Diferente da reportagem do Valor Econômico, não faltam motivos para uma greve dos petroleiros

Cubatão(SP) – Trabalhadores terceirizados adentram a refinaria de Cubatão, durante a greve dos petroleitos (Rovena Rosa/Agência Brasil)

Por Daniel Tomazine, Duque de Caxias, RJ

A reportagem do Valor Econômico, desta quarta-feira (26), apresenta a visão da diretoria da Petrobras, expressa através de seu diretor de Assuntos Corporativos, Hugo Repsold, sobre uma possível greve dos empregados da companhia. Em sua visão, não há motivos para greve. Ele diz que a empresa está sempre disposta a negociar, mas que há limites para ceder. Conclui que é preciso que os funcionários, por meio das entidades sindicais, também cedam.

Em primeiro lugar, é lamentável que a reportagem de tão importante jornal não tenha procurado nenhum representante sindical para comentar a fala do diretor. Diante do ato falho dos jornalistas Rodrigo Polio e André Ramalho, que assinam a matéria, tomo a liberdade enquanto petroleiro, que está no dia a dia construindo a maior empresa nacional deste país, de responder que existem sim motivos para uma greve, não só de petroleiros, mas como de toda a classe trabalhadora brasileira. Vamos aos fatos.

Retirada de Direitos
O Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) dos petroleiros tem a duração de dois anos. No ano passado, somente debatemos as questões econômicas, isto é, a reposição salarial.  No entanto, a diretoria da empresa quer empurrar goela abaixo a redução da jornada de trabalho com redução salarial, e também a redução do valor pago pelas horas extras. Ambas as propostas foram amplamente rejeitadas no ano passado, somente sendo retiradas da proposta de ACT após forte greve.

A redução da jornada e salário serve para precarizar o serviço nos prédios administrativos, abrindo espaço para o assédio moral e a terceirização. A redução do valor da hora extra é tão absurda que a justificativa da empresa é de que precisam desestimular sua realização. Ora, nenhum trabalhador da Petrobras pode fazer horas extras quando bem entender. Só é feito quando o trabalhador é convocado pela empresa para tal. Ela só é realizada com a aprovação da gerência imediata e da gerência geral da unidade.

A verdadeira razão para reduzir os custos com horas extras é que a drástica redução da mão de obra petroleira tem causado uma enorme necessidade de dobras, trabalhos na folga e extensão dos serviços operacionais e de manutenção. Se a diretoria deseja economizar com horas extras, basta abrir concurso público e reestabelecer níveis seguros de mão de obra. Manter nossos direitos e lutar por mais empregados é um bom motivo para greve, pois são pontos inegociáveis.

Oferecer reajuste abaixo da inflação não é diálogo. É propor redução salarial. Isso é inaceitável. Basta lembrar do período em que o atual presidente foi ministro de governo. Passamos anos sem reajuste ou com reajuste abaixo da inflação. Acumulamos déficit absurdos ao juntarmos os governos Sarney, Collor, Itamar e FHC.

A empresa alega que, nos últimos 13 anos, recebemos ganhos acima da inflação. Mas não diz que esses aumentos serviram para repor o passivo. Também não diz que, desde 2007, todo aumento superior à inflação foi concedido somente na tabela da RMNR, não atingindo nosso salário-base. Além disso, a Petrobras segue batendo recordes atrás de recordes. De quem é este resultado? Do corpo técnico e operacional dessa companhia ou da burocracia que se esconde atrás de caríssimos cargos? Além disso, se não foram os petroleiros os responsáveis pela suposta crise da empresa, porque deveríamos aceitar pagar pela crise? Não aceitar perder direitos e não aceitar pagar por uma crise que não criamos é um bom motive de greve, não acha?


Petrobras para o povo brasileiro
Mas nosso movimento não se restringe aos valores econômicos. Diz respeito a uma pauta nacional: a quem serve a Petrobras?

A Petrobras deve servir ao desenvolvimento de uma sociedade igualitária, na qual as riquezas produzidas sirvam à nossa sociedade de conjunto. O petróleo e o gás natural são recursos finitos. A Petrobras descobriu e possui uma das principais reservas mundiais. Seu valor total é ainda uma especulação. A cada dia, novas descobertas são feitas. O que se pensava ser grande, já se mostra  mostra gigantesco. O petróleo tem que ser do povo brasileiro.  E, por isso, a Petrobras precisa ser 100% estatal e a exploração e produção dos hidrocarbonetos voltar a ser monopólio estatal.

Mas mesmo que não se atendesse a este modelo de desenvolvimento, existem outros. Qual modelo iremos seguir? A Noruega, por exemplo, nos anos 1970, descobriu reservas inferiores as nossas, mas criou uma empresa estatal (Statoil) e utilizou as riquezas geradas para o desenvolvimento do país, que atualmente ocupa a 1ª posição mundial no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). No oposto, o modelo nigeriano, por sua vez, entregou toda a exploração de suas reservas petrolíferas às empresas estrangeiras e ocupa a 152ª posição no IDH. Certamente, o modelo norueguês não contempla, pois ele não aboliu as desigualdades sociais, especialmente pela Statoil ser uma empresa multinacional que explora o subdesenvolvimento de outras nações. Não desejamos uma Petrobras que desenvolva o Brasil empurrando o resto do mundo à pobreza.

A questão é que nem isso está em pauta. Colocam como única alternativa a entrega total de nossas riquezas. É repetir a velha história do Brasil colônia, onde a riqueza produzida por nossa negra gente vai enriquecer os privilegiados de fora, com um pequeno quinhão aos entreguistas daqui.

Os planos de entrega do Pré-Sal, aprovado no Congresso Nacional e de privatizações que enfraquecem a companhia e abrem espaço para as empresas estrangeiras, irão nos levar a seguir o modelo nigeriano. Faríamos sim greve para um modelo de desenvolvimento que combata as desigualdades sociais. Quem poderia nos acusar de sermos insensíveis, de não cedermos?


Recordes de lucros
A diretoria, o governo e a grande mídia insistem que a Petrobras está quebrada e que, portanto, não existe alternativa. É preciso vender unidades produtivas e lucrativas. É preciso reduzir sua participação. É preciso deixar de investir em agregar valor ao óleo e gás nas refinarias, térmicas e fábricas de fertilizantes, por exemplo, para nos concentrarmos na venda de hidrocarbonetos brutos. Tudo isso não passa de falácia.

Os ativos que estão sendo vendidos são muito rentáveis e agregam valor a toda cadeia produtiva, deixando a empresa menos exposta às variações internacionais do barril de petróleo. A meta imposta pela diretoria de redução da alavancagem pode ser atingida sem se vender nenhuma unidade. Basta se estender o prazo por mais três ou cinco anos, que com o atual fluxo de caixa se conseguirá atingir o patamar de alavancagem de 2,5x.

O que é melhor para o país, uma empresa integrada de energia, geradora de emprego e impostos, produtora de mercadorias de alto valor agregado, ou uma empresa exportadora de óleo cru, totalmente exposta às variações do dólar e do preço do barril? Não é motivo de greve? O que a empresa aceita negociar?

A energia da Petrobras são os petroleiros
Alegam que a Petrobras não pode investir em bioenergia e biorrefinarias, pois essa não é nossa vocação. Nossa vocação é enfrentar desafios que nos insistem em dizer que são impossíveis. Que não somos capazes. Mas somos. E isto está mais do que provado em 60 anos de história. O nosso papel é pensar nos próximos 60 anos. 120 anos. Queremos que a Petrobras seja sempre lembrada com parte fundamental do desenvolvimento do Brasil enquanto nação justa. Queremos que o petróleo seja alavanca para uma sociedade que se utiliza de energias “limpas”, renováveis.

A verdade é que tanto a gasolina quanto o diesel recebem misturas em sua composição. A Petrobras pode produzir etanol e biodiesel de qualidade e em volume suficiente para que o preço dos combustíveis realmente caia,  e não aumente como se deu recentemente mesmo após a empresa diminuir o preço cobrado nas refinarias. O projeto Petrobras Bioenergia é segurança energética e desenvolvimento sustentável para o país. Não é custo, é investimento. É um motivo pelo qual se vale lutar, vale fazer greve.

Mas a Petrobras apresentou dois anos seguidos de prejuízo. É preciso fazer caixa. Mais uma falácia. A Petrobras teve lucro nos dois últimos anos. Os enormes números negativos nada mais foram que uma jogada contábil. A maior empresa privada do ramo de petróleo, a Exxon Mobil optou por não seguir o mesmo método, por exemplo.

As variações do preço do barril de petróleo são comuns e sempre ocorreram. Portanto, é loucura trazer para o tempo presente um prejuízo que não se concretizou. Isto é, não faz sentido dizer que a Petrobras teve perdas de 40 bilhões de dólares enquanto o petróleo continua a 7 mil metros de profundidade. A verdade é que a empresa lucrou com a venda do petróleo, gás natural e seus derivados que realmente foram explorados. Só no ano de 2015, o caixa da empresa aumento de aproximadamente 75 bilhões de reais para 90 bilhões de reais. Por que os petroleiros não fariam uma greve pela verdade, se a mentira é a justificativa pela destruição de nossa companhia?

Mesmo que consideremos que a dívida da empresa atingiu um patamar insustentável e que é preciso reduzi-lo urgentemente, o que se deve fazer é exigir que os sócios da companhia entrassem com capital nela. Se os sócios privados não tem este apresso pelo que é seu, então que devolvam suas ações. Reestatização já da empresa! Ter acionistas privados não impediu a corrupção e o alto endividamento. Pelo contrário. Eles lucraram muito durante todo esse período. Toda a corrupção na Petrobras se deu em conluio com empresas privadas.

Mas lembremos, a Petrobras tem como maior acionista o Estado brasileiro. E este tem compromisso, em primeiro lugar, com sua população, ou pelo menos deveria ter. A Petrobras é fundamental para nosso país. Assim, porque não exigir que o governo brasileiro invista os U$ 35 bilhões que a atual diretoria espera conseguir privatizando? Afinal, nosso país possui reservas de mais de U$ 377 bilhões! É maior do que o PIB de muitos países. Lembram da nossa amiga Noruega? Então, seu PIB é de U$ 450 bilhões.  O Brasil tem quase uma Noruega de reserva e não usa.

Um momento crítico, com mais de 12 milhões de desempregados no país, e não podemos retirar 10% dessas reservas para impedir a dilapidação de nossa maior empresa? Se o governo quiser gastar 15% dessas reservas, ele não só consegue reduzir para 2,5% de alavancagem da Petrobras, como também conseguiria terminar as obras do COMPERJ e da RENEST, melhorando ainda mais o fluxo de caixa de nossa empresa, e gerando mais empregos no país. Tudo isso mantendo nossas reservas superiores à 300 bilhões de dólares.  Por emprego, vale uma greve.

O desmonte da Petrobras tem atingido toda a cadeia produtiva do Brasil: mineradora, siderúrgica, metalúrgica, indústria naval, construção civil, e uma longa lista, que passa de insumos para todas essas indústrias, até vendedores ambulantes, passando por fornecedores de uniformes, alimentos, transportes e outros.

Em 2015, nossa greve acabou com a promessa de que a empresa criaria um grupo de trabalho para estudar outra opção à privatização. O estudo ficou pronto e nada foi feito. A companhia segue privatizando, fingindo que não existem alternativas. Para piorar, o presidente diz que a lei do conteúdo nacional atrapalha. Ele quer voltar à época em que a Petrobras comprava tudo da Azia, Europa e EUA. É preciso barrar a mudança na lei do conteúdo nacional. É imperioso para que o Brasil saia da crise que a Petrobras compre seus equipamentos, navios e plataformas aqui dentro. Pra ajudar o Brasil a sair da crise, também vale uma greve.

Acidente e mortes no trabalho
Ao longo dos últimos 10 anos, já morreram 120 empregados. Esses números são inaceitáveis. São companheiros que perderam suas vidas para a ganância. Todas elas poderiam ter sido evitadas. Não é normal que um trabalhador saia de casa para trabalhar e não volte nunca mais, devido a um acidente. Mortes estúpidas, como a do Técnico de Operação da REDUC que caiu dentro de um tanque após o teto do mesmo ceder devido à corrosão. Até agora, nenhum dos assassinos foram presos. Até agora, a Refinaria Duque de Caxias não recebeu investimentos necessários para se tornar um local seguro. Pelo contrário, seus funcionários são seguidamente assediados e pressionados a darem mais do que a sua competência. Querem nosso sangue. Mas isso não é aceitável e nem negociável. A diretoria precisa ceder. Nossas vidas valem mais do que o lucro do acionista. Isto é motivo para uma greve.

Por fim, não poderíamos fingir que nossos patrões não sejam os mesmos que querem congelar os serviços públicos por 20 anos com a famigerada PEC 241. Que querem atacar os servidores públicos com o PL 257. Que estão destruindo o pouco que resta de qualidade do ensino médio com a Medida Provisória 746/2016 e com o PL Escola sem Partido, ou melhor, escola com mordaça. São os nossos patrões quem promove o maior desmonte da seguridade social e querem nos fazer trabalhar até a morte. São estes patrões que querem fazer com que todos os trabalhadores percam seus direitos, flexibilizando tudo. Tudo isso vale uma greve, não só de petroleiros, mas de todos os trabalhadores.

Em verdade, uma greve geral já deveria ter ocorrido. A juventude tem mostrado que há muito pelo que lutar. Mais de mil escolas e universidades ocupadas. Que nossa juventude ensine aos líderes sindicais de nossa classe como é que se enfrenta os interesses do patrão. Que venha a greve, para que não nos reste o desespero.

Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil