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OPRESSÕES

Precisamos falar sobre gordofobia

Por: Rayane Silva Guedes, de Belo Horizonte, MG

Esse é um tema que tenho refletido há muito tempo, mas confesso que ainda tenho muita dificuldade em expô-lo. Tenho uma avaliação um pouco diferente do que observo nas discussões em torno desta temática. Não entendo que a gordofobia seja uma opressão tal qual o machismo, o racismo e a lgbtfobia. Entretanto, é uma opressão da qual precisamos discutir e combater. Essa minha avaliação se consolida desta forma, pois o padrão corporal sempre foi moldado de acordo com os tipos de sociedades. Em outras culturas ao longo da história da humanidade, o corpo belo e saudável já foi o corpo gordo. E a magreza era considerada feia, ou relegada aos ‘famintos’, ou ‘doentes’.

Historicamente, o corpo foi moldado e enxergado de modo a ser útil para a produção material e nossa forma de reprodução. Com o pós período industrial e a chegada do mundo moderno, os corpos também mudaram e a partir desta referência se construiu o que enxergamos como saudável e belo atualmente. Entretanto, estes padrões de corpos sempre foram opressivos para um setor da população. E em especial para as mulheres. Nas fotos antigas, podemos ver as colunas tortas e quebradas pelos espartilhos. Nas histórias do meu avô, a solidão das mulheres muito magras para a época.

Fato é que atualmente tanto a mídia, quanto as relações sociais são baseadas na cultura da magreza. Não digo que pessoas gordas são 100% saudáveis. Mas, uma pessoa acima do peso, ou obesa pode viver com qualidade se pratica atividades físicas e se alimenta bem. Assim como uma pessoa muito magra. O problema é que essa cultura produz, assim como outras épocas, pessoas doentes. Seja pela depressão de não se encaixar num padrão, ou mesmo por distúrbios alimentares, entre outros motivos.

Além disso, a gordofobia atinge em especial a auto estima e estipula uma maneira de relacionamento com a sociedade aos que não se encaixam no corpo magro. Para as mulheres, isso é ainda mais cruel. Nós sabemos que sempre vão haver os olhares tortos nas ruas, o comentário sem noção das amigas magras, como o “Nossa, como eu estou gorda”, como se for gordo fosse uma coisa horrível. Ou quando sua amiga corta a foto e você sabe que é para não aparecer sua barriga. Na família, os milhões de pedidos pra você fazer dieta. Na infância, as milhares de ‘fórmulas mágicas’ que a mãe faz você engolir pra ver se emagrece. Na adolescência, os remédios.

Mas, nos relacionamentos amorosos. Ah, nos relacionamentos amorosos não existimos enquanto escolha, enquanto mulheres que devem ser respeitadas. A impressão que tenho é que muitas vezes a frase nojenta “mulheres gordas que são estupradas deveriam agradecer o favor” não está só na boca dos fascistas, direitosos de merda, estupradores. Mas, muitas vezes, na percepção de vários caras que já fiquei. E nos olhares de muitos. Do tipo como você não é ‘bonita’ o que vier é lucro, qualquer tipo de relação bosta que você tiver está valendo. Ou o cara acha que pode ser abusivo contigo porque você não vai responder. Como se merecêssemos o pior. Que mulher gorda que nunca passou pela situação do fim de festa. Sobram os caras que não conseguiram pegar as minas padrão. E eles acham que você também não pegou ninguém. E acham que você obrigatoriamente tem que ficar com eles. Afinal de contas, você acha que é alguém pra decidir isso!? A gente até é meio convencida a isso. Que, afinal de contas, o cara já foi meio legal de estar ficando com você. Então, tudo bem ele fazer o que quiser com seu corpo.

Se para alguns é ódio, para outros é natural. Assim, em relação aos abusos, não digo somente as mulheres gordas. Mas, as mulheres negras, as transexuais, em maior ou menor grau também vivem um nível alto de exposição a esta violência. Mas, é no sexo casual, nos rolos que percebemos que não é só isso. Somos vistas como aquelas que se pode pegar no escurinho, escondido de todos. Mas, para namorar, apresentar para os amigos, andar de mãos dadas não servimos. E com o tempo você passa até a acreditar que realmente não merece um relacionamento estável. Que é isso, tem que se acostumar a cada dia a estar com um diferente, até o cara jogar na sua cara que você atrapalha ele a se relacionar com outras. Que, oh, por incrível que pareça, são mulheres brancas e magras. E não é só nos relacionamentos heterossexuais. Vejamos a maioria dos casais de lésbicas. Em sua maioria são mulheres gordas se relacionando apenas com mulheres gordas. Mas, ufa, pelo menos alguém se ama nessa vida.

Não estou dizendo que obrigatoriamente você homem, ou mulher precisa se relacionar com alguém fora do padrão. Afinal de contas você ainda se esconde sobre o leque das desculpas de “gosto é gosto”. Ou de “eu não me atraio só por pessoas bonitas”, mas só serve pra uma noite na cama. Como se a gente não fosse essa maravilha toda que sei que somos. Mas, precisamos começar a discutir a nossa forma de ver beleza. E de interesse e atração. Precisamos discutir gordofobia.

Sou mulher, bissexual, GORDA com muito orgulho. Espero um dia poder ser feliz com meu corpo, com sua beleza em sua forma de resistência.

Marcado como:
gordofobia / opressão