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CULTURA

Sabotage vive: álbum póstumo é lançado treze anos depois do assassinato do rapper

Por: Rafael Bedoia, São Paulo, SP

Sabotage. A pronúncia deste nome provoca naqueles que têm como parte de sua identidade a cultura periférica e o Rap Nacional, uma sensação de lenda, de mito, de um gigante que passou rapidamente pelo nosso mundo e deixou uma marca profunda, que continua reverberando mesmo há mais de uma década depois de sua morte. Sabota é um ícone da nossa cultura, suas letras que falam sobre a vida cotidiana numa favela paulistana e da opressão que sofre a população da comunidade frente aos martírios do sistema, seu estilo e flow inconfundíveis, sua história de vida, suas frases marcantes “Rap é compromisso, não é viagem!”, “Um bom lugar se constrói com humildade”, “Respeito é pra quem tem”, dentre muitas outras, são uma representação pura e simples da beleza artística e da riqueza de conteúdo e crítica que o Rap pode atingir.

Dono de um carisma e uma simpatia sem limites, além de uma criatividade característica, Mauro Mateus do Santos, o Sabota, fez um gigantesco sucesso com seu único disco próprio lançado em vida, o “Rap é compromisso”, de 2000, que tem em praticamente cada faixa um clássico do Rap brasileiro, além das diversas participações nos discos de outros músicos, mas também no cinema ao atuar no premiado “Carandiru” de 2003. O mais impressionante desse artista é que, mesmo depois de 13 anos de sua morte, ainda nos surpreendemos com sua música. O álbum “Sabotage”, recém lançado e produzido pelo Selo Instituto, comandado por Daniel Ganjaman, Tejo Damasceno e Rica Amabis, demonstra a qualidade e a quantidade de letras e músicas que Mauro estava preparando para lançar e que, infelizmente, tiveram que ser abortadas pelo trágico assassinato do artista, em 2003.

Antes de tudo, os fãs deverão agradecer a Ganjaman, ao pessoal da produtora e aos artistas que participaram das gravações como Tropkillaz, DBS, Negra Li, Quincas Moreira, Dexter, BNegão, Céu e Sandrão. Eles fizeram um trabalho fenomenal de criação, mixagem e letras que complementaram as músicas incompletas, mostrando com quanto carinho guardaram esse material por todos esses anos. O fizeram não apenas pela qualidade artística contida nesse material e também não apenas para render um tributo à Sabotage, mas também, simplesmente, porque eram amigos íntimos do artista e sabiam melhor do que ninguém que Maurinho, como era chamado Sabota pelos próximos, iria querer que caprichassem quando fossem mexer em seu som. Esse trabalho mereceu mais de uma década de dedicação abnegada de amigos. Os artistas envolvidos não ficarão com o lucro, já que doaram os direitos autorais para a família de Sabota, que vive humildemente em São Paulo desde a morte dele.

Quanto às letras, não poderíamos esperar nada menos que genialidade vinda do maestro do Canão. Iremos nos emocionar ouvindo “País da Fome: Homens Animais”, continuação de uma das faixas mais aclamadas de seu primeiro disco. A música começa com a gravação da reportagem que anuncia a morte de Sabota em 2003 e, no seu flow característico, o cantor nos fala sobre o cotidiano em sua quebrada: “Mas também se fosse assim não teria evidência/ Pra quem nasceu na Sul, sofrimento e violência/ Aqui não tem paz, não temos tal sinceridade/ Não tem filha da p… sem maldade”. Sabota canta que quer ter mais força para suportar essa situação: “Senhor, me dê mais fé/ Eu vou pelas ruas, no meio de um exército/ Mais vale a fé aqui no Brooklin Sul/ Eu vou correndo pelos cantos, desviando dos escombros”. Quem não se identifica com essa angústia num momento de tantas dificuldades para os trabalhadores brasileiros, sofrendo com essa crise, o aumento de preços e o desemprego? Esse é o poder atemporal da letra de Sabota.

Esse poder se confirma também em “Quem vive verá”, que tem uma letra recheada de críticas à situação das quebradas brasileiras: “Na zona sul, nem milagre traz emprego pra gente/ Mas dengue tem também, tipo um mosquito, pziii “, diz Sabota, “No Brooklin não tô a fim de ver meu povo chorar/ A mente ferve o robocop quer pegar pra matar”. Desemprego. Dengue (hoje zika). Tristeza. Genocídio. Sabotage cantava uma realidade que ainda hoje subsiste. Na mesma letra o cantor exulta a capacidade do Rap Nacional como ferramenta cultural e de resistência das favelas “Quem vive verá/ Rap é o som/ Pode chegar, favela é um bom lugar!”.

São diversas faixas, com diversos estilos e temáticas nas letras e todas elas deixam uma mistura de sentimentos que vão desde agradecimento pela obra, identificação com os temas e saudade desse artista maravilhoso que foi Sabotage. Sua mensagem é clara e contundente: o cotidiano violento não se foi, a luta pela sobrevivência continua e o sistema ainda destroça pobres todos os dias. A mídia regular falará sobre esse álbum, mas não dirá nada sobre essa mensagem subversiva que existe em cada letra, em cada beat, em cada scratch do disco. Só quem é sabe: Continuaremos aí na missão de fazer de nossos bairros e de todas as quebradas, bons lugares.

Por fim, vale a pena deixar a bela mensagem que BNegão manda a Sabota no fim da faixa “O Gatilho”. Ela representa um pouco da saudade que todos sentimos.

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“Seja em tempos de bonança ou em tempos de tempestade de verdade
Maurinho, Mauro Mateus vulgo Sabotage, compadre
Sinto saudades reais
Das novidades, das risadas, das ideias avançadas
Que fizeram a cabeça de tanta gente ao longo desses anos
Continuam por aí, pairando no ar
Inspirando quem segue, quem inicia a saga de começar a rimar”

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cultura / música / rap