa definição a priori, sem considerar o ritmo do processo de reintegração, nos parece errada, parte dos equívocos de como conduzir a luta em defesa de um demitido político, e também uma postura distinta do que fizeram no metrô. Os companheiros alegaram que há questionamentos na base. E isso é sim um critério, pois se trata do dinheiro da categoria, no entanto, foi nítido em todas as assembleias que o apoio pelo pagamento é maior do que o questionamento. Esse tipo de preocupação também existe no metrô, porém, prevalece a solidariedade de classe da categoria. Os companheiros do PSTU no metrô avaliam isso e apostam nisso, corretamente. Deveria ser assim também no Sindsef/SP. Nossa tradição nos ensinou a sermos linha de frente nas ações de solidariedade de classe.

Também nos aparece de forma muito grave que os setores de uma mesma Central não possam estar em uma mesma chapa, sobretudo neste momento político. Não foram poucas as situações em que a CSP Conlutas fez chapas com setores políticos muito mais distintos, em alguns casos, até governista, em nome de uma necessidade do movimento. E reproduzimos o questionamento da carta: quais seriam as profundas diferenças que inviabilizam uma chapa com o #Mais e permitem uma chapa com a CONDSEF/CUT? No recente processo citado do Metrô, estivemos juntos, contra a CUT/CBT. Somos parte do mesmo coletivo sindical no metrô e em diversas categorias. Nada nos explica essa postura, a não ser uma forma de estender ao movimento as consequências de uma luta fracional interna ao PSTU, vivida recentemente, e encerrada com a saída dos companheiros que hoje constroem o #Mais. Essa extensão leva os companheiros do PSTU a cometer, por exemplo, o errado ato de ter dois pesos e duas medidas na condução de uma demissão política. No metrô, há uma postura que achamos correta, no Sindsef/SP, uma postura lamentável.

As reflexões para o conjunto da esquerda
As diversas organizações políticas existem como tais porque tem seus próprios programas, suas estratégias, sua forma de olhar e analisar o mundo. E isso é absolutamente legítimo. Não desprezamos as diferenças. Ao contrário, somos parte de uma organização que considerou suas diferenças para dar um passo importante e balançar o processo de reorganização da esquerda socialista neste ano de 2016, saímos do PSTU.

As diferenças que expressamos em nosso manifesto são diferenças que temos com várias outras organizações da esquerda. Mas que em nenhum momento questiona a necessidade da unidade para lutar. Com essa concepção, continuamos praticamente na mesma dinâmica, concepção e projeto de organização sindical que vínhamos tendo dentro do PSTU. Não rompemos coletivos, não saímos da CSP Conlutas, porque não eram essas questões que estavam em jogo.

Ao que nos parece, foram essas polêmicas que motivaram a postura do PSTU no Sindsef/SP. E com todo respeito, achamos de uma desproporção tamanha. Irresponsável, inclusive. Mas sabemos que os atritos entre a militância da base do Sindsef/SP do PSTU e do #Mais não nasceram apenas nesse processo. Sabemos que a dinâmica sindical, as pressões, as disputas, o controle do aparato, o prestigismo são capazes de abrir cisões absolutamente despolitizadas dentro das organizações. Já enfrentamos dentro do PSTU esses processos. E sabemos que isso ocorre não só no interior das organizações políticas, como também entre as organizações. Muitas diferenças são supervalorizadas em nome de postos e cargos sindicais.

Achamos que todas as organizações da esquerda socialista são contaminadas por este perigo. É hipócrita a organização que não reconheça que isso. E achamos que por muitas vezes, critérios de classe são abatidos nessas disputas. Sem medo de pesar a mão, achamos que isso ocorreu no Sindsef/SP. Lamentamos sinceramente por isso. Não escrevemos isso para chegar a conclusão de que o PSTU se trata de uma organização burocrática e contrarrevolucionária. Não achamos isso, por isso não falamos. A conclusão a que queremos chegar é de que as diferenças no interior da esquerda socialista existem e podem aumentar. Mas há coisas que não valem. E abrir mão da defesa incondicional de um demitido politico, em nossa humilde opinião, não vale.

Documentos

 

*Camila Lisboa é militante do #Mais e uma dos 42 metroviários demitidos na greve de 2014.

Foto: Sindsef-SP

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