Um trabalhador pode ter um iphone?

Por Karina Lourenço, ABC Paulista


Certo dia, um colega de faculdade, sabendo do meu posicionamento ideológico de esquerda, me questionou sobre o que achava de um sindicalista ter iphone? Já havia passado por questionamentos do tipo antes, e sempre ficava com o mesmo tipo de impressão. Como há uma enorme confusão na cabeça da grande maioria das pessoas frente ao socialismo.

Há uma falsa consciência, questões quase que cristalizadas na mente das pessoas, frente ao marxismo científico e a emancipação da classe. Tenho a impressão que boa parte do senso comum e, muitas vezes, dentro do próprio movimento, exista uma prerrogativa que para ser socialista devemos optar por algum tipo de “marxismo franciscano”, confundindo de maneira quase que neurótica, dedicação a outra proposta de sociedade com abnegação religiosa.

O caminho talvez seja compreender o que de fato o marxismo científico defende e sistematiza. Minha reação ao colega, talvez exemplifique melhor a questão.

Respondi a ele que se é através das mãos de um trabalhador que se produz a tecnologia de um iphone, que sim, todo o trabalhador deve ter acesso a um. Marx defendeu o fim da exploração de uma classe que detinha os meios de produção em suas mãos, a burguesia, e que através disso explorava a classe proletária. Isso não deve ser confundido com a destruição de tudo o que a humanidade produziu até os dias de hoje, pelo contrário.

O que há de mais avançado na tecnologia deve estar a serviço da classe que a produz, desde os bens de consumo duráveis e não duráveis, até o mais avançado sistema de educação, saúde, lazer e cultura. É subverter a ordem do econômico a serviço do social e do político e não ao contrário. Como observa Marx no capital

“…Hoje que Deus esta em vésperas de morrer sem posteridade, sem nunca poder ter podido assegurar a execução do seu mandamento, o Socialismo propõe-se a compelir a observância da sentença divina os que, desde há muito, ganham o pão com o suor do rosto dos outros.Pode isso conseguir-se? Sim, pela socialização dos meios de produção, a que tende nosso sistema econômico…”(Marx, p.20)

O que não devemos perder de vista é que o iphone é regulado por uma lei de mercado injusta e arbitrária da economia capitalista. Seu valor hoje, no Brasil, chega a ser de até R$ 4000,00, em um país que tem um salário mínimo de R$ 890,00 e que a maior parte das pessoas sobrevivi com uma média de dois salários mínimos mensais.

Os EUA viveram o revés de uma economia interna protecionista, de superprodução industrial, que culminou na grande crise de 1929. Culturalmente, nunca antes um país havia construído uma cultura de produção e consumo tão supérflua, num ritmo frenético de consumo e modo de vida que, infelizmente, ainda hoje é o status quo de boa parte do mundo.

Uma calça jeans, por exemplo, demanda 11 mil litros de água para ser produzida. Penso que como marxistas, nosso posicionamento a tudo que diz respeito a nossas relações sociais, nossas relações de consumo devem ser feitas de maneira crítica, com um olhar aguçado, mas não alienante. Não somos somente fruto do tempo histórico em que vivemos, somos transformadores do nosso tempo.

 

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