Pular para o conteúdo

Uma nova correlação de forças?

Por: Henrique Canary, colunista do Esquerda Online

Desde que me responsabilizei por uma coluna semanal no Esquerda Online, planejo escrever sobre algo que não seja política: ciência, história, nerdices em geral. Mas, a política não me deixa. Essa semana é a mesma coisa. O tema é inescapável: o resultado das eleições.

Muito já foi dito, inclusive aqui no EO, sobre a vitória da direita neste processo eleitoral. Abordamos também, analogamente, a derrota sofrida pelo PT e o fortalecimento do PSOL como força capaz de disputar pela esquerda a hegemonia eleitoral petista. O resultado puramente eleitoral, quer dizer, matemático, imediato, de todo esse processo parece ficar cada vez mais evidente.

Mas, é preciso dar um passo a mais e tirar as conclusões que realmente importam: aquelas que dizem respeito à correlação de forças entre as classes a partir do processo eleitoral. É esta correlação de forças, e não o resultado eleitoral em si, que vai determinar as possibilidades e impossibilidades colocadas perante a classe trabalhadora no próximo período. É um terreno de análise delicado, muito sujeito a erros e exageros. Mas, é preciso adentrá-lo.

Para começar, diremos que não há nenhuma lei do marxismo que estabeleça que vitórias eleitorais da direita abrem automaticamente situações reacionárias, ou defensivas para a classe trabalhadora. Depende. A história conhece períodos em que grandes vitórias eleitorais da direita foram sucedidas por grandes ascensos do movimento de massas. E o contrário: vitórias da esquerda podem abrir períodos de relativa apatia e acomodação no seio da classe trabalhadora. A luta de classes costuma ser alheia aos nossos esquemas.

Mas, neste caso específico me parece inevitável reconhecer que o resultado do pleito eleitoral do último domingo abre uma possibilidade real de que a burguesia estabilize a correlação de forças no país em seu benefício. “Tudo pode acontecer”, é evidente. Mas esta é uma lei tão geral, que serve de muito pouco na análise da conjuntura. A instabilidade e a resistência existem, como sempre existirão em qualquer situação. Mas, aqui o que importa é o seu grau. Tudo leva a crer que a realidade caminha no sentido da estabilização burguesa, e não no sentido do ascenso de massas.

Temer entrou no processo eleitoral como um governo ilegítimo e questionado. Quanto a isso, pouca coisa mudou. Mas, é preciso reconhecer que seu programa privatista saiu vitorioso em milhares de municípios. A força política triunfante nestas eleições foi justamente o bloco que aplicou o golpe parlamentar contra o governo petista, e que agora encontra no resultado eleitoral uma legitimação política para seu programa. Na Rússia, chamávamos isso de “vertical de poder”, quer dizer, o alinhamento quase perfeito de todas as estruturas ou esferas do Estado: nacional, estadual e municipal; executivo, legislativo e judiciário. Quando todos esses planetas se alinham, começa o inferno astral da classe trabalhadora.

Não podemos afirmar com toda a certeza que se abriu uma nova situação reacionária no país. O mais prudente é aguardar um pouco o desenvolvimento da luta de classes e distribuir as carimbadas mais adiante. Mas, a realidade não nos convida ao otimismo em curto prazo.

A crise econômica no país, que poderia ser um estímulo à luta, aparece sob a forma do desemprego, o que inibe a saída ao combate por parte dos trabalhadores. Além disso, impera no país uma ideia perigosa, já muito vista em outras situações: a de que é preciso restabelecer a “ordem”, de que é preciso acabar com a baderna e o crime. Na luta de classes, esse sentimento nunca foi adubo para coisas boas.

Evidentemente, haverá resistência contra os ataques e as medidas reacionárias. E é preciso que os socialistas intervenham com toda a força em cada luta. Mas, essas lutas partirão de uma situação já defensiva, de avanço das forças reacionárias. Serão lutas para retomar um terreno perdido ou impedir um avanço ainda maior do inimigo. Isso, na guerra, costuma fazer diferença.

Se essa infeliz hipótese se confirma, será preciso toda uma reeducação da esquerda: cavar trincheiras, superar o sectarismo, inibir dentro de si este ímpeto selvagem pela destruição mútua. Será preciso também reforçar as conclusões políticas: foi a colaboração de classes e o “amplo leque de alianças” petistas que nos trouxeram a esse triste cenário. E, portanto, são fórmulas que não devemos repetir.

De qualquer forma, ser revolucionário não é esperar a revolução na próxima esquina. Esta ideia infantil pode ser útil em curto prazo porque extrai de cada militante todas as forças para a tarefa do dia. Mas, em médio prazo é uma ideia nociva e desmoralizante. Os revolucionários são pacientes com o tempo histórico. Meu colega de portal, Valério Arcary, diria que os revolucionários são maratonistas.

É possível fazer política revolucionária mesmo em situações bastante defensivas. Assim o fizeram 99,999% dos revolucionários que algum dia viveram no planeta Terra.

Mais do que possível, é necessário. Pode ser frutífero. É diferente, porque não estamos acostumados. Mas, é a nossa obrigação.

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil